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Quero quero


bacana é ler o texto ouvindo a canção baixinho. 
para fazer isso, clique aqui ao lado: 



No final de semana de 17 de maio de 2024, um “quero quero” passou por Macapá. Foi um show, foram vários shows na verdade. Deize Pinheiro, a Pérola Azulada com Zé Miguel, o Jeito Tucujú com Val Milhomem e Joãozinho Gomes, numa verdadeira Farofa Tropical com Cláudio Nucci.

Paulista de Jundiaí, o artista Cláudio Nucci é cantor e compositor. No Rio de Janeiro em 1971, cursou o então segundo grau com Cláudio Infante, Mu Carvalho, Lobão e Zé Renato. Com este último integrou, em 1978, o grupo Boca Livre gravando canções como Toada (parceria com Zé Renato e Juca Filho), Quem Tem a Viola (parceria com Zé Renato, Xico Chaves e Juca Filho) e Sapato Velho (parceria com Mu Carvalho e Paulinho Tapajós). A canção Quero Quero (parceria com Mauro Assumpção) diz assim:

Ai, eu quero, eu quero tanto / Que você me aceite do jeito que eu sou / Muito inibido, recatado e tímido, puro de amor / Ai, eu quero, quero tanto / Que você me aceite do jeito que eu sou / Arrebatado, atirado, rápido, sem pudor

Quem não quer ser aceito? Chegar num lugar desconhecido, começar num trabalho novo, iniciar um curso são situações que nos colocam diante dessa questão. E isso acontece desde cedo: você se lembra do seu primeiro dia de aula? lembra das trocas de colégio, do primeiro dia de aula no ensino médio? da primeira vez que apresentou um trabalho na faculdade ou que falou em público? a ansiedade gerada por momentos deste tipo talvez carregue a expectativa da aceitação: o que irão pensar de mim? gostarão do que eu vou dizer? portanto, ser aceito pode causar certa expectativa e ansiedade. A canção continua…

Sempre nessa vida solta / Fazendo a gente se chegar / Ao encontro natural / Muito bom de se ficar

Os artistas apresentam um encontro natural, desses que você quer ficar, se demora nele, que você vai criando maneiras de adiar o fim. Então podemos pensar num encontro de corpos, um encontro de amor. Um desses encontros raros, raríssimos, onde caminhos se cruzam, onde pessoas se encontram na vida, quando uma pessoa passa por mim, passa por você, onde você passa por ela mas algo de ambos fica. Fica como uma semente colocada em solo fértil, germina, brota e gera outra vida. Um encontro meio óvulo e espermatozoide, um encontro onde ambos saem tão modificados que tornam-se um outro ser.

Ai, eu quero, eu quero tanto / Que você me aceite do jeito que eu sou / Descabelado, malucado, doido / Mas muito integrado nesse nosso amor

É possível fazer performances, malabarismos, gastar dinheiro visando à aceitação. A canção parece nos indicar algo muito simples e aí mesmo pode estar a beleza e a força dessa obra de arte: primeiro aceitação a si mesmo começando pelas próprias fragilidades, aceitando a precariedade humana, e depois indo na direção do outro carregando consigo qualidades e fragilidades, virtudes e ‘defeitos’, acertos e erros. E ao mesmo tempo, na pureza que o amor é capaz de produzir, uma pureza que gera a força necessária para se apresentar sem máscaras, inibido, recatado, tímido, arrebatado, atirado, rápido, sem pudor, descabelado, maluco, doido, se apresentar assim como se é ou como se está naquele momento da vida, uma espécie de colocar-se de peito aberto e de cara limpa e, aceito, integra-se e cuida dessa relação tão preciosa quanto delicada que é o amor. E viver momentos igualmente delicados e raros, quando sua cabeça está repousada no peito da outra pessoa, quando seu ouvido sente o coração do outro batendo tranquilo, aquele momento onde a simples presença viva do outro traz uma sensação maravilhosa de paz e tranquilidade. Muito integrado nesse nosso amor.

Ivan Rubens
19/maio/2024
#farofatropical #queroquero #claudionucci #macapá #bocalivre #mpb


Quero quero, Cláudio Nucci




Que mundo é esse?


ouça este texto na voz doce da professora Graziella Jordão Marcucci

clique no link acima para ouvir



Este texto tem como título: Que mundo é esse?

mas poderia ser: Um pouquinho por dia...



Nasce um bebê. É linda essa cena. O choro da criança aparece como um símbolo, como um grito: cheguei! Mas, cheguei onde? que mundo é esse?


Coloque-se no lugar do bebê. Você fica cerca de 40 semanas dentro de uma barriga, protegido, protegida, recebendo tudo que precisa para sobreviver. Até que um dia, você, bebê, sai da barriga e vai para o mundo. Mas que mundo é esse?


Um bebê não fala. Mas, se falasse, o que diria?

O que você, bebê, diria na chegada a este nosso mundo? 


Então você deixa aquele mundo de água, passa por um aperto danado, uma passagem estreita e é lançado/a para fora. Mãos te tocam, te enrolam em panos, dedo na tua boca, no teu nariz e teus olhos… E tem um choque térmico: se num hospital, certamente uma sala com ar condicionado em baixa temperatura, se numa aldeia na floresta provavelmente calor, muito calor. E seus braços se movem, pernas, mãos se movem, e coisas que você não conhece tocam no seu corpo, toalhas, paninhos, mãos, algodão. E um monte de ruído toca seus ouvidos, cheiros e tal, um mamilo encontra tua boca… o que te resta é sentir, sentir e sentir.


Ou seja, sua primeira relação com este mundo extra_uterino acontece nos cinco sentidos: audição, olfato, tato e, até, visão e paladar. Ouvidos, nariz, pele, e até os olhos e a língua são intensamente estimulados, mas você não tem palavras para dizer o que te acontece, ainda não tem linguagem, consciência, razão, isso virá com o tempo. Pelo menos não esta linguagem e esta razão que mobilizamos ao ler (e escrever) este texto. O que está operando em você, bebê, talvez uma experimentação intensiva. Você está nascendo para uma (muitas) vida(s) neste mundo. A primeira relação com este mundo fora do útero é sensível e, acredito, a sensibilidade pode ser cultivada durante a vida.


Tem uma palavra para dizer da “apreensão pelos sentidos”, dessa “percepção”. Estética deriva da palavra grega ‘aisthesis’, é uma forma de conhecer, de apreender o mundo através dos cinco sentidos. Uma música, exemplo de obra de arte, é uma criação humana que toca nossos ouvidos. Uma tela, exemplo de obra de arte, é uma criação humana que toca nossos olhos. Uma poesia, literatura, dança, ou o cheiro de uma comida, um prato bonito, o barulho da cerveja caindo no copo, o cheiro do vinho, a cor do suco da fruta colhida do pé, tudo isso vai criando um desejo. Estamos falando de um cultivo da sensibilidade que nos torna mais humanos, um pouquinho por dia. 


‘O contrário também sei que pode acontecer’: podemos cultivar sementinhas de medo e ódio, um pouquinho por dia. Acredito nas belezas como produtoras de sensibilidades e de uma humanidade mais interessante. Quero sugerir duas obras de arte: JEITO TUCUJÚ, de Joãozinho Gomes e Val Milhomem, (hino popular do Amapá); e SABOR AÇAÍ, de Joãozinho Gomes e Nilson Chaves, homenagem a esse alimento maravilhoso que é o açaí. A Música Popular Amapaense é um mundo de beleza e poesia. Um pouquinho por dia.


Ivan Rubens

Educador popular



JEITO TUCUJÚ, de Joãozinho Gomes e Val Milhomem. Por Grupo Senzalas


SABOR AÇAÍ, de Joãozinho Gomes e Nilson Chaves. Por Nilson Chaves.


Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 8 de agosto de 2023.