A cidade enquanto sucessão de tempos desiguais

Se o assunto é modelo de gestão pública, Suzano é um Oásis num deserto de mesmices. Nas últimas semanas, o povo e a prefeitura de Suzano registraram mais algumas páginas dessa história escrita a várias mãos. Mãos calejadas pelo trabalho, rostos marcados pelo tempo, corpos desassossegados num mundo injusto que navega ao sabor dos ventos do mercado, que nos captura e escraviza, numa sociedade dividida em classes onde poucos têm tanto e a imensa maioria possui quase nada. Às centenas vão às plenárias do orçamento participativo: se encontram nas escolas, debatem sobre a vida, sobre as coisas que são públicas, sobre os problemas dos bairros e da cidade. Constroem coletivamente soluções e navegam pelos meandros do rio caudaloso chamado democracia, misterioso e jovem.

Importante destacar que implementar o OP exige coragem, criatividade e ousadia, características da atual gestão em Suzano. Para fazer um bolo, por exemplo, basta seguir a receita. Administrar uma cidade com participação popular, ou seja, transformar o modelo de gestão significa reinventar a democracia, significa assumir um papel educativo ao governar, significa compreender a informação como direito, significa partilhar as responsabilidades, a decisão e o poder. Significa, enfim, desprendimento, tolerância, paciência e confiança. Para Milton Santos, a cidade é uma sucessão de tempos desiguais. Parece complicado? Não é não, afinal estamos falando do povo de Suzano que ficou abandonado durante trinta anos pela sucessão de governos surdos e autoritários.

Enquanto adultas e adultos discutem as coisas da cidade, o espaço dedicado às crianças garante o direito à brincadeira e diversão. Provocados pelas educadoras e educadores da Prefeitura de Suzano, as crianças movimentam corpinhos e corações no sonho com uma vida melhor. Como seria a cidade a partir do olhar da criança? Parquinho, circo, cinema, brincadeiras, piscina são caminhos apontados. Respeitar a infância é papel da ciranda do OP.

Nas plenárias a população propõe e vota prioridades para o conjunto de bairros. No OP 2008, o mesmo acontece pensando a cidade com um todo. O povo reconhece os avanços na área da saúde como a farmácia popular, a ampliação da rede de atenção básica, a construção do centro de especialidades, o programa de saúde da família, o CAPS, o CEU entre outros. Mas é preciso ter um “hospital público municipal’, decisão nas 8 plenárias já realizadas.

O Centro Cultural do Jd. Colorado está quase pronto; a creche na fazenda Aya está bem adiantada; implantação de rede de galerias pluviais e asfaltamento de ruas a todo vapor; UBSF do Jd. Planalto começou a ser construída. Enfim, o OP em Suzano se mostra rico no processo e apresenta resultados concretos. Portanto, continue participando do OP. Os próximos encontros são na Cidade Edson (27) e na Casa Branca (29).

A plenária do OP jovem acontecerá dia 06/07 na Emef Antônio Marques Figueira. Na próxima 2ª feira (26/6), nos reuniremos no Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi às 14 horas para construir coletivamente mais esse capítulo. Aproveite mais essa oportunidade e dedique-se à “literatura”: escreva conosco mais essa história.

Saciando a fome de pão e de beleza

“Educar é mais do que preparar profissionais para o mercado de trabalho. É tornar as pessoas mais felizes e o mundo mais justo. É um ato de amor. E o amor exige o sair de si mesmo, ir ao encontro do outro, aprender a tolerância, apreciar a diversidade de idéias, a pluralidade de crenças e a singularidade de cada etnia, povo ou região. Nem toda pessoa escolarizada é educada, e há quem seja educado sem nunca ter tido acesso à escolaridade”. A definição é de Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, em seu livro Calendário do Poder. Autor de 54 livros, dentre os quais Fome de pão e de beleza e Essa escola chamada vida - este em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho -, Frei Betto é formado em jornalismo, antropologia, filosofia e teologia e tem concentrado seu trabalho de educação popular junto aos movimentos populares.

Interessado pela articulação em rede das ações de participação popular em Suzano, busquei em Calendário do Poder a experiência de Betto na mobilização social para o programa Fome Zero, junto ao gabinete da Presidência da República.

Em Suzano, Participação Popular é eixo do governo Marcelo Candido. Conselhos institucionais renovados e ampliados no método e na legislação. Conselhos de escola criados em todas as unidades escolares, conselhos gestores nas unidades de saúde e o Orçamento Participativo. A Conferência Municipal de Juventude, por exemplo, deliberou pelo OP Jovem, que acontecerá no dia 7 de junho, às 14h, na Emef Antonio Marques Figueira. Estão todos convidados. Mas, como disse o poeta mineiro/carioca, Milton Nascimento, se muito vale o já feito, mais vale o que virá.

Na sexta-feira (9/5), conselheiros do OP de Suzano, Osasco, Embu das Artes e Guarulhos se reuniram para trocar experiências. Por unanimidade, os participantes aprovaram o encontro e querem continuar o intercâmbio. Portanto, no próximo dia 30 de maio, discutiremos em Embu das Artes a divulgação e a mobilização visando ao crescimento do OP.

Essas cidades constroem a democracia porque votar nas eleições é fundamental, mas é muito pouco. Se por um lado o executivo inova com ousadia, o chefe do legislativo aciona a PM para, a pretexto de “manter a ordem” (que ordem?), expulsar o povo da câmara. O que justifica a maioria dos vereadores não votarem o projeto de lei que autoriza o Executivo a doar terreno para a construção de uma faculdade pública pelo governo federal em Suzano? O interesse público é uma faculdade de graça para o povo daqui!

No horizonte: relações cada vez mais democráticas. Cada uma das cidades aponta para articulações em redes locais de participação popular, aglutinadas a partir de temas como: público versus privado, Estado laico, direitos humanos, participação e educação popular. Enfim, estruturar ações a partir de um programa de participação popular.

Em Suzano, o Restaurante Popular e o Bolsa-Família são ações que têm por objetivo saciar a fome de pão. Já a fome de beleza - “essa busca constante do ser humano por maior harmonia interior, paz de espírito, consciência crítica e discernimento maduro. Essa capacidade de ver o próximo como semelhante dotado de plena dignidade humana, independentemente de sua condição social, étnica, sexual e religiosa” - exige, entre outras coisas, democracia e participação.

Para Betto, “a conquista da cidadania e o aperfeiçoamento da democracia passam, necessariamente, por projetos educativos que insiram a escola cada vez mais em seu contexto social, econômico, político e cultural”. Os alunos da Educação de Jovens e Adultos estão dando aula nas plenárias do OP em Suzano.