Máscara Negra

Tanto riso, oh quanta alegria / Mais de mil palhaços no salão / Arlequim está chorando pelo amor da Colombina / No meio da multidão (...)


Calor naquele samba dominical em Rio Claro quando recebi o convite para esta coluna. Falávamos da vida cotidiana quando uma questão nos ocorreu: será que existe uma canção a respeito deste (ou daquele) tema? para tudo já existe uma canção? Então, pensei: se procurar bem, garimpar, vasculhar o cancioneiro popular, encontraremos sinais, pensamentos, ideias e reflexões, encontraremos os sentimentos e elaborações, os acontecimentos cotidianos mais elementares da existência humana. Nesse fluxo, me lembrei de um silencioso José.


Canções populares como ‘Máscara Negra’, ‘A voz do morro’, ‘Diz que fui por aí’, ‘Opinião’, imortalizadas na voz de grandes intérpretes da música brasileira, são composições de José Flores de Jesus, o Zé Keti.


Eu sou o samba / A voz do morro sou eu mesmo sim senhor / Quero mostrar ao mundo que tenho valor / Eu sou o rei do terreiro / Eu sou o samba / Sou natural daqui do Rio de Janeiro / Sou eu quem levo a alegria / Para milhões de corações brasileiros (...)


Nascido no subúrbio Rio de Janeiro em 1921, Zé Keti cantou o samba, as favelas, a malandragem, seus amores. Seu avô, flautista e pianista, costumava promover reuniões musicais em sua casa, frequentada por bambas como Pixinguinha por exemplo. Mais tarde mudou-se para Bento Ribeiro onde passou a frequentar a quadra da Portela. Um menino quieto, um José, um Zé quieto como era chamado na infância. Quieto virou kéti, daí seu nome artístico. Zé Keti foi peixeiro. Em 1960 abriu uma barraca de peixes na Praça Quinze no RJ.


Podem me prender / Podem me bater / Podem, até deixar-me sem comer / Que eu não mudo de opinião / Daqui do morro / Eu não saio, não


Além de suas canções, um episódio marcou a história da MPB: o Teatro Opinião. No contexto do golpe de militar de 1964, a canção ‘Opinião’ foi traduzida para o teatro e dirigida por Augusto Boal. Zé Keti interpretava um favelado, João do Vale fazia um nordestino das caatingas do Maranhão e Nara Leão, uma garota da alta sociedade carioca, estudante da PUC. Com alguns problemas de saúde, Nara foi substituída pela baiana Maria das Graças, ainda com 17 anos de idade. Para chegar ao Rio de Janeiro a convite de Boal, a menina contou com a ajuda do irmão Caetano Veloso. Assim, entra na cena cultural brasileira a artista Maria Bethânia. Mas essa história fica para outro dia....


No início dos anos 1970, Zé Keti foi para São Paulo onde trabalhou na reforma de prédios, trabalhou como funcionário público e representante de laboratório farmacêutico. Passou os últimos anos de sua vida na casa dos filhos entre SP e RJ. Nunca deixou de compor. Em 1999 recebeu uma homenagem pelos 60 anos de carreira. Em agosto do mesmo ano, com a morte de sua ex-mulher, entrou em profunda depressão. Morreu em 1999 aos 78 anos de idade.


Se alguém perguntar por mim / diz que fui por aí…


José Flores de Jesus é Zé Keti. Um negro suburbano carioca. Um artista brasileiro.


Ivan Rubens, estudante.

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 29/01/2019