Moska e Cristo



O que Jesus Cristo diria hoje?

Foi essa a pergunta que se fez o compositor Paulinho Moska ao se deparar consigo mesmo. Sua imagem refletida no espelho, magro, barbudo e cabeludo, o conduziu a uma reflexão: o que Jesus diria para leitores e leitoras da bíblia nos dias de hoje? Moska é filho de família católica e, ao tornar-se “ateu-ativo” (palavras dele) ampliou seu interesse pela literatura religiosa. Afirma ler compulsivamente livros que constroem, destroem, reconstroem, re-destroem as várias religiões. Afirma também perceber nas religiões um intenso e profundo processo, algo que lhe fascina: uma espécie de obra de arte. Fala da bíblia como um livro belíssimo, uma literatura fantástica. Vê Cristo como o maior poeta do amor. E critica a maneira como as instituições religiosas transformaram a palavra, a partir da bíblia, em dispositivos de controle dos corpos. Daí vem a inspiração para as primeiras frases da canção A Seta e o Alvo: Eu falo de amor à vida, você de medo da morte / Eu falo da força do acaso e você, de azar ou sorte / Eu ando num labirinto e você, numa estrada em linha reta / Te chamo pra festa mas você só quer atingir sua meta / Sua meta é a seta no alvo / Mas o alvo, na certa não te espera Paulinho Moska é um multiartista. Passeia por muitas linguagens: a música, a composição, letras e melodias. O violão. Mas o teatro está na origem. E essa experiência de viver personagens o ajuda a criar canções. Imagine a situação descrita acima: “é como se” Paulinho e Jesus Cristo estivessem frente a frente, conversando, trocando ideia. É um jeito de empurrar o pensamento, de colocá-lo em movimento. É como se o artista colocasse o pensamento para cumprir seu papel: pensar! e a imaginação se lembra que possui asas, e começa a voar. Então nasce uma obra de arte, neste caso uma canção. Eu olho pro infinito e você, de óculos escuros / Eu digo: "Te amo" e você só acredita quando eu juro / Eu lanço minha alma no espaço, você pisa os pés na terra. / Eu experimento o futuro e você só lamenta não ser o que era. / E o que era? Era a seta no alvo / Mas o alvo, na certa não te espera A bíblia foi escrita no seu tempo. Há que considerar seu contexto. Há que perceber o contexto atual para leitura e interpretação das palavras presentes no livro visto que, lembra o compositor, “nada é eterno”. Nem a palavra pode ser eterna: a palavra é frágil, a palavra não explica quase nada. A palavra é pouca para o nosso pensamento, a palavra é curta para nossa potência. A palavra é uma diversão barata. Porque nada, nem mesmo as palavras, nem mesmo nossa capacidade de dizer, nem mesmo a linguagem toda dá conta da própria vida. A vida é mais, a vida é maior do que nossa capacidade de dizer da vida. Eu grito por liberdade, você deixa a porta se fechar / Eu quero saber a verdade, e você se preocupa em não se machucar / Eu corro todos os riscos, você diz que não tem mais vontade / Eu me ofereço inteiro, e você se satisfaz com metade / É a meta de uma seta no alvo / Mas o alvo, na certa não te espera Uma canção na sua dimensão obra de arte se faz por si. A criação de Moska começou assim nas primeiras frases, e vai ganhando vida própria. Segue um curso singular até nascer. Ela é em si, ela é arte é criação. Neste sentido, humanos assumem uma dimensão divina: criadores e criaturas. Criar é um ato divino. Então me diz qual é a graça / De já saber o fim da estrada / Quando se parte rumo ao nada... Ivan Rubens Dário Jr Geógrafo, doutorando em Educação