Se perguntarem o que é o amor?


Tem pergunta cuja resposta sai de bate e pronto. Tem pergunta que exige alguma reflexão. Agora, tem pergunta que nem mesmo pensando e pensando, parece que a resposta nunca nos agrada. Para questões muito complexas, até conseguimos elaborar respostas aparentemente sólidas. Disse aparentemente porque, com o tempo, tais respostas se desmancham no ar. As respostas são as mesmas, nós é que estamos em permanente transformação.

Arlindo Cruz é um sambista carioca forjado nas rodas de samba do Cacique de Ramos, zona Norte do Rio de Janeiro, com Jorge Aragão, Beth Carvalho, Beto sem Braço, Ubirani e Almir Guineto. Zeca Pagodinho e Sombrinha também participavam. Arlindo compôs uma canção intrigante chamada ‘o que é o amor’ em parceria com Maurição e Fred Camacho. Essa canção foi gravada por Maria Rita no excelente CD ‘Samba meu’. Diz assim: 

“Se perguntarem o que o amor para mim, não sei responder, não sei explicar. Mas sei que o amor nasceu dentro de mim, me fez renascer, me fez despertar. Me disseram uma vez que o danado do amor pode ser fatal, dor sem ter remédio para curar. Me disseram também que o amor faz bem e que vence o mal. E até hoje ninguém conseguiu definir o que é o amor (...)”

Na língua portuguesa, a palavra amor presta-se a vários significados: afeição, compaixão, misericórdia, ou ainda, inclinação, atração, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, libido. O conceito mais popular de amor envolve a formação de um vínculo emocional com alguém que seja capaz de receber este comportamento amoroso e enviar os estímulos sensoriais e psicológicos necessários para a sua manutenção e motivação. Fala-se do amor de muitas formas. Amar também tem o sentido de gostar muito.

Para Adélia Prado, o amor é a vitalidade. Diz a poetiza mineira nascida em 1935 que quando se ama uma pessoa, tem lugar para tudo menos para o tédio. Essa vitalidade amacia os sentimentos e os pensamentos. No contato, o corpo vai se transformando em leveza. A saliva do beijo sacia a sede do/a outro/a como o vinho que derruba as máscaras e expõe os olhos e a alma. O encontro transforma tensão em riso. ‘In Vino Veritas’ diziam os antigos romanos, ou seja, no vinho está a verdade. Na embriaguez, a língua fica mais solta e a verdade vem à tona. Vinho e amor têm capacidades transcendentes. Amantes estão despidos de preconceitos e de pudores. Amantes estão vestidos de amores.

Na conclusão de sua canção, Arlindo Cruz associa a chama do seu amor ao brilho do sol. “Quando a gente ama, brilha mais que o sol. É muita luz, é emoção o amor. Quando a gente ama, é o clarão do luar(...)”. O sol é uma estrela, um corpo celeste que produz e emite energia pelo espaço devido à fusão nuclear. Parte dessa energia eletromagnética é luz.

Para o gaúcho Mario Quintana (1906-1994), “bom mesmo é morrer de amor e continuar vivendo.” O poeta conseguiu acomodar um pouco essa nossa breve reflexão sobre o amor. Afinal, tem pergunta que a vida toda é insuficiente para responder. Pensando bem, existiriam respostas absolutas para determinadas perguntas? Provavelmente não. Sobre as indagações, conclui Quintana: ‘A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas’.

Permita-se viver as emoções. Escolha a boa trilha, vinho tinto seco e poesia.














Naquela mesa está faltando ele. Para Juarez Araújo Braga

Jacob do Bandolim é um importante artista brasileiro. Carioca nascido em 1918 trabalhou como arquivista no Ministério da Guerra, serventuário na justiça do Rio de Janeiro e escrivão na capital carioca. Contribuiu com cultura brasileira, em particular ao choro.
O Choro, ou chorinho, é um gênero musical, uma música popular e instrumental brasileira com mais de 130 anos. Considerada primeira música popular urbana típica do Brasil, é de difícil execução. Quem faz choro é chorão. Chiquinha Gonzaga era chorona. ‘Carinhoso’ é um choro de Pixinguinha. ‘Tico-tico no Fubá’ é de Zequinha de Abreu, ‘Brasileirinho’ de Waldir Azevedo. Heitor Villa-Lobos também chorava.
Jacob do Bandolim faleceu em 1968. Seu filho, Sérgio Bittencourt, compositor e jornalista, criado em rodas de choro, apesar da escrita dura e desaforada era considerado sentimentalista. Abalado com a morte do pai, compôs ‘Naquela mesa’: “Naquela mesa ele sentava sempre e me dizia sempre, o que é viver melhor. Naquela mesa ele contava histórias, que hoje na memória eu guardo e sei de cor. Naquela mesa ele juntava gente e contava contente o que fez de manhã. E nos seus olhos era tanto brilho, que mais que seu filho, eu fiquei seu fã (...)”
Recentemente perdemos Juarez de Araújo Braga. Ele completaria 80 anos em 26 de novembro. Sinto uma falta danada do professor Juarez, das conversas intermináveis, do seu otimismo e da sua energia. Do alto da sua sabedoria, alimentava todos/as à sua volta com energias fundamentais para luta. Ele próprio era a representação concreta de uma vida dedicada à construção de um mundo melhor.
A paciência e a calma do Juarez, a visão de que a vida é processo e a forma sempre tranquila como tratava questões complexas, referenciaram muita gente. Desde 2005 viveu intensamente o processo de democratização da gestão nas escolas da rede municipal de Suzano. Seu envolvimento com o tema era tamanho que a aprovação da Lei que dispõe sobre a criação dos conselhos de escola levou aquele homem de 75 anos às lágrimas. Acreditava cegamente na democracia em todos os espaços da sociedade.
Juarez acolhia com respeito. Do jeito dele, chamando para uma conversa, para um vinho, para uma baladinha, como ele lançava seu convite. Dispunha de conhecimento teórico e filosófico, mas preferia usar do carinho e da tolerância para ensinar, característica de um homem sábio e de um enorme ser humano.
Diziam que eu levava o Juarez para o ‘mau caminho’. Discordo: trilhávamos caminhos da música, da cultura, da filosofia, da política e da democracia. Aprendi com ele, em diálogos às mesas que ele convidava, vivendo momentos de especial sabedoria.
Tinha gosto musical refinado. ‘Canto das 3 raças’, de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte, na voz da Clara Nunes, ‘o mundo é um moinho’ de Cartola. Ao som de Ataulfo Alves, falava com saudade da professorinha.
‘Naquela mesa’ termina assim: “Eu não sabia que doía tanto uma mesa no canto, uma casa e um jardim. Se eu soubesse quanto dói a vida, essa dor tão doída, não doia assim. Agora resta uma mesa na sala e hoje ninguém mais fala no seu bandolim. Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim’.
As mesas estão vazias, a alegria está triste. Quando dói uma saudade, o coração aperta e a voz embarga, basta lembrar do Juarez na celebração da vida. É hora de outro chorinho.

Adoro canções infantis

Chega o final de ano, as festas que confraternizam, movimentam o comércio e a indústria. A indústria fonográfica e seus interesses comerciais, prepara grupos que vão fazer sucesso, estarão nos programas de TV, venderão milhões de cópias. Seremos violentados com canções de qualidade duvidosa, que pouco contribuem para a melhoria dos sujeitos e a transformação da sociedade.

Recentemente comprei um CD infantil para a filha de um amigo. Com canções de Vinícius de Moraes, Toquinho, Chico Buarque e outros, o belo CD chama-se “pra gente miúda” volume I, gravado em 1985. Elis Regina, Ney Matogrosso, Moraes Moreira, MPB4, Chico Buarque, Lucinha Lins e os Trapalhões entre outros, interpretam as canções. Sim, os trapalhões na sua formação original com Didi, Dedé, Mussum e Zacarias visto que a trilha sonora do filme ‘os saltimbancos trapalhões’ constitui-se de versões do musical infantil de Sérgio Bardotti, Luis Enríquez Bacalov e Chico Buarque de Hollanda.

A pequenina está crescendo, dominando os movimentos, dominando a fala e ampliando seu vocabulário. Apesar dos noventa e poucos centímetros, ocupa todo o espaço aonde chega com sua alegria e vitalidade. Captura olhares e atenções, nunca passa despercebida. É uma graça de criança, puxou o pai. Tem lindos olhos claros, puxou a mãe. É uma menina sapeca e encantadora, filha de ambos.

Em Suzano, o diálogo entre Educação e Cultura tem mostrado resultados muito interessantes. São projetos que possibilitam acessar o conhecimento elaborado pela humanidade e que está registrado nos livros e na forma de arte. Um(a) sujeito(a) é resultado daquilo que lê, que escuta, que vê, que vive. Você certamente já se sentiu extasiado diante de uma linda paisagem, diante de um arco iris que contrasta seu espectro de cores com o fundo azul do céu e o branco das nuvens, diante de um por de sol que tinge o céu com a cor do fogo, uma tela deslumbrante ou um filme maravilhoso. Uma bela canção, uma bela poesia permitem tantas leituras quantas nossos olhos forem capazes de enxergar.

Canções são canções. Partem de uma inspiração, passam por um processo criativo e nunca estão concluídas. Até estão acabadas quando registradas no vinil, no CD ou outros formatos. Mas concluídas nunca estão, pois seu criador também é um ser inconcluso. O ser humano é inconcluso, sua obra é inacabada.

Adoro canções infantis.



publicado no jornal sete
página 6

http://www.jornalsete.com.br/pdf/jornal138.pdf