Esotérico (ou) Gil Moreno
Velas Içadas
Igarapé das mulheres (parte II)
Osmar Jr é um artista brasileiro. Nortista de Macapá, é cantor, compositor, poeta, na constelação da música popular amapaense. Iniciou seus estudos musicais aos 14 anos de idade. A canção "Igarapé das Mulheres" diz assim:
O tempo leva tudo / O tempo leva a vida / Lá fora as margaridas fazem cor / Eu lembro a alegria / Boiar naquelas águas / E ver as lavadeiras lavando a dor / E lavavam a minha esperança perdida / De crescer lá no igarapé / E lavavam o medo que tinha da vida / E agora o meu medo o que é?
“Igarapé” está no título, "tempo" inicia a canção. Se igarapé é uma espécie de rio, podemos associar rio e tempo. Rio tem fluxo, tempo tem fluxo. Rio passa, tempo passa. Se o tempo passa, a vida passa. É feito um rio: flui. Rio flui, vida flui. Quantas vezes não nos pegamos pensando: "se eu pudesse voltar no tempo, faria diferente". Mas isso não é possível. Então, “o tempo leva tudo, o tempo leva a vida”. O artista fala de um tempo de alegria, boiar naquelas águas, brincar no igarapé ali mesmo onde mulheres lavavam as roupas, onde margaridas fazem cor. Linda a imagem trazida pelo poeta. A canção continua…
A minha nave, um tronco navegava / As estrelas, entre as palafitas / E as lavadeiras / Nas minhas aventuras, Poraquê / Pirarara, Piranha Peixe-Boi, Boto, Igara / E lavavam a minha paixão corrompida / As mulheres do igarapé / As Joanas, Marias, deusas, Margaridas / Lavarão o que ainda vier
O artista continua nos apresentando paisagens: um tronco que navega levando o artista a uma viagem imaginária, estrelas brilhando, palafitas, lavadeiras. Podemos imaginar mulheres, os pés molhados de igarapé, cantando enquanto lavam roupas, panos, toalhas etc. Peixe elétrico, pirararas, piranhas, bichos perigosos e encantados pela poesia. Quem seriam as mulheres que lavam a paixão corrompida?
Joanas, Marias, deusas, Margaridas. Se Margaridas, mulheres. Mulheres-flores.
Osmar fala de uma paixão corrompida que foi lavada. Mas o que seria uma paixão corrompida? paixão corrompida pode ser compreendida como uma paixão contaminada, paixão estragada, subornada. Paixão destruída, paixão que foi maculada por alguma força de repressão, alguma força de negação. Numa perspectiva mais alegre, podemos pensar que a paixão está sendo restaurada. Sobretudo se considerarmos que a paixão foi lavada pelas mulheres do igarapé. Dada a extraordinária das mulheres e das flores, e da água do igarapé (palavra musical), a corrupção realizada na paixão foi lavada e, não bastasse, o artista sabe o risco permanente que a paixão está submetida. A paixão está ameaçada pela corrupção do mundo humano, das forças que corrompem a paixão ontem, hoje e sempre. Há paixões corrompidas que esperam ser lavadas para virar paixão renovada, e, neste processo de estragar a paixão e reapaixonar, podemos usar a palavra reencanto. Cantar e reencantar, com todos os riscos da corrupção humana.
Corromper a paixão pode ser compreendida como estragar uma paixão. Quem nunca? errar e desejar que o tempo volte para seguir por outros caminhos. Mas foi, e o tempo não volta. É como rio que flui da nascente até a foz, a vida flui do nascimento até a morte. Princípio, meio e fim.
Ivan Rubens
Tempo com você
Tempo com você
(Cláudio Bolão e Ivan Rubens)
Quero te levar pra conhecer
o amanhecer, ver o sol nascer
Mas que dia lindo
É você sorrindo
O vento assanhando teus cabelos
o seu olhar perdido em tom de apelo
Na aurora então, surge uma paixão
Quero é provar o teu sabor
deliciar o puro mel da flor
Onde o dia é mais puro
e o tempo é mais seguro
Vamos nos deliciar nesse prazer
da nascente até o entardecer
Mais um dia de domingo
ver o teu rosto sorrindo
Felicidade é ter tempo com você
Quero te levar pra ver o mundo
quando a vida passa num segundo
chove agora, então
Macapá, Carvão
Vamos nos deliciar nesse prazer
da nascente até o entardecer
Mais um dia de domingo
ver o teu rosto sorrindo
Felicidade é ter tempo com você
Maré cheia
Maré cheia
(Claudio Bolão e Ivan Rubens)
uma criança pés na areia
olhos para o rio
imenso e misterioso rio
uma criança pés na areia
olhos para o mar
imenso e misterioso mar
Uma criança brincando na areia
pulando as ondas, virando sereia
É maré cheia
Uma criança brincando na areia
pulando as ondas, virando sereia
É maré cheia
Uma criança entrando na mata
colhendo maracujá,
brincadeira, taperabá.
Uma criança entrando na mata
colhendo burití,
brincadeira, uxí, bacurí.
Uma criança, uma meninota,
o tempo passando outra vida que brota
É maricota.
Uma criança, uma meninota,
o tempo passando outra vida que brota
É maricota.
(solo longo)
Uma criança brincando na areia
pulando as ondas, virando sereia
É maré cheia
É maricota
É mar e flora
É maré cheia
Um voo mais bonito
Depois de refutar a si próprio pensando no sonho de igualdade, e um canoeiro vencendo a força do majestoso rio Amazonas com seu remo em punho...
Das terras tucujus onde a floresta é diversidade pura, diferença pura em perfeita harmonia
Assim como o açaí e farinha d'água com peixe ou camarão
Assim como o queijo com goiabada que chegam de fora contribuindo com a diferença e a harmonia
Tudo isso que a vida nos oferece de beleza e alegria,
Natureza viva...
em respeito a tudo isso, em respeito a todos e todas nós, um sonho de igualdade em direitos e oportunidades.... Um voo mais bonito
Lá na margem longa, cotovelo de um rio
no encontro de horizontes
no céu puro, uma fonte a me desaguar
Avisto_o revoar
Avisto_o revoar
Há norteador de coragem
quanta certeza dentro desses corações
No voo mais bonito, como alcançar?
Vem nos acordar
Vem nos acordar
no despontar do sol a cada manhã
toda verdade ali, naquela alvorada de passarinhos
Que sejamos gaivotas
sejamos pardais
que sejais curruíras, curió, tanto faz
de pluma branca, mestiça, amarela
nós somos iguais.
Que sejamos gaivotas
sejamos pardais
que sejais curruíras, curió, tanto faz
Cantando, voando, horizontes abertos
nós somos iguais.
(Cláudio Bolão e Ivan Rubens)
Igarapé das mulheres (parte I)
Inicio a primeira parte deste texto com uma afirmação: cada palavra é um mundo! Se você conhece o museu da língua portuguesa na capital paulista, ouviu uma frase que é repetida como um refrão: "penetra surdamente no reino das palavras, penetra surdamente no reino das palavras, no reino das palavras, das palavras"... Trata-se do fragmento de um poema de Carlos Drummond de Andrade:
Penetra surdamente no reino das palavras. / Lá estão os poemas que esperam ser escritos. (…) / Chega mais perto e contempla as palavras. / Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra / e te pergunta, sem interesse pela resposta, / pobre ou terrível, que lhe deres: "Trouxeste a chave?"
Para Drummond, cada pessoa carrega (talvez dentro do coração) a chave para entrar no reino das palavras, lugar onde estão os poemas que ainda não foram escritos. O poeta te convida para chegar mais perto, te convida para contemplar as mil facetas das palavras. São faces secretas, facetas escondidas debaixo de uma face aparentemente neutra. Mas as palavras não são neutras, as palavras não são neutras! Por algum motivo meu inconsciente me coloca neste poema do Drummond com uma outra palavra. No lugar de ‘reino, sempre vem a palavra ‘mundo’. Inconscientemente, ‘mundo’ substitui ‘reino’. Na minha leitura mais íntima fica assim: penetra surdamente no mundo das palavras. Penetra surdamente no mundo das palavras, no mundo das palavras, das palavras... Desatento, aquele estado que o inconsciente (danadinho) se manifesta, troco ‘reino’ por ‘mundo’. Gosto dessa manobra inconsciente. Particularmente, gosto mais de mundos do que de reinos. Reino pressupõe um castelo com uma porta imensa, rodeada de soldados, trancas e chaves. Mundos talvez não tenham portas, nem trancas, nem soldados, nem chaves. Pelo menos os mundos aqui imaginados.
Que bom poder imaginar livremente... imaginar mundos abertos, sem portas nem chaves, nem grades de todo tipo, grades físicas como aquelas que protegem janelas das casas nas cidades, tampouco as grades que limitam nossa capacidade de pensar, grades que estão dentro das cabeças, grades que impedem o corpo de sentir, o coração de sentir, grades não físicas mas, por assim dizer, grades imateriais, grades subjetivas.
Uma palavra muito presente na Amazônia e no Pantanal, tem uma sonoridade adorável: Igarapé. A palavra foi adotada do tupi e significa literalmente "caminho de canoa", dada a junção dos termos ‘ygara’ (canoa) e ‘apé’ (caminho). Lindo, não? Na língua Tupi, igarapé é "caminho da canoa"! Podemos dizer que igarapé é um curso d'água constituído por um braço longo de rio ou canal. Apenas pequenas embarcações, como canoas e pequenos barcos, podem navegar pelas águas de um igarapé devido a sua baixa profundidade e por ser estreito.
Na cidade de Macapá/AP, o Igarapé das Mulheres lança suas águas no rio Amazonas, e recebe influência do rio Amazonas. No próximo artigo você conhecerá a canção ‘Igarapé das Mulheres’. Até lá.
Ivan Rubens
Mu-dança
Ébrios
Que sejamos nós os ébrios
Os que espalham, régios,
O mundano evangelho das esquinas!
Proclamemos, nós, sinais
Do fígado das horas
E as canções profanas!
Não nos dobremos, nós
À putrefata voz do algoz
Que nos sublima!
Devoremos, sim, a vida
A sina, os dias, os anos
Intrépidos? Profanos!
Que sejamos nós os bêbados
que caminham, trôpegos,
As esquinas mundanas da cidade fria
Beberemos, nós, sinais
Do trânsito acelerado
E dos carros violentos
Só nos dobremos, nós
À marquise úmida
Que nos abriga
Devoremos, sim, a vida
A sina, os dias, os anos
Artrópodes? Profanos!
Que sejamos nós os loucos
Os que empurram, poucos,
Carrinhos, papelões, amigos fiéis
Reclamemos, nós, sinais
Do muro alto que separa
E do portão que aprisiona
Só nos dobremos, nós
À beleza da arte
Que nos liberta
Devoremos, sim, a vida
A sina, os dias, os anos
Antropófagos profanos!
Nuno Moraes e Ivan Rubena
Andarilhagens Pantaneiras
Quero quero
Jatobá
(introdução com o som dos jatobás)
O som da cachoeira vindo do Jatobá / Nasci na cordilheira desaguei no Guamá / Tesouro escondido que atrai o olhar / Banzeiro diferente, Araxá, Macapá.
Paisagem, simetria, coração por um fio / Poesia rabiscada, ensaiada num canto do Brasil
Lampejo, gravidade / estou saindo do chão / Vestindo um chapéu / de palha “azul confusão” / Na aba o mistério, tão intensa atração! / Maria que o diga, acordes desta canção.
Ensaio, fim de tarde, bossa, blue, um café / E eu tiro o chapéu, retiro meu chapéu só pr'aquela mulher
É nessa onda carimbó, marabaixo / que eu saio pro mato sem pressa de voltar / Visto o chapéu azul que controla o tempo, / no preciso momento, à sombra do jatobá.
Cláudio Bolão e Ivan Rubens
Falsete da emoção
Falsete de emoção
Pare na ladeira / descida traiçoeira / Mudança de Estação
Em raios lancinantes / Manhã tão cintilante / torrente de paixão
Num cofre ali guardado / Um ponto iluminado / E pulsa o coração
Se abro a janela / Solfejo em aquarelas / Falsete da emoção
Se a noite ali está / um poeta a pensar / Um acorde, um violão
Se o tempo não passar / Que não é de se estranhar / o poder da criação
Seja do jeito que for / mas que seja uma canção / que toque a alma e dê sabor / que sapeca, o coração
Seja do jeito que for / seja lá o que Deus quiser / que agrade o coração / no peito de uma mulher
Cláudio Bolão e Ivan Rubens
Igarapé de mulheres
As palavras são um mundo, cada palavra é um mundo inteiro ou pode ser um mundo inteiro. Me lembro que no museu da língua portuguesa na capital paulista, uma frase é repetida como um refrão: "penetra surdamente no reino das palavras, penetra surdamente no reino das palavras, no reino das palavras, das palavras"... Trata-se do fragmento de um poema do Carlos Drummond de Andrade, que diz assim:
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos. (...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
"Trouxeste a chave?"
Para Drummond, cada pessoa carrega (talvez dentro do coração) a chave para entrar no reino das palavras, lugar onde estão os poemas ainda não escritos. Ele te convida para chegar mais perto e te convida ainda para contemplar as palavras, afinal, cada palavra tem mil faces. São faces secretas escondidas debaixo de uma face aparentemente neutra. Mas as palavras não são neutras, as palavras não são neutras! Meu inconsciente, por algum motivo, me coloca neste poema do Drummond com uma outra palavra. Meu inconsciente me traz mundo no lugar de reino. Na minha leitura mais íntima: "penetra surdamente no mundo das palavras. Penetra surdamente no mundo das palavras, no mundo das palavras, das palavras"... Desatento, aquele estado que o consciente (danadinho) se manifesta, troco reuni por mundo. Gosto dessa manobra inconsciente. Particularmente, gosto mais de mundos do que de reinos. Reinos pressupõe um castelo com uma porta imensa, rodeada de soldados, trancas e chaves. Mundos talvez não tenham portas, nem trancas, nem soldados, nem chaves. Pelo menos os "mundos" aqui imaginados. Que bom poder imaginar livremente... mundos abertos, sem portas nem chaves, nem grades de todo tipo, grades físicas como aquelas que protegem janelas das casas nas cidades, tampouco as grades que limitam nossa capacidade de pensar, grades que estão dentro das cabeças, grades que impedem o corpo de sentir, o coração de sentir, grades não físicas mas, por assim dizer, grades imateriais, grades subjetivas.
Uma palavra muito presente na amazônia, tem uma sonoridade adorável: Igarapé. Uma palavra musical. A palavra foi adotada do tupi. Significa, literalmente, "caminho de canoa", através da junção dos termos ygara (canoa) e apé (caminho). Lindo, não? Na língua Tupi, igarapé é "caminho da canoa"! Podemos dizer que igarapé é um curso d'água amazônico (de primeira, segunda ou terceira ordem,) constituído por um braço longo de rio ou canal. Existem em grande número na Bacia amazônica. Caracterizam-se pela pouca profundidade e por correrem quase no interior da mata. Apenas pequenas embarcações, como canoas e pequenos barcos, podem navegar pelas águas de um igarapé devido a sua baixa profundidade e por ser estreito.
O tempo leva tudo / O tempo leva a vida / Lá fora as margaridas fazem cor / Eu lembro a alegria / Boiar naquelas águas / E ver as lavadeiras lavando a dor / E lavavam a minha esperança perdida / De crescer lá no igarapé / E lavavam o medo que tinha da vida / E agora o meu medo o que é?
Igarapé está no título da canção, e a letra começa com a palavra-mundo "tempo". Um afeto inicial produzido pela obra de arte, então, associa Igarapé e tempo. Se igarapé é um curso d'água, é (por assim dizer) um rio, podemos associar o rio ao tempo. O rio passa, o tempo passa. O rio tem fluxo, o tempo tem fluxo. Uma boa imagem para nos ajudar a pensar é a ampulheta, a areia que, passando pelo funil da ampulheta, cai do recipiente superior para o inferior. A areia da ampulheta não volta, a água do rio não volta, o tempo não volta. O tempo passa e, com ele, a vida passa. É feito um rio: flui. O rio flui, a vida flui. Quantas vezes não nos pegamos pensando: "se eu pudesse voltar no tempo, faria diferente". mas isso não é possível.
Então, o tempo leva tudo, o tempo leva a vida. O artista fala de um tempo de alegria quando era possível brincar no igarapé, de boiar nas águas, ali mesmo onde as lavadeiras realizavam seu trabalho se lavar roupas, ali mesmo onde as margaridas fazem flor. Linda a imagem trazida pelo poeta, linda.
A canção continua:
A minha nave, um tronco navegava / As estrelas, entre as palafitas / E as lavadeiras / Nas minhas aventuras, Poraquê / Pirarara, Piranha Peixe-Boi, Boto, Igara / E lavavam a minha paixão corrompida / As mulheres do igarapé / As Joanas, Marias, deusas, Margaridas / Lavarão o que ainda vier
O artista continua nos apresentando paisagens, belas paisagens: um tronco que navega provavelmente boiando sobre as águas, com a capacidade de transportar o artista numa viagem imaginária, uma noite de céu estrelado cujo brilho pode ser observado entre as palafitas, as lavadeiras. Podemos imaginar mulheres com os pés molhados de igarapé, cantam lindamente enquanto lavam suas roupas, seus panos, suas toalhas, suas redes etc. E os bichos, seres encantados pela maravilha da obra de arte:peixe elétrico, Pirararas, Piranhas, peixes perigosos mas também bichos encantados. Tudo isso lava a paixão corrompida, sobretudo as mulheres do igarapé. Aqui vale um olhar mais cuidadoso:
são Joanas, são Marias, deusas, são Margaridas. Olha ela aparecendo novamente: a margarida da primeira frase aparece com letra minúscula, sinalizando a planta, a flor, uma margarida em flor, colorida. Se me permitem imaginar, uma margarida amarela cor de sol, margaridas amarelas e uma margarida em Sol, linda, exuberante, uma paisagem florida como um dia claro, quente, um dia de sol.
Osmar fala de uma paixão lavada. Mas ele não para por aí, ela qualifica essa paixão: uma paixão corrompida que foi lavada. Talvez as mulheres do igarapé tenham lavado a paixão, tenham lhe tirado a corrupção. Uma paixão corrompida foi lavada. Mas o que seria uma paixão corrompida? paixão corrompida pode ser compreendida como uma paixão contaminada, uma paixão pervertida, uma paixão viciada. Uma paixão estragada, uma paixão subornada. Ou seja, podemos compreender que a paixão destruída. Destruída, estragada, contaminada, pervertida, viciada... uma paixão que perdeu suas características originais, que foi maculada por alguma força de repressão, de negação, por algum afecção triste. Olhando numa perspectiva positiva, uma perspectiva da alegria, podemos pensar que a paixão está sendo restaurada porque lavada. Sobretudo se considerarmos que não foi lavada de qualquer jeito, pelo contrário, foi lavada por mulheres extraordinárias: as mulheres do igarapé. Dada a extraordinária das mulheres e das flores (amareladas de sol), e da água do igarapé (palavra musical), a corrupção realizada na paixão foi lavada e, não bastasse, o artista sabe o risco permanente que a paixão está submetida. A paixão está ameaçada pela corrupção do mundo povoado pelo humano, das forças que corrompem a paixão ontem, hoje e sempre. Conheço paixões corrompidas que teimam em manter-se viva à espera da delicadeza das mulheres do igarapé em lavá-la e, lavando, a paixão se restabelece. Para virar paixão renovada, e, neste processo de estragar a paixão e reapaixonar, como estamos falando de uma canção podemos usar a palavra reencanto, ou na ação de reencantar. Cantar e reencantar, apaixonar e amar. Com todos os riscos de ter corrompidos tais sentimentos. Cantar e reencantar, apaixonar e amar.
Deixa chover, ô ô ô
A cidade de Belém/PA é conhecida por muitas coisas, inclusive pela chuva. Dizem que em Belém chove quase todos os dias sempre no final da tarde. Dizem que é comum as pessoas marcarem compromissos para depois da chuva: "nos encontramos depois da chuva". Uma pesquisa rápida apresenta várias cidades brasileiras onde a chuva ultrapassa os 3.000 milímetros no período de um ano, a maioria delas situadas na região Norte do Brasil. O ano de 2023 foi bastante chuvoso na cidade de Rio Claro/SP também: 1.837 milímetros.
Guilherme Arantes é um artista brasileiro, cantor e compositor, nascido na cidade de São Paulo no ano de 1953. A canção “Deixa Chover” começa assim:
CERTOS DIAS DE CHUVA / NEM É BOM SAIR DE CASA, AGITAR / É MELHOR DORMIR / SE VOCÊ TENTOU E NÃO ACONTECEU... VALEU! / INFELIZMENTE NEM TUDO É / EXATAMENTE COMO A GENTE QUER
A cantora Vanessa Moreno diz que, quando era criança e tinha algum pedido negado pela mãe, tal negativa se justificava com a canção do Guilherme na voz materna: "Infelizmente nem tudo é / Exatamente como a gente quer". Aqui vemos um trecho bem pedagógico, desses que educa para a vida. Porque a vida nos ensina exatamente isso: nem tudo é exatamente do jeitinho que a gente quer. O nosso desejo é ilimitado, mas a vida nos coloca limites, o mundo nos coloca limites, a sociedade nos coloca limites. O tempo nos dá limites, as outras pessoas nos colocam limites. Nosso próprio corpo nos coloca limites. Tudo isso que nos dá limites, também nos dá possibilidades... A canção continua:
AS PESSOAS SEMPRE TÊM CHANCE DE JOGAR / DE NOVO E ERRAR / VER O QUE CONVÉM / RECEBER ALGUÉM / NO SEU CORAÇÃO... OU NÃO / INFELIZMENTE NEM TUDO É / EXATAMENTE COMO A GENTE QUER
Que bom!!! poder errar e continuar tentando. A canção nos convida a pensar na errância, o erro livre do acerto, do certo em oposição ao errado, mas pensar e experimentar o erro como errância, e a errância como movimento. O movimento mesmo da vida, possibilidades de vida dentro do tempo determinado da vida, porque o corpo tem limites e a vida que habita um corpo tem fim, o fim determinado pela morte.
DEIXA CHOVER Ô Ô Ô / DEIXA A CHUVA MOLHAR / DENTRO DO PEITO TEM UM FOGO ARDENDO / QUE NUNCA VAI SE APAGAR
Fogo que arde no peito pode ser compreendido como a chama do desejo, da vontade. Desejo de viver, vontade de lutar pela vida, uma força que alimenta, que anima, que coloca nosso corpo na ativa. Mas tudo isso tem o limite inexorável da morte. A canção “Deixa Chover” estourou no Brasil em 1981 na voz do próprio Guilherme Arantes mas, para mim e para as minhas irmãs Graziella e Ivanessa, a canção fez sucesso mesmo na voz grave de um rioclarense que, violão no colo e bigode proeminente, cantava para as crianças embalando aquela década mágica de nossas vidas.
João Afonso Faglioni, nos encontramos depois da chuva.
DEIXA CHOVER Ô Ô Ô…
Ivan Rubens
publicado no Jornal Cidade de Rio Claro na edição de 16 de abril de 2024
Um Homem Comum
sobre Nietzsche, Peter Gast e Caetano Veloso
O baiano Caetano Veloso tem uma obra vastíssima. Você, certamente, conhece alguma canção deste artista baiano, talvez nem saiba tratar-se de uma canção de Caetano ao cantarolar. Neste texto vamos falar de uma canção pouco conhecida intitulada 'Peter Gast'. A canção está no álbum chamado UNS, de 1983, onde aparecem clássicos como o samba enredo É Hoje, como Eclipse Oculto e outras canções. A canção ‘Peter Gast’ começa assim:
SOU UM HOMEM COMUM, QUALQUER UM / ENGANANDO ENTRE A DOR E O PRAZER / HEI DE VIVER E MORRER COMO UM HOMEM COMUM / MAS O MEU CORAÇÃO DE POETA PROJETA-ME EM TAL SOLIDÃO...
Sou um homem comum.... O artista pode estar falando de si mesmo, mas se Caetano estiver falando de um eu lírico, ‘Sou’ pode ser qualquer pessoa. Assim ele nos empurra a pensar para fora do ego, para fora ou para além do sujeito, pensar sem sujeito. Então, ‘sou um homem comum’, sou uma mulher comum. Qualquer homem, qualquer mulher, apenas mais um, apenas mais uma, na multidão. Assim a canção começa nos convidando para um passeio pelo comunal, por esta dimensão daquilo que pode ser de todos, de todas, de cada um e cada uma, que ao mesmo tempo não é de ninguém. Mas (e sempre tem um mas...), um coração de poeta, mas a poesia pode projetar, a poesia pode lançar, a poesia pode ascender a alma, elevar o espírito, a poesia pode ampliar os horizontes, pode nos fazer voar. Um outro verso da mesma 'Peter Gast' diz assim:
NINGUÉM É COMUM, E EU SOU NINGUÉM. NO MEIO DE TANTA GENTE / DE REPENTE VEM (...) O PROFUNDO SILÊNCIO / DA MÚSICA LÍMPIDA DE PETER GAST
Mas (e sempre tem um mas), ninguém é igual, mesmo gêmeos não são iguais. Toda pessoa é singular, se faz na singularidade do percurso da vida.
ESCUTO A MÚSICA SILENCIOSA DE PETER GAST / PETER GAST, O HÓSPEDE DO PROFETA SEM MORADA / O MENINO BONITO, PETER GAST / ROSA DO CREPÚSCULO DE VENEZA / MESMO AQUI NO SAMBA-CANÇÃO DO MEU ROCK'N'ROLL / ESCUTO A MÚSICA SILENCIOSA DE PETER GAST
Você talvez esteja se perguntando: quem é esse tal de Peter Gast? de onde a inspiração para o artista criar a sua obra de arte? Acontece que Caetano Veloso estava muito interessado no filósofo alemão Friedrich Nietzsche, leu um livro a respeito da vida do filósofo e ficou fascinado com a personalidade de Johann Köselitz, igualmente músico e compositor, amigo de Nietzsche até o final de sua vida, que dedicou parte significativa de sua vida à amizade com seu ex-professor e sua produção filosófica e intelectual. A propósito do livro ‘Humano, demasiado humano’, Nietzsche dizia: “fundamentalmente, Gast foi o escritor enquanto eu fui apenas o autor”. Assim ficou conhecido Köselitz: Peter Gast.
ESCUTO A MÚSICA SILENCIOSA DE PETER GAST / PETER GAST
Composição: Gast pode significar ‘hóspede’, pode significar ‘visitante’ ou ‘convidado’. Um homem comum, um homem ninguém, um menino bonito, um músico e compositor que se fez conhecido na voz e nas palavras do amigo Nietzsche.
Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 19 de março de 2024
Amarelo
Ela chegou.
Era amarelo, longo e lindo o vestido.
Tecido no mais fino linho, talvez algodão. Talvez ceda, não sei. Talvez.
O tecido importa menos. Importa mais a tecelagem.
Não a da peça, mas a tecelagem em pessoa: ela é muita gente.
Ela tece, tece linhas de vida. Tece fios de afeto, insana.
Artesã, romã, coração e cabeça, ela não está sã.
Curaçau, cacau,
maravilhosa vista aérea da dorsal.
o vestido quase não cobre as costas dela.
Bela, ela estava ali vestida de sol, vestida de sol.
Quando ela chega, somos como que atingidos pelo brilho do sol,
ela brilha à sol. Ela é Sol.
Solange? não.
Soledade? não.
Sol, assim, apenas sol.
Ela despiu-se do sol.
Despida, o vestido que pouco cobria o verso do ventre
melhora
melhora
melhora a vista da dorsal.
Ela estava ali despida de sol:
é maravilhosa como cada raio de sol,
maravilhosa como cada raio de luar.
Luar e luau, ela traz consigo.
Ela é a festa, alegria, graça.
mesmo quando a graça é completamente sem graça, é ela quem traz
Ela é sol
Ela é lua
Ela é rio
Ela é fio
Ela é vida
A vida que se pretende viver.
Ela está livre. Ela foi. Um dia ela volta.
Talvez
Talvez
De volta pro Aconchego
Dominguinhos e Luiz Gonzaga são artistas. Artistas são pessoas dotadas de grande sensibilidade, são pessoas à flor da pele. Artistas são pessoas que carregam dentro de si a energia da criação. Sem a criação, artistas talvez não conseguissem viver, talvez implodiriam. Trata-se do contrário: artistas são seres em explosão, seres em erupção. Imagine uma bexiga de festa infantil que explode quando cheia demais. Imagine um vulcão que dá passagem ao magma incandescente desde as profundezas da Terra para a superfície, derramando lava, a rocha em estado líquido. A imagem do vulcão nos ajuda a pensar como eu imagino que aconteça no corpo dos artistas: a criação como uma fervura que está nas profundezas da alma humana, que passa pelo corpo do artista e chega à superfície, que derrama no mundo sua beleza em forma de arte. Uma canção, por exemplo.
De Dominguinhos e Nando Cordel, a canção “De volta pro aconchego” diz assim:
Estou de volta pro meu aconchego / Trazendo na mala bastante saudade / Querendo um sorriso sincero, um abraço / Para aliviar meu cansaço / E toda essa minha vontade
O eu lírico fala da alegria de retornar a um lugar. Um lugar que, neste caso, pode ser uma cidade, uma casa, um lugar de aconchego. Ele chega trazendo na mala saudade, o desejo de um sorriso e um abraço. Um abraço como o lugar do aconchego. A canção continua…
Que bom poder tá contigo de novo / Roçando o teu corpo e beijando você / Pra mim tu és a estrela mais linda / Seus olhos me prendem, fascinam / A paz que eu gosto de ter
Contigo, "roçando o teu corpo e beijando você", indica ser o lugar do aconchego uma pessoa. Uma pessoa com o brilho da estrela mais linda, cujo olhar fascina, cuja presença produz um ambiente de paz. Afinal, “quando a gente ama, brilha mais que o Sol”, mas essa é outra canção (rs).
É duro ficar sem você, vez em quando / Parece que falta um pedaço de mim / Me alegro na hora de regressar / Parece que eu vou mergulhar / Na felicidade sem fim
Se é duro ficar sem esse lugar de aconchego (e é), por outro lado, acessar este lugar do aconchego é sentir uma felicidade sem fim, uma alegria eterna. Uma eternidade no sentido da ternura, da chama acesa, da vida que pulsa. E do desejo de mergulhar mais profundo, mesmo que um pouquinho mais profundo, num encontro potente, um encontro que significa um tempo e um espaço à parte, um tempo e espaço separado da rotina, separado do dia-a-dia, um tempo e um espaço para contemplação e sublimação. Sublimação como observar um amanhecer, um nascer de Sol, um ser novo que vem à luz do dia, ou um golfinho que salta nas águas, um boto, uma preguiça na árvore. Uma criança que pedala a bicicleta sem as rodinhas e sem as mãos de um adulto, que caminha pela primeira vez, uma criança desenhando ou lendo sozinha as primeiras letras. Uma castanheira na floresta amazônica. Comer fruta do pé.
Ivan Rubens
Aconchego
Dominguinhos (José Domingos de Morais, 1941-2013) é pernambucano, sanfoneiro, cantor e compositor. Amigo de Luiz Gonzaga, sua formação musical passa pelo baião, bossa-nova, choro, forró, xote e jazz.
Dominguinhos e Luiz Gonzaga são artistas. Artistas são pessoas dotadas de grande sensibilidade, são pessoas à flor da pele. Artistas são pessoas que carregam dentro de si a energia da criação. Sem a criação, artistas talvez não conseguissem viver, talvez implodiriam. Pelo contrário, os artistas são seres em explosão, seres em erupção. Imagine uma bexiga de festa infantil que explode quando cheia demais. Imagine um vulcão que dá passagem ao magma incandescente desde as profundezas da Terra para a superfície, derramando em lava a rocha em estado líquido. A imagem do vulcão nos ajuda a pensar como eu imagino que aconteça no corpo dos artistas: a criação como uma fervura que está nas profundezas da alma humana, que passa pelo corpo do artista e chega à superfície, que derrama no mundo sua beleza em forma de arte. Uma canção, por exemplo.
Em parceria com Nando Cordel, a canção “De volta pro aconchego” diz assim:
Estou de volta pro meu aconchego / Trazendo na mala bastante saudade / Querendo um sorriso sincero, um abraço / Para aliviar meu cansaço / E toda essa minha vontade
O eu lírico fala da alegria de retornar a um lugar. Um lugar que, neste caso, pode ser uma cidade, uma casa, um lugar de aconchego. Ele chega trazendo na mala saudade, o desejo de um sorriso e um abraço. Este lugar de aconchego poderia ser um abraço? A canção continua…
Que bom poder tá contigo de novo / Roçando o teu corpo e beijando você / Pra mim tu és a estrela mais linda / Seus olhos me prendem, fascinam / A paz que eu gosto de ter
Contigo, "roçando o teu corpo e beijando você", indica ser o lugar do aconchego uma pessoa. Uma pessoa com o brilho da estrela mais linda, cujo olhar fascina, cuja presença produz um ambiente de paz.
É duro ficar sem você, vez em quando / Parece que falta um pedaço de mim / Me alegro na hora de regressar / Parece que eu vou mergulhar / Na felicidade sem fim
Se é duro ficar sem esse lugar de aconchego (e é), por outro lado, acessar este lugar do aconchego é como se tomado por uma sensação de felicidade sem fim, uma espécie de alegria eterna. Mas lembremos que eterno não é para sempre. Talvez seja e_terno no sentido de uma ternura, da chama acesa, da vida que pulsa. E do desejo de mergulhar mais profundo, mesmo que um pouquinho mais profundo, num encontro potente, um encontro que significa um tempo e um espaço à parte, um tempo e espaço separado da rotina, separado do dia-a-dia, um tempo e um espaço para contemplação e sublimação. Como observar um amanhecer, um nascer de Sol, ou mesmo imaginar o sol nascendo como se fosse uma criança, rompendo barriga da noite e trazendo a luz, a força, o calor e a alegria. Imagino que seja contemplar uma barriga que cresce, contar os dias em 40 semanas, ouvir o primeiro choro da criança que nasce.
Cidades me habitam
Eu adoro Brasília
Vista de cima, a cidade tem o desenho de um avião.
É o Plano Piloto
No corpo do avião ficam os ministérios. Na cabine do avião fica a sede dos 3 poderes: executivo (Palácio do Planalto onde fica o presidente da república), legislativo (congresso nacional onde ficam deputados e senadores) e judiciário (o supremo tribunal federal). Isso que a TV mostra todos os dias
Já trabalhei em Brasília. Adoro a cidade.
Nas asas do avião são a asa sul e a asa norte. Casas, apartamentos, comércio e serviços.
Cidade cara demais. Museu a céu aberto, no corpo do avião, prédios são obras de arte.
Uma cidade linda e toda planejada. tudo feito da melhor qualidade. paisagem de rara beleza, se ha natureza é construída por mãos humanas. a natureza de uma certa humanidade.
uma cidade mto diferente das outras.
fazia um tempão q eu não vinha a Brasília. Vim na posse do Lula em primeiro de janeiro de 2023.
eu sinto saudade das cidades que eu conheço. E até das cidades que ainda não conheço eu sinto saudade. Sinto saudade de Barcelona e Madri. Sinto saudade de Sevilha. Sinto saudade de Lisboa. Sinto saudade do museu do Louvre em Paris, das ruas de Roma, até de Montevidéo, Caracas e Bogotá que estão pertinho eu sinto saudade. Sinto muita saudade de Havana. Cidades que ainda não conheço mas sinto saudade. Budapeste, Moscou, Pequim, Tokyo, Cidade do Cabo, Luanda, Nairóbi, Dakar, Lomé, Porto Novo, Lagos. Sinto saudade de Bombaim, de Kuala Lumpur, de Hanói. Se acaso conhecê-las, ainda sentirei saudade dessas cidades. Conhecer uma cidade é estar em contato com um pedacinho dela, um pedacinho de sua matéria. Passamos pelas cidades mas nunca conheceremos as cidades. E as cidades passam por nós em sua concretude e seu misterio. Portanto sentiremos saudade das cidades que nos habitam.
Eu moro na cidade e as cidades me habitam. Morar e habitar, morar e habitar e conhecer. Uma busca eterna, uma busca com ternura.
rios, ruas e risos
Para quem vive na cidade, transporte e trânsito pressupõem rodas. tudo sobre rodas: caminhões, ônibus, carros, motos, bicicletas. Tudo transitando sobre estradas, ruas e avenidas, de asfalto ou chão de terra batida.
Imagine você um lugar onde rios são mais e maiores que as ruas. Ilhas onde carros não transitam, onde asfalto não faz lá muita diferença. Um lugar onde roda que mais interessa é a roda do carrinho de mão que transporta nos quintais e terrenos as bananas e mandioca. Imagine você um lugar onde a rua é menos importante que o rio. Um lugar onde o rio é mais importante que a rua.
Rio mais que rua
Rio maior que rua
rio mais importante que rua
Quando cheguei ao Norte do Brasil, ri muito disso: rio mais que rua.
Eu ria disso, ainda rio. Ainda rio disso: rio mais que rua.
Neste Norte do Brasil, pessoas e mercadorias transitam pelos rios mais que pelas ruas. Trânsito maior por rios que ruas.
rios são ruas
rios que são estradas
rios ruas
rios estrada
Rios por onde transitam, por onde passam, por onde circulam pessoas e mercadorias. Tudo isso dá p ver porque estão passando por cima do rio. mas por baixo, dentro das águas, o que tem ? peixes, bichos, sedimentos, e histórias fantásticas. histórias de boto, de sereias, história do minhocão d'água, história de encantados. História da deusa que levou pela mão o homem para morar no fundo do rio.
Rios por onde passam catráias encantadas entre Brasil e França. Brasil indígena que vive dentro da água, de gente q toma banho de rio, vários banhos por dia para aliviar o calor. Vários banhos por dia para viver com o calor, para conviver na quentura. A França, famosa por seus perfumes, está na outra beira do rio Oiapoque.
Aqui no Brasil do hemisfério Norte, eu busco, eu procuro, me encanto em todo canto, rio. Eu rio, meu eu rio ri de gente que não gosta de rio.
Mergulho no rio
(M)eu rio
Eu rio
Rio como metáfora da vida. Rio e vida... rio passa, vida passa. Nem rio nem vida voltam atrás. Olhar atentamente para um rio é entender um pouco mais a vida, a fluidez da vida, o movimento da vida, a vida que passa. A vida que passa e não volta atrás. A vida sem o movimento da maré, a vida que passa como a areia que passa pela ampulheta e, ao final, repousa no fundo de terra.
Ivan Rubens
Flor da idade
Suavidade
sua idade,
tenra idade.
toda idade é tempo,
tempo de flor
flor da idade
idade da flor
floridade
florada
mulher florada florida
criança querida
nascida na Flórida
É só pensar…
Corpos e movimento: uma pedagogia da cidade
Corpos e movimento: uma pedagogia da cidade foi tema do 104o bate papo cultural.
realizado no dia 1 de setembro de 2016
O que é o amor?
Tem pergunta que pede resposta objetiva, tem pergunta que exige reflexão, tem pergunta que aparece como um convite para pensar, tem pergunta que faz pensar e sentir. Arlindo Cruz é um sambista carioca originário das rodas de samba do Cacique de Ramos. Em parceria com Maurição e Fred Camacho, Arlindo lança uma pergunta aparentemente simples mas muito complexa. A canção O QUE É O AMOR? começa assim:
SE PERGUNTAREM O QUE O AMOR PARA MIM / NÃO SEI RESPONDER, NÃO SEI EXPLICAR / MAS SEI QUE O AMOR NASCEU DENTRO DE MIM / ME FEZ RENASCER, ME FEZ DESPERTAR / ME DISSERAM UMA VEZ QUE O DANADO DO AMOR PODE SER FATAL / DOR SEM TER REMÉDIO PARA CURAR. / ME DISSERAM TAMBÉM QUE O AMOR FAZ BEM E QUE VENCE O MAL / E ATÉ HOJE NINGUÉM CONSEGUIU DEFINIR O QUE É O AMOR
A palavra amor, na língua portuguesa, pode significar afeição, compaixão, misericórdia, ou ainda inclinação, atração, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, libido. No popular, fala da formação de um vínculo emocional com alguém que seja capaz de receber o comportamento amoroso e enviar os estímulos necessários para manutenção e motivação do amor. Amar também tem o sentido de gostar muito.
Para Adélia Prado, o amor é a vitalidade. A filósofa e poetisa mineira diz mais ou menos assim: “quando se ama uma pessoa, cabe tudo, só não tem espaço para o tédio”. Vitalidade no sentido de animação, no sentido de energia vital, de vontade de viver mais. No contato, o corpo ganha leveza. O beijo derruba as máscaras e expõe olhos e alma, transforma tensão em riso. ‘No vinho está a verdade’, diziam os antigos romanos: a língua fica mais solta e a verdade aparece. Ouvi recentemente num quilombo no interior do Mato Grosso que “verdade é a palavra que nasce no coração”. Amantes estão despidos de preconceitos e pudores, amantes estão vestidos de sabores, cores, odores, enfim: amores. A canção continua….
QUANDO A GENTE AMA, BRILHA MAIS QUE O SOL / É MUITA LUZ, É EMOÇÃO O AMOR / QUANDO A GENTE AMA, É O CLARÃO DO LUAR / QUE VEM ABENÇOAR O NOSSO AMOR.
Sol é estrela, Sol é um corpo celeste, Sol produz energia, Sol emite energia pelo espaço. Parte dessa energia é luz. Sol pulsa, Sol brilha, Sol é luz, Sol ilumina, Sol aquece, Sol anima. Arlindo Cruz associa a chama do seu amor ao brilho do sol. Sol brilha, Sol dá vida…
Um escritor carrega um sol desenhado na pele desde muito novo. Um desenho que pigmenta a derme, aquece, incendeia a alma e a vida. Sol tatuado no braço. Sol aquecendo o coração. Sol segue no horizonte, destino de uma caminhada sem destino, como diria o uruguaio Eduardo Galeano em suas ‘Janelas para a Utopia’. Sol no horizonte inatingível, como se estivesse do outro lado do mundo (e talvez esteja). O poeta uruguaio tranquiliza essa breve reflexão sobre o amor em altas temperaturas. Sob e sobre sol. Sol e amor são palavras que podem caminhar de mãos dadas porque Sol não apaga.
E para você, o que é o amor?
Ivan Rubens
escritor ensolarado