A Terra Querida do Benedito


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Há, no estado do Mato Grosso, um movimento muito interessante em defesa da Vida: Comitês Populares em Defesa das Águas e do Clima. São 13 Comitês Populares distribuídos nos rios que compõem a bacia do rio Paraguai, cujas águas e as lutas pela vida vão tecendo uma rede. Assim como a rede de drenagem compostas pelos rios e afluentes, cada rio contribuindo com suas águas na formação dos rios maiores, as pessoas organizadas em Comitês Populares vão contribuindo com sua luta pela Vida, mas também com sua cultura, com suas danças, sua gastronomia, com seus modos de vida, e assim vão tecendo uma rede social. Uma rede social real onde as pessoas se encontram no movimento e na luta.


Essa luta pela vida se materializa em ações concretas como a defesa dos rios, contra empreendimentos como hidrelétricas e hidrovias, contra o veneno utilizado na monocultura da soja que polui as terras e mata a vida nas águas. Contra o garimpo e a mineração em terras produtivas, contra a invasão e a grilagem da terra onde as famílias produzem alimento para sobreviver. E nesse movimento de luta, as pessoas no campo vão tecendo suas redes de vida e suas redes de cultura.


Benedito Ilino é um pequeno produtor. Ele produz mandioca, banana, abóbora, feijão e milho, cria porco e de galinha. Benedito também cria obras de arte e produz cultura: ele escreveu a canção do rio Jauquara, uma obra cantada pelo povo no Território Quilombola do Vão Grande todo ano no dia 28 de abril, quando se comemora o dia do rio Jauquara. A canção Terra Querida fala da vida no bioma Pantanal:


Mato Grosso terra querida / suas cores me satisfaz / os verdes dos campos e os cheiros dos pantanais / É o jardim da natureza, sua beleza tão magistrais / Águas vivas dos ribeirinhos e o repouso dos animais


Nesta primeira parte, o artista nos apresenta um pouco da sua terra em cores, cheiro, águas e beleza.


A lua surgiu nos montes / deixando raias pra trás / visitando o rio Jauquara e banhando o rio Paraguai / Iluminando os povos de luta e a fé que neles traz / nossos rios por inteiro e os corredores bioculturais / quem bebe de suas águas com certeza não esquece mais


O artista pede os rios por inteiro, sem barragens, sem interdições. Rios cujo fluxo nos remete à vida de povos em luta, povos de fé, rios que são corredores de vida e de cultura. E o refrão é marcante:


Pantanal, pantanal, sua beleza tão natural / Pantanal, recanto na anhuma, olhar das Jumas eu passo mal / Pantanal, aqui é selva / só quando tô com reiva sou animal.


Anhuma é uma ave da região. Mas é no olhar das Jumas que o artista “passa mal”. Quem não se lembra da Juma Marruá, personagem da novela Pantanal? a mulher que vira onça, ou seria uma onça que vira mulher? a selvageria da vida em suas diferentes formas. Diante da vida selvagem, o 'eu lírico' da canção passa mal: pode ser por medo mas pode ser encanto... e uma “réiva” que também o transforma em animal: um homem anhuma, homem arara, tucano, homem peixe jaú, dourado? 

Rios como metáfora da vida, corredores por onde passam vida e cultura. A 'Terra Querida' do Benedito Ilino.


Ivan Rubens

Estudante


Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro edição 16 de maio de 2023