Manga tem sabor de infância

A manga é o fruto da mangueira. Originária da Índia, chegou ao Brasil trazida pelos colonizadores. Árvore de porte elevado em seu estágio selvagem, copa frondosa e sombra convidativa. No prefácio de À sombra desta mangueira, Paulo Freire conta que as árvores sempre o atraíram, inclusive os pássaros multicores e cantadores que nelas repousam. “O título deste livro é uma licença que me permito e com a qual sublinho a importância que teve na minha infância a sobra de diferentes árvores. (...) Sombra e luz, céu azul, horizonte fundo e amplo dizem de mim. Sem eles apenas sobrevivo, menos que existo. Minha biblioteca de adulto tem algo disso. Às vezes, é como se fosse a sombra da mangueira da minha infância.”

Pode ser a árvore da família das anacardiáceas (Mangifera indica), de origem asiática, de flores pequeninas e ordenadas em tirsos, e cujo fruto é uma drupa carnosa e saborosa, do qual há numerosas variedades. Manga e mangueira podem ainda ser tantas outras coisas.

Mangueira pode ser o tubo de borracha ou plástico para condução de água, ou ainda um grande curral. Manga pode ser uma parte da peça de vestuário, pode ser um grupo, ajuntamento, bando ou turma.

Para mim, a manga é sonora. Soa o calor dos trópicos, transpira e enche a boca d’água: “MAANNGA”. Quem já visitou o Museu da Língua Portuguesa sabe do que estou falando. Aproveite para passear no parque da Luz, na Pinacoteca do Estado e para observar o vai e vem frenético e cosmopolita que parte e chega à estação da Luz. E tem um piano à disposição da multiplicidade dos talentos populares e eruditos.

A manga pode ser bonita, cheirosa e adocicada. Manga verde com sal, saborosa quando amarela, sedutoramente vermelha quando bem madura. Descascar a manga com os dentes e comê-la com as mãos, escapando da boca e escorrendo manga pelo corpo. Os fiapos da manga no vão dos dentes? Nada que um fio dental não resolva. Suco de manga e geleia são delícias difíceis de descrever.

A manga pode ser divertida. Mangar significa caçoar, zombar. Tem sabor de quintal, de comer fruta no pé. Tem sabor de jabuticaba, por incrível que possa parecer, a manga tem sabor de outras frutas. Tem sabor de pitanga e até de laranja poncã.

A manga, danadinha, tem vida. Pelo menos as mangas das mangueiras do quintal dos meus tempos de menino. A manga brinca de esconde-esconde, joga futebol de golzinho, joga hóquei sobre patins, sem os patins é claro, nas traves de caixote de laranja que pegávamos na quitanda para jogar com os cabos de vassoura. Como pode uma criança crescer sem um quintal para brincar? O quintal da minha infância era interminável de tão grande. Ainda hoje sua imensidão cabe na memória deste adulto. Esse espaço para brincar chamado quintal, cujos limites físicos estabelecidos pelos muros não limitam as fantasias e a infância.

Mangueira pode ser, ainda, tradicional escola de samba carioca. O corpo docente é influente: Cartola, Carlos Cachaça, Jamelão, Nelson Sargento, dona Neuma, dona Zica e tantos/as mais. Mangueira, teu cenário é uma beleza. Intacto na memória o casarão da Rua 5 com Avenida 10, fresquinhas na lembrança as duas mangueiras, a jabuticabeira, as laranjeiras, as abelhas que enrolavam no cabelo. Os cães e gatos que durante muito tempo viveram em harmonia, assim como o pintinho que dividia a tigela de ração com a gatinha. Pode parecer história, e é. Histórias de tempos idos que trago no peito e na memória, assim como as brincadeiras e os amigos, as amigas, as alegrias e as fantasias que nunca morrerão e nunca crescerão. E como era grande o meu quintal. Já não dá mais para correr no quintal da minha infância. Ele continua do mesmo tamanho. Eu é que cresci. Portanto, o quintal da minha infância está bem menor. Já não comporta mais as intermináveis brincadeiras, as ilimitadas histórias, as irrealizáveis fantasias. Ou seja, proporcional às dimensões reduzidas das infâncias de um adulto.

Manga tem sabor de infância.

Ivan Rubens Dário Jr.

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro
Publicado no sítio do Jornal Cidade de Rio Claro

Agora eu era...

"Agora eu era o herói e o meu cavalo só falava inglês. A noiva do cowboy era você além das outras três. Eu enfrentava os batalhões, os alemães e seus canhões...". Sabe quando bate aquela vontade de descobrir uma coisa? Vontade que mobiliza, faz sonhar com maneiras de desvendar o mistério e saciar a curiosidade, vontade de vencer o desafio que se nos apresenta. Aproveitei o feriado e me lancei. Aceitei o desafio, remexi minhas coisas, tirei os livros da prateleira, selecionei CDs para ouvir novamente. Até que se desenhou um caminho.

Encontrei num dos documentários sobre a vida e a obra do Chico Buarque o fio condutor. Comentando sobre seu processo de criação, especialmente da composição de suas canções, Chico traça um caminho a percorrer atento ao trajeto, pois muitas coisas podem acontecer. Uma palavra, por exemplo, aparece sem querer ou um acorde errado. Errado? É criação, não tem certo nem errado. Sugere o erro enquanto possibilidade, caminho diferente ou mesmo um atalho que leve para um resultado tão ou ainda mais interessante. Segundo ele, o próprio Leonardo Da Vinci iniciava seus murais aproveitando as manchas existentes nas paredes para cobri-las com sua obra.

Ainda no DVD uma palavra, Chico fala sobre a composição da letra de João e Maria. Recebeu, lá pelos idos de 1976-77, uma fita cassete de Severino Dias De Oliveira, mais conhecido como Sivuca, com o pedido para que Chico escrevesse a letra para a música. O toque da sanfona e a melodia provocaram em Chico a lembrança das brincadeiras de infância. Fantasiando, as crianças diziam: agora eu era o herói; agora eu era o rei; agora eu era... Num mundo em que as brincadeiras são aceitas, os tempos misturam o passado lírico ao presente sapeca, e a vida fica recheada de alegria.

Essa capacidade criativa não é privilégio de alguns. É da natureza humana. A curiosidade e a vontade de desvendar os mistérios, também. É tudo uma questão de exercício associado ao olhar atento às belezas do mundo e da vida. O mesmo Chico Buarque caminhava pela Candelária no Rio de Janeiro quando ouviu os meninos poliglotas pedindo dinheiro aos turistas: monsieur have money per mangiare? Está na canção Pivete.

Assisti recentemente ao longa entre os muros da escola. O filme do cineasta francês Laurent Cantet, que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2008, aborda a geografia de uma sala de aula, as múltiplas relações entre aquele ambiente e as pessoas que ali convivem: alunos e professor, alunos e alunos, professor e professores, professor e pais, alunos e pais. É envolvente e muito realista: o elenco é de professores, alunos e pais na vida real que não interpretam a si mesmos, passaram por um workshop. O roteiro é inspirado no livro de bom François Bégaudeau, que interpreta o professor protagonista. Algumas dicas para o final de semana.



Publicado no Diário de Suzano

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro

Publicado no sítio do Jornal Cidade de Rio Claro

Ele é o cara

Luis Inácio da Silva nasceu em Garanhuns, interior de Pernambuco, em 1945. É o sétimo de oito filhos. Aos sete anos de idade, veio com a mãe e os irmãos para o Guarujá/SP numa viagem de 13 dias num “pau de arara”. Fixaram residência num cômodo atrás de um bar na Vila Carioca na cidade de São Paulo. Foi alfabetizado no grupo escolar Marcílio Dias, começou a trabalhar aos 12 anos em uma tinturaria, foi engraxate e office-boy. Formou-se torneiro mecânico no SENAI e trabalhou na metalúrgica Aliança. Em São Bernardo do Campo filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos em 1968, foi eleito diretor sindical, eleito presidente em 1975 e reeleito em 1978, foi importante liderança política na restauração da prática de greves. Na luta pela redemocratização do país, junto a outros sindicalistas, intelectuais, católicos da teologia militantes da libertação e artistas, fundaram um partido para representar os interesses da classe trabalhadora, o PT. Foi preso pelo DOPS. Foi Deputado Federal constituinte e chegou à Presidência da República.

Descendente de três gerações de generais, Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro em 1931. Sociólogo, lecionou na USP onde assumiu a cátedra de ciência política. Lecionou no Chile, na França, Inglaterra e nos Estados Unidos. Foi pesquisador e diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), militou no antigo Movimento Democrático Nacional (MDB) estimulando a aproximação ao Partido Democrata norte-americano. Seu trânsito junto aos militares e à maçonaria, facilitou o diálogo com setores conservadores na transição da ditadura para redemocratização. No Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi senador líder do governo José Sarney, ministro do governo Itamar Franco. Foi presidente da república por dois mandatos.

FHC é um intelectual vaidoso. Lula é uma das maiores lideranças políticas do mundo na atualidade. Serra e Aécio Neves fogem do príncipe da sociologia, a âncora eleitoral. Por melhorar a vida de milhões de brasileiros/as, o governo Lula conquista índices de aprovação jamais vistos, a aprovação pessoal do presidente é simplesmente impressionante. Com o apoio integral de Lula, Dilma Roussef será a primeira mulher presidente do Brasil. Essa situação deve incomodar muito as elites conservadoras desse país.

Aqui em Suzano o raciocínio é bem parecido. Filho de uma família simples lá do Jardim Revista, um jovem negro implementou políticas públicas e mudou para melhor a vida dos/as suzanenses. A primeira gestão de Marcelo Candido realizou mais que seu antecessor que administrou a cidade várias vezes influencia seus destinos desde que se elegeu vereador em 1973. Nas eleições de 2008, Marcelo Candido derrotou esse ícone da direita reacionária e conservadora de Suzano e continua governando para uma cidade inteira. São dois projetos antagônicos que polarizam a política local e permitem comparações na região. Isso deve incomodar muito as elites conservadoras desta cidade a ponto de seus representantes na câmara municipal tentaram incansavelmente desestabilizar um governo aprovado pelo povo.

Ivan Rubens Dario Jr.

A manga tem sabor de infância

Lara e sua manga. Foto da Fabiane.
A manga é o fruto da mangueira. Originária da Índia, chegou ao Brasil trazida pelos colonizadores. Árvore de porte elevado em seu estágio selvagem, copa frondosa e sombra convidativa. No prefácio de 'À sombra desta mangueira', Paulo Freire conta que as árvores sempre o atraíram, inclusive os pássaros multicores e cantadores que nelas repousam. “O título deste livro é uma licença que me permito e com a qual sublinho a importância que teve na minha infância a sobra de diferentes árvores. (...) Sombra e luz, céu azul, horizonte fundo e amplo dizem de mim. Sem eles apenas sobrevivo, menos que existo. Minha biblioteca de adulto tem algo disso. Às vezes, é como se fosse a sombra da mangueira da minha infância.”

Mangueira pode ser a árvore da família das anacardiáceas (Mangifera indica), de origem asiática, de flores pequeninas e ordenadas em tirsos, e cujo fruto é uma drupa carnosa e saborosa, do qual há numerosas variedades. Manga e mangueira podem ainda ser tantas outras coisas.

Mangueira pode ser o tubo de borracha ou plástico para condução de água, ou ainda um grande curral. Manga pode ser uma parte da peça de vestuário, pode ser um grupo, ajuntamento, bando ou turma.

Para mim, a manga é sonora. Soa o calor dos trópicos, transpira e enche a boca d’água: “MAANNGA”. Quem já visitou o Museu da Língua Portuguesa sabe do que estou falando. Aproveite para passear no parque da Luz, na Pinacoteca do Estado e para observar o vai e vem frenético e cosmopolita que parte e chega à estação da Luz. E tem um piano à disposição da multiplicidade dos talentos populares e eruditos.

A manga pode ser bonita, cheirosa e adocicada. Manga verde com sal, saborosa quando amarela, sedutoramente vermelha quando bem madura. Descascar a manga com os dentes e comê-la com as mãos, escapando da boca e escorrendo manga pelo corpo. Os fiapos da manga no vão entre os dentes? Nada que um fio dental não resolva. Suco de manga e geleia são delícias difíceis de descrever.

A manga pode ser divertida. Mangar significa caçoar, zombar. Tem sabor de quintal, de comer fruta no pé. Tem sabor de jabuticaba, por incrível que possa parecer, a manga tem sabor de outras frutas. Tem sabor de pitanga e até de laranja poncã.

A manga, danadinha, tem vida. Pelo menos as mangas das mangueiras do quintal dos meus tempos de menino. A manga brinca de esconde-esconde, joga futebol de golzinho, joga hóquei sobre patins, sem os patins é claro, nas traves de caixote de laranja que pegávamos na quitanda para jogar com os cabos de vassoura. Como pode uma criança crescer sem um quintal para brincar? O quintal da minha infância era interminável de tão grande. Ainda hoje sua imensidão cabe na memória deste adulto. Esse espaço para brincar chamado quintal, cujos limites físicos estabelecidos pelos muros não limitam as fantasias e a infância.

Mangueira pode ser, ainda, tradicional escola de samba carioca. O corpo docente é influente: Cartola, Carlos Cachaça, Jamelão, Nelson Sargento, dona Neuma, dona Zica e tantos/as mais. Mangueira, teu cenário é uma beleza. Intacto na memória o casarão da Rua 5 com Avenida 8, fresquinhas na lembrança as duas mangueiras, a jabuticabeira, as laranjeiras, as abelhas que enrolavam no cabelo. Os cães e gatos que durante muito tempo viveram em harmonia, assim como o pintinho que dividia a tigela de ração com a gata. Pode parecer história, e é. Histórias de tempos idos que trago no peito e na memória, assim como as brincadeiras e os amigos, as amigas, as alegrias e as fantasias que nunca morrerão e nunca crescerão. E como era grande o meu quintal. Já não dá mais para correr no quintal da minha infância. Ele continua do mesmo tamanho. Eu é que cresci. Portanto, o quintal da minha infância está bem menor. Já não comporta mais as intermináveis brincadeiras, as ilimitadas histórias, as irrealizáveis fantasias. Ou seja, proporcional às dimensões reduzidas das infâncias de um adulto.

A manga tem sabor de infância.

Ivan Rubens Dário Jr

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 01 de Abril de 2010

Disponível no sítio do Jornal Cidade de Rio Claro