Garupa de moto amarela


leia o texto abaixo ouvindo a canção. clique aqui:  



Tim Bernardes é um jovem artista. Nascido em 1991, é cantor, compositor e produtor. Eu já o conhecia antes mesmo de conhecê-lo. (rs)

Tim Tom Tim Tom… Em 2013, o tropicalista Tom Zé gravou "Papa Francisco Perdoa Tom Zé", leitura das redes sociais como tribunal para condenação sumária de comportamentos e pessoas: o feicebuqui como tribunal da santa sé. Para minha surpresa, a canção não é criação de Tom Zé mas de Tim Bernardes. Interessante saber da obra e depois saber de seu criador.

Também de Tim Bernardes, “BB (garupa de moto amarela)”, diz assim:

Tudo em volta tem me confirmado, bebê / Que eu e você somos coisa de alma / O universo tem deixado claro, bebê / Só quem não quer ver, não enxerga / Namora comigo, eu namoro com você / Garupa de moto amarela / É meu feriado favorito, você / Quem eu quero ser tem que estar do seu lado

Um rapaz recebeu essa canção de sua namorada. Ela costuma ouvir atentamente a letra das canções, descobrir os mistérios da música, desvendar os mundos que os artistas apresentam em suas obras de arte. Uma obra de arte cria, apresenta, revela mundos. Soledad, a garota, costuma ouvir repetidas vezes, buscar, mergulhar, ela tem o bom hábito de habitar as canções. Fã de Belchior, Soledad é boa ouvinte das melodias, cantora atenta aos andamentos, leitora das letras. Surpreso com a descoberta da namorada, Gira, o rapaz, gostou de “é meu feriado favorito, você”: um feriado para ter o tempo para si, ser soberano do próprio tempo, senhor da própria vida. Surpreso também com “quem eu quero ser tem que estar do seu lado”: muito bonito pensar que ‘não se é’ mas ‘se esforça para ser’ algo de interessante e, para tanto, estar ao lado de Soledad é fundamental, é belo, é necessário. Para ele, é possível ser quem ele deseja se ao lado dela: ele Gira, ela Sol.

Já me apaixonei ficando cego, bebê / Com você eu sonho de olho aberto / Quero amar e sempre ver de perto você / Vamos explorar Santa Cecília, bebê / Eu sigo você sossegado / Pode me seguir também, vou te fazer bem

Bonito pensar numa paixão às cegas, de olhos fechados como num sonho. Será que no sonho vemos mais de perto? e, ligando as duas partes da canção, se eles estão na moto amarela, ele pilota com ela na garupa, ela pilota com ele na garupa. Sobre a moto, piloto e garupa estão praticamente grudados, bem perto, garupa abraçado à pilota: “sigo você sossegado”.

Podemos curtir de mãos dadas / Você muda tudo, e tudo fica tão bem / Mil cores, melhores amigos / Nós não vamos mais ser tão sozinhos, bebê / Conto com você, pode contar comigo

Soledad acorda de um jeito, passa o dia de outro e anoitece uma terceira pessoa. Soledad é pura mudança. Já o rapaz, Gira, se adapta às mudanças de Sol, mexe, remexe, faz, refaz, satisfaz os caprichos dela. Ela, cantora. Ele, dançarino dos caprichos dela. Sol de Maria seria “curtir de mãos dadas”, mas ela soltou as mãos dele: nem dança nem cantoria, nem garupa de moto amarela. A moto amarela foi encostada.

Bom pensar nas possíveis histórias de amor que uma canção pode embalar. BB (garupa da moto amarela), é uma canção de Tim Bernardes.


Ivan Rubens

publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 03 de setembro de 2023


Tim Bernardes
BB (garupa de moto amarela)


alegria do samba

quando o samba me pega, é assim
entro na roda com pandeiro e tamborim
canto com uma alegria que 
que parece nunca ter fim

Quando o samba me chama, é de esquentar
entro na roda com o reco-reco e o ganzá
toco com a alegria que
parece nunca acabar

Quando ele me sacode, é pra balançar
caio no samba com o corpo querendo sambar
e danço com a alegria que
parece nunca terminar

o samba é alegria
o samba tem energia
é a melhor parte de mim
o samba é a melhor parte de mim

Ébrios, bêbados e loucos


Que sejamos nós os ébrios

Os que espalham, régios,

O mundano evangelho das esquinas!


Proclamemos, nós, sinais 

Do fígado das horas

E as canções profanas!


Não nos dobremos, nós

À putrefata voz do algoz

Que nos sublima!


Devoremos, sim, a vida

A sina, os dias, os anos

Intrépidos? Profanos!


Que sejamos nós os bêbados

que caminham, trôpegos,

As esquinas mundanas da cidade fria


Beberemos, nós, sinais

Do trânsito acelerado

E da vida q circula intensa.


Só nos dobremos, nós 

À marquise úmida 

Que nos abriga


Devoremos, sim, a vida

A sina, os dias, os anos

Artrópodes? Profanos!


Que sejamos nós os loucos

Os que empurram, poucos,

Carrinhos, papelões, amigos fiéis


Reclamemos, nós, sinais

Do muro alto que separa

E do portão que aprisiona


Só nos dobremos, nós

À beleza da arte

Que nos liberta


Devoremos, sim, a vida

A sina, os dias, os anos

Antropófagos profanos!



(Nuno Moraes e Ivan Rubens)

Enquanto houver Sol


Experiência: leia o texto ouvindo a canção.
É só clicar aqui: 




Vibra o aparelho celular, chegou uma mensagem: é uma foto belíssima, estética e simbolicamente. Ao olhar a fotografia, marcas de um passado recente se fizeram vivas na memória mas também se fizeram vivas no corpo, vivas no desejo. Ou seja, vibraram o corpo e a alma. Para alguns indígenas, “a alma é a parte invisível do corpo”, portanto a alma é corpo também. É a alma que viaja quando sonhamos, quando o corpo está repousando, o sonho é o passeio da alma, o sonho é o voo da alma. Nos sonhos, almas se encontram. Sonhar com alguém e ter encontro de almas.

A foto mostrava uma praia fluvial iluminada pelo sol poente. O sol no horizonte refletindo todo seu brilho amarelo meio fogo, meio puxando para o dourado, cor de fogo na água doce parada daquela pequena cidade na fronteira Brasil e Guiana Francesa.

Uma pessoa de luz própria, iluminada de sensibilidade, faz a fotografia. Na cena, tem um Sol ardendo em chamas. Tem a luz de Sol brilhando as águas doces de uma praia fluvial. Tudo isso no segundo plano, um plano de horizontes abertos. No primeiro plano a areia fina preenchendo todo o espaço entre a fotógrafa brilhante de olhar sensível até o ponto onde a lâmina d'água toca suavemente a superfície de areia fina.

Maria Bethânia canta: Eu vi um menino correndo / eu vi o tempo / brincando ao redor do caminho daquele menino. Linda composição da iluminada, da brilhante artista das imagens e dos sons. Uma outra canção aparece: Enquanto houver Sol…

Quando não houver saída / Quando não houver mais solução / Ainda há de haver saída / Nenhuma ideia vale uma vida / Quando não houver esperança / Quando não restar nem ilusão / Ainda há de haver esperança / Em cada um de nós, algo de uma criança

Ainda na foto, exatamente na linha onde se encontram a água doce com a areia fina, uma criança de quase 4 anos está agachada sentindo nos pés a areia, e nas mãos a água doce. O menino belíssimo, brinca tranquilamente. Imaginem um menino bem no início, um menino que, apesar de amazônida, mostra certa fobia da areia nos pés. Um menino urbano que, apesar de amazônida, está absolutamente aprisionado no medo da água. Um menino amazônida que não toma banho de rio, tampouco brinca nas águas.

Quando não houver caminho / Mesmo sem amor, sem direção / A sós ninguém está sozinho / É caminhando que se faz o caminho / Quando não houver desejo / Quando não restar nem mesmo dor / Ainda há de haver desejo / Em cada um de nós…

Mas o desejo de Sol ilumina um coração que, apaixonado pela vida, brinca com o menino belíssimo. Brincam de fazer massagem nos dedos dos pés com a areia do rio. Brincam com a água pelo vão dos dentes numa brincadeira de molhar os cabelos cacheados, lindos como o da mãe. Brincam no pneu que balança sobre o espelho d’água. Brincam o menino belíssimo e o coração iluminado de Sol. Uma espécie de alfabetização aconteceu e a foto mostra o infante 'beníssimo' livre do medo, brincando peladinho nas águas do rio como um pequeno curumim.

Enquanto houver sol / Enquanto houver sol / Ainda haverá…

Coração iluminado de Sol, coração à espera de Sol, coração ardendo de Sol. Enquanto houver sol é uma canção da banda Titãs.


Ivan Rubens
blogdoivanrubens.blogspot.com








pensamento e sonho


Penso em ti todos os dias

sempre que pisco, penso em ti

quando respiro, penso em ti

logo que acordo, penso em ti

na caminhada, penso em ti


Só quando durmo não penso em ti

dormir é a melhor parte da saudade

dormir é sonhar contigo.

Sonho que andamos na rua de mãos dadas

que paramos na esquina a rir da cidade

sonho que escolhemos vestidos

sonho que espio você violando a cortina do provador 

sonho com teu corpo doando beleza aos vestidos

sonho que toco tua mão no banco de trás do uber

sonho com você na minha cama 

cama onde te amo.

te amo como se fosse a primeira vez

te amo como se fosse a última vez

te amo em pé diante da pista vazia esperando aviões

te amo no sofá

te amo na rede

te amo debaixo do chuveiro

te amo de todo jeito 

com beijos intermináveis

beijos longos e infinitos

te amo do jeito mais bonito, com amor e sexo

latifúndio e invasão

selvagerias, paganismos, 

divino e animal


um casal que conseguiu fazer a mistura fina

sentiu tudo isso junto

mas não teve tempo para viver tudo isso junto

um sonho

bonito e divinal

belíssimo início



Fruta de rua

Feira?

Feira eu faço lá fora.

Fruta eu pego na rua. 

Figo não tem, 

mas tem mamao, jambo, cajú,

manga tem de sobra, farturaçaí. 

Procurando bem tem acerola, goiaba,  talvez amora 

tudo com gosto de rua,

tudo pra coletar

coletar

Feira de fruta faço lá fora

Feira de fruta faço na rua


Esperando aviões ou Pista vazia


Experiência: leia o texto ouvindo a canção.                 
                                   É só clicar aqui ao lado 


(Este texto pode ter dois títulos: 'Esperando aviões' ou 'Pista vazia'. 
   Escolha aquele que você preferir.)



Vanderli Catarina é mineiro, nasceu em 1966 em Belo Horizonte. Cantor e compositor, assina sua obra como Vander Lee. Começou sua carreira cantando em bares de BH na década de 1980 e a partir de 1987 passou a apresentar sua composição para o público. Bom observador das paisagens e do fluxo da vida urbana, suas canções falam dos acontecimentos da vida cotidiana.

A canção chamada Esperando aviões diz assim:

Meus olhos te viram triste / Olhando pro infinito / Tentando ouvir o som do próprio grito / E o louco que ainda me resta / Só quis te levar pra festa / Você me amou de um jeito tão aflito / Que eu queria poder te dizer sem palavras / Eu queria poder te cantar sem canções / Eu queria viver morrendo em sua teia / Seu sangue correndo em minha veia / Seu cheiro morando em meus pulmões /

O eu lírico vê alguém triste, com olhar perdido, com um grito que vibra dentro do próprio corpo. Um grito surdo. Ao observar a cena, o eu lírico da canção percebe haver um procura, uma busca aflita como se um grito de dor, não imagino que uma dor física tipo quando a gente bate o dedinho do pé na quina da porta entreaberta. Mas uma dor que dói fundo na alma, nesta parte invisível do corpo. Ouvir o som do próprio grito desesperado de uma dor que vem do fundo da alma. Em reação, o eu lírico toma uma atitude tresloucada que resultou em festa, amor. Mas um amor aflito como uma pessoa dividida em dois amores por exemplo. São muitos amores nesta vida mas vivê-los ao mesmo tempo pode, imagino, gerar aflição. Sim porque deve ser difícil estar inteira neste ou naquele, por isso “amou de um jeito tão aflito”. Trata-se de uma leitura possível.

Então o eu lírico da canção faz uma lista dos desejos de mistura dos dois corpos: dizer sem palavras pode ser compreendida como a linguagem dos corpos, pode ser compreendida como a cumplicidade de pensamento, pode ser entendida como uma linguagem de gestos, de toques, de carinho, uma espécie de telepatia que se dá na intensidade dos encontros e na cumplicidade dos sentimentos comuns, pode ser entendida como a linguagem do amor por exemplo. É como cantar sem canções…

Então chegam imagens que considero muito bonitas:

eu queria viver morrendo em sua teia: a aranha tece a sua teia e captura os insetos para o jantar. A mulher aflita bate na porta de um antigo amor que, diante da sua figura aflita, se joga na sua teia. Mulher aranha, tecelão de encantamentos, aracniana dos mais finos fios de vida, escavadora dos sentimentos mais profundos como os amores adormecidos bem lá no fundo do coração. E é bonito pensar nesse confronto entre vida e morte. Ele queria viver morrendo na teia da aranha, viver morrendo. Mas como seria possível viver morrendo? Se morreu, acabou. Só que não. Por que?


Porque ele quer o sangue dela correndo nas veias dele. Teu sangue correndo em minhas veias pode significar que ambos estão misturados, um no outro, ele nela e ela nele. Não seria um pouco isso que acontece quando o sexo está carregado de muito desejo? nesta perspectiva, talvez a palavra amor ganhe uma pitada de pimenta, ganhe um tempero todo especial. Amor aqui compreendido como essa mistura dos corpos cujo desejo, o desejo mais profundo conduz os corpos para esse encontro. Um encontro de corpos desejosos e desejantes, um encontro vermelho cor de sangue e coração. Talvez….


Tudo isso já nos parece muito intenso. Mas o eu lírico quer mais: quer o cheiro dela morando nos pulmões dele. Alguns podem dizer de uma memória olfativa. Verdade. Mas o amor, o desejo, a alma, isso tudo tem cheiro. Eu acho até que tem cheiro e tem cor. E tem peso, e tem porosidade, e tem fantasia. Tem. Quando ela apareceu na casa dele, o sol brilhou, o dia nasceu, renasceu a vida desde as cinzas da morte. Ressurreição de amor que havia se declarado morto na decepção de uma despedida mal feita, precipitada, assustada. E basta um olhar, um toque, um cheiro para que a vida renasça em toda sua potência de amor. Amor, que palavra mais bonita. Paixão, outra palavra bonita, forte, intensa.

A canção continua:

Cada dia que passo sem sua presença / Sou um presidiário cumprindo sentença / Sou um velho diário perdido na areia / Esperando que você me leia / Sou pista vazia esperando aviões

Essa canção me provoca a pensar. Ela tem um ‘quê’ enigmático, talvez a melodia ou a voz do Vander Lee, talvez sua interpretação me apresentem um caminho entre tantos caminhos possíveis. Penso na prisão, na cadeia, mas não essa que as histórias policiais ou os programas sensacionalistas de televisão mostram todos os dias. Estou pensando numa prisão subjetiva, uma prisão que criamos para nos mesmos a partir dos preconceitos que carregamos, a partir dos dogmas, a partir dos moralismos. Penso também na polícia que criamos dentro de nós, essa parte da gente que fica o tempo todo policiando nossos pensamentos, nossas atitudes, que fica censurando as nossas palavras e os nossos desejos. Penso numa prisão subjetiva e numa polícia subjetiva, numa auto prisão e numa auto polícia. Essa por exemplo que nos leva para os caminhos da segurança e fecha o trânsito pelos caminhos mais misteriosos, incertos, esses mesmos que guardam à meia luz as possibilidades mais incríveis. Veja o exemplo de uma pessoa que escolhe a segurança em detrimento de um grande amor. Verdade que para viver um grande amor é preciso muita coragem, assim dizia um poeta que entendia de amores intensos: Vinícius de Moraes. Entendo que nos aprisionamos quando abrimos mão de viver as intensidades e as belezas, nos aprisionamos no medo, o medo como aprisionamento que impede que amores emerjam em sua força máxima, em sua enésima potência.

Diário é onde escrevemos aquilo que acontece e aquilo que nos acontece no dia a dia. Na areia ele espera para cumprir sua função. Ao ser lido, ele cumpre sua função de material portador de texto. Melancólica a imagem de uma pista vazia esperando aviões.

Cada dia que passo sem sua presença / Sou um presidiário cumprindo sentença / Sou um velho diário perdido na areia / Esperando que você me leia / Sou pista vazia esperando aviões / Sou o lamento no canto da sereia / Esperando o naufrágio das embarcações

Conheço muito bem um casal que passou, ou ainda passa, por uma situação de afastamento. Trata-se do maior amor que eu já vi, amor entre duas pessoas. Amor que tenta ser três, amor que deseja uma quarta pessoa. Ela se prende, se esconde no ciúme que sente dele. Na minha modesta opinião, no meu olhar de fora, ela se esconde de si mesma, ela tem medo do imenso amor que sente por ele e se esconde atrás do ciúme que sente dele, ela busca refúgio na segurança e tenta dar a nascer um outro amor para ofuscar o outro amor, o amor que a amedronta. É como o mar: imenso… de uma imensidão que amedronta. Quanto a ele, demorou um pouco para perceber, para aceitar para si mesmo todo o sentimento que tem por ela.

Falo de um casal girassol.

Ela brilha, ele gira e gira à procura do calor.

Ela, Sol. Ele, calor.

Sol e girassol, girassol e sol, sempre em movimento, um não vive sem o outro. Ambos se precisam, ambos se buscam, ambos se procuram, e olha que o girassol vive distante do sol, muito distante. Sol flutua na imensidão do universo e ao redor do sol todo um sistema solar. Girassol aqui na terra. Mas os raios do sol viajam anos luz e atingem docemente as flores de girassol. Se precisam, se completam. Assim eu vejo o amor desse casal, apesar dos medos dela, apesar dos medos dele, apesar das decisões dela que os afastam, apesar das tentativas dele que a assustam. Apesar das interferências de terceiros, apesar do canto das sereias com segurança e conforto, apesar das negativas, apesar dos pesares, o amor de ambos continua, permanece porque girassol gira à procura do sol, e sol faz todo o sistema solar girar em torno dele. Sol alimenta as águas, as plantas, o planeta. Sol acende corações.

Vander Lee disse numa entrevista que a canção surgiu quando ele chegava à cidade de Montes Claros, interior de Minas Gerais. Do avião ele vê a cena da pista: pista vazia esperando aviões. Sentia uma saudade imensa de casa e do seu grande amor, de onde veio a metáfora “sou pista vazia esperando aviões”. A frase ficou ali ecoando, ecoando, ecoando…

Sou pista vazia esperando aviões. Um homem só que sente saudade do seu grande amor, feito uma pista de pouso ali parada à espera de aviões para cumprir sua função de pista no aeroporto. “Sou pista vazia esperando aviões”… Tal imagem me é deveras familiar. Frequento aeroportos, frequento aviões e, das janelas observo com muita frequência pistas vazias, solitárias e talvez saudosas, esperando aviões. Bonita a imagem e mais bonita ainda a metáfora, a criação do Vander Lee: “sou pista vazia esperando aviões”. Ele, solitário numa cidade desconhecida, sentindo um vazio repleto de saudade, um vazio cheio da pessoa ausente. Saudade. “Sou pista vazia esperando aviões”. Um homem prenhe de uma ausência, ausência que se faz presença, uma presença distante. E um homem que se sente pista vazia.

Vander Lee disse ainda que concluiu rapidamente a canção assim que chegou ao hotel. E às 4h da manhã ligou para sua companheira e cantou para ela. O que será que ela sentiu neste momento, neste encontro com uma obra de arte cuja criação conta com a ausência, conta com a presença dela? Bem, isso é assunto para um outro dia…

Mais ou menos assim, veio ao mundo essa obra de arte: Sou pista vazia esperando aviões.

Sem sol

Na linha do equador, brilha forte sol

calor, aquecimento, chuva.

O sol aumenta as temperaturas.

O sol esquenta, aquece.

Aquece as águas dos igarapés, do rio-mar, do mar.

Sol e lua dão o ritmo, 

cheias e vazantes

rios fluindo em dois sentidos.


Descobri recentemente um fenômeno muito interessante:

Sol que esfria

Sol que congela

Sol que apaga

Não estou falando da noite ou do sol encoberto por nuvens de chuva.

Digo do sol que apaga, sol opaco, sol sem brilho.

Quando Sol se apaga na ilusão 

contraria a mãe terra:

"vou repeti-la, mas comigo será diferente"

Negacionismo amoroso é opacidade

Sol opaco é frio. Dá conforto térmico mas renuncia vida na sua potência.

Sol opaco é triste. Abre-se mão da alegria na intensidade.

É viver sem viver

Vida desvitalizada.

Café descafeinado.

Sol sem sol, vida sem brilho.

Dia sem cor, amargor, desamor.

Sol sem sol

Um sol brilha

no céu de intenso azul

blue, blues, blú

Um Sol de bem querer

sem querer

brilha longe daqui

Sol que brilha no céu

aquece, esquenta, ferve

ilumina o dia

Sol, sol da minha vida

que brilha dentro de mim

ilumina, queima, arde em chama


Tu és ternura, Sol, 

Mar, teen, é todo meu desejo

do beijo na flor, do toque mais doce

Desirreé, Martinica, Martineé

da beira do rio maior

para as fronteiras do Norte

Maior ardência de Sol

Arde, Sol

dia de Sol

tarde de Sol

desejo de Sol, Sol, Sol


Poente

Sol posto

frio, escuridão, cinza

frio, escuro, desamor

por segurança

para viver o previsível

para viver o garantido

deixou o caprichoso das palavras

ferido amor possível 

amortecido

de lado, pra depois, pra nunca mais

um amor tecido

tecido de amor

tecido de amantes.


sem Sol

Sol de Maria não virá

Sol de Maria não nascerá

Sol de Maria não brilhará

Solzinha não crescerá dentro de Sol

sem brotar do umbigo

o laço que liga Solzinha e Sol

Solzinha e Sol


Quem desama deixa na cama

gotas do que poderia

um dia

Solzinha ser Sol também.

Solzinha sozinha reprimida


Girassol

Gira, vira.

Vira e volta, faz meia volta

Lembra a fala da mãe

amor não vivido doi uma vida inteira

não se desperdiça um amor verdadeiro

por nada

amor verdadeiro não tem paradeiro


céu de meu bem

brilha dentro de mim

fecundo

quente

insano


Que mundo é esse?


ouça este texto na voz doce da professora Graziella Jordão Marcucci

clique no link acima para ouvir



Este texto tem como título: Que mundo é esse?

mas poderia ser: Um pouquinho por dia...



Nasce um bebê. É linda essa cena. O choro da criança aparece como um símbolo, como um grito: cheguei! Mas, cheguei onde? que mundo é esse?


Coloque-se no lugar do bebê. Você fica cerca de 40 semanas dentro de uma barriga, protegido, protegida, recebendo tudo que precisa para sobreviver. Até que um dia, você, bebê, sai da barriga e vai para o mundo. Mas que mundo é esse?


Um bebê não fala. Mas, se falasse, o que diria?

O que você, bebê, diria na chegada a este nosso mundo? 


Então você deixa aquele mundo de água, passa por um aperto danado, uma passagem estreita e é lançado/a para fora. Mãos te tocam, te enrolam em panos, dedo na tua boca, no teu nariz e teus olhos… E tem um choque térmico: se num hospital, certamente uma sala com ar condicionado em baixa temperatura, se numa aldeia na floresta provavelmente calor, muito calor. E seus braços se movem, pernas, mãos se movem, e coisas que você não conhece tocam no seu corpo, toalhas, paninhos, mãos, algodão. E um monte de ruído toca seus ouvidos, cheiros e tal, um mamilo encontra tua boca… o que te resta é sentir, sentir e sentir.


Ou seja, sua primeira relação com este mundo extra_uterino acontece nos cinco sentidos: audição, olfato, tato e, até, visão e paladar. Ouvidos, nariz, pele, e até os olhos e a língua são intensamente estimulados, mas você não tem palavras para dizer o que te acontece, ainda não tem linguagem, consciência, razão, isso virá com o tempo. Pelo menos não esta linguagem e esta razão que mobilizamos ao ler (e escrever) este texto. O que está operando em você, bebê, talvez uma experimentação intensiva. Você está nascendo para uma (muitas) vida(s) neste mundo. A primeira relação com este mundo fora do útero é sensível e, acredito, a sensibilidade pode ser cultivada durante a vida.


Tem uma palavra para dizer da “apreensão pelos sentidos”, dessa “percepção”. Estética deriva da palavra grega ‘aisthesis’, é uma forma de conhecer, de apreender o mundo através dos cinco sentidos. Uma música, exemplo de obra de arte, é uma criação humana que toca nossos ouvidos. Uma tela, exemplo de obra de arte, é uma criação humana que toca nossos olhos. Uma poesia, literatura, dança, ou o cheiro de uma comida, um prato bonito, o barulho da cerveja caindo no copo, o cheiro do vinho, a cor do suco da fruta colhida do pé, tudo isso vai criando um desejo. Estamos falando de um cultivo da sensibilidade que nos torna mais humanos, um pouquinho por dia. 


‘O contrário também sei que pode acontecer’: podemos cultivar sementinhas de medo e ódio, um pouquinho por dia. Acredito nas belezas como produtoras de sensibilidades e de uma humanidade mais interessante. Quero sugerir duas obras de arte: JEITO TUCUJÚ, de Joãozinho Gomes e Val Milhomem, (hino popular do Amapá); e SABOR AÇAÍ, de Joãozinho Gomes e Nilson Chaves, homenagem a esse alimento maravilhoso que é o açaí. A Música Popular Amapaense é um mundo de beleza e poesia. Um pouquinho por dia.


Ivan Rubens

Educador popular



JEITO TUCUJÚ, de Joãozinho Gomes e Val Milhomem. Por Grupo Senzalas


SABOR AÇAÍ, de Joãozinho Gomes e Nilson Chaves. Por Nilson Chaves.


Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 8 de agosto de 2023.





Todo seu querer

Leia o texto ouvindo a canção. clique aqui 



No dia dos namorados encontrei uma bela canção. Trata-se de TODO SEU QUERER, interpretada por Mariene de Castro e Roberto Mendes. Pesquisando um pouco a respeito da canção, descobri tratar-se de uma composição dos baianos Roberto Mendes e José Carlos Capinan. Fazer música e fazer poesia é uma espécie de artesanato, músico e poeta são um tanto escultores. O poeta escolhe criteriosamente algumas palavras e vai esculpindo uma a uma, palavra por palavra, depois começa a juntar as palavras esculpidas, vai esculpindo as frases, linha por linha, vai esculpindo sua obra de arte. Com o músico imagino que seja parecido, escolhe sons, acordes, vai esculpindo, esculpindo, vai esculpindo cuidadosa e criteriosamente sua obra de arte.

No dia dos namorados uma bela canção me encontrou. Eu estava distraído quando a canção passou por mim produzindo um primeiro afeto quase imperceptível. Insistente, a canção se fez presença. Então pensei: “opa, aí tem coisa”. Ato contínuo, peguei o celular, abri o aplicativo e coloquei minha atenção tanto na letra quanto na melodia. A canção diz assim:

Quando o amor olha pra você querendo te prender nos braços de alguém / quando o amor fala pra você com palavras loucas todo o seu querer / E quando o amor tem sabor de fruta colhe em tua boca a manga madura / em tua mão em fogo acende o teu corpo tira a tua roupa procurando a flor.
Ai amor diga sorrindo / ai amor / seja bem vindo / ai amor / diga chorando, amor, você chegou / Ai amor diga que volta / ai amor / beijo de adeus quando se for.

Os afetos iniciais produzidos nesse lindo encontro canção e ouvinte me levaram pelo caminho de pensar numa declaração de amor. Uma pessoa dizendo palavras verdadeiras, belas e apaixonadas para uma outra pessoa. Desconfiado que uma obra de arte guarda belezas com força de produzir mais e mais beleza, lancei ainda mais atenção para a escultura. O que estaria escondendo nessa letra o poeta? e isso me levou a um segundo afeto.

O amor da canção não é um sentimento mas um personagem. É o amor que olha, é o amor que deseja, é o amor que fala com poucas palavras. Na obra, o amor tem sabor de fruta, o amor colhe, é o amor quem coloca fogo nas mãos e tocam um corpo que, em chamas, tira a roupa. Mas não tira a toa. Motivado pela força do amor, a mão procura uma flor. Uma flor. É muito bonito isso: a mão em chama de amor procurando a flor.

Então o poeta pede ao amor para dizer, o poeta pede ao amor para sorrir. O poeta dá as boas vindas ao amor e chora, certamente de alegria para celebrar a chegada do amor. Nós, ouvintes e admiradores da obra, nós que sentimos a beleza enchendo o peito com esperança na vida, nas belezas da vida e na maravilhosa oportunidade de viver, de respirar, nós que sentimos os raios de sol queimando a pele, nós que sentimos as gotas da chuva molhando a pele, o vento beijando o rosto, ainda seremos capazes de sentir a alegria e a leveza de não precisar carregar nada para poder sentir e pensar. Sentir e pensar, fechar os olhos e sentir a beleza atravessar e, atravessando, produzir novidades: novas formas de sentir e pensar.

E assim como vem, o amor vai. Então vá, que seja leve e que seja forte o suficiente para voltar. Para ir quando for o momento de ir e voltar quando for momento de voltar. Voltar modificado, voltar verdadeiro, voltar saboroso. Nas idas e vindas, vamos esculpindo o amor, vamos fazendo da vida uma obra de arte.

Ivan Rubens

Artesão de palavras





dedico ao artista José Celso Martinez Corrêa


publicado no Jornal Cidade de Rio Claro na edição de 11/julho/2023


Sobre escola, água e felicidade


Aconteceu na cidade de Cáceres, Mato Grosso, nas cabeceiras do rio Paraguai. O rio Paraguai é afluente do rio Paraná, bacia do rio da Prata. O rio Paraguai nasce na cidade de Alto Paraguai/MT, passa pela Bolívia, atravessa o Paraguai e derrama suas águas no rio Paraná, lá na Argentina.


Observando papagaios, periquitos, araras, maracanãs, calopsitas frequentando o rio, os povos indígenas diziam ‘Ysyry Paraguái’ que na língua guarani antiga quer dizer ‘rio dos paraguás’. ‘Paraguá’ é uma espécie de psitacídeo (ordem de aves), e ‘y’ significa rio.


Pois bem, aconteceu na margem esquerda do rio Paraguai. Dois amigos, desses que compartilham uma vida de estudo, de trabalho e de luta, experimentavam a alegria de ser professor em mais uma tentativa. Ambos envolvidos com um livro (sobre o ofício de professor) do espanhol Jorge Larrosa. E lá pelas tantas, apareceu uma frase atribuída a Maria Bethânia: “Perto de muita água, tudo é feliz”.


Estavam numa situação de estudo, trabalho e luta, mais um encontro da Escola de Militância Pantaneira. Trata-se da reunião de 13 Comitês Populares de Defesa das Águas, das nascentes (e do clima) do rio Paraguai e seus afluentes. Escola porque oferece tempo (livre dos temas ordinários) para colocar a atenção nos temas selecionados para estudo, neste caso, os “direitos da natureza”: leram “A Carta da Terra”, ouviram Leonardo Boff, estiveram em aula com uma professora que trouxe dados, números, experiências de outros países onde os rios são sujeitos de direito, onde montanhas e territórios sagrados são sujeitos de direito. Escreveram um projeto de emenda visando à inclusão dos direitos da natureza na Lei Orgânica do município de Cáceres/MT.


Durante o Encontro da Escola de Militância Pantaneira, uma frase ficou muito forte: “eu sou natureza”. E as pessoas repetiam: “eu sou natureza”, “eu sou natureza”. Bem, se ‘eu’, um ser vivo chamado humano, é sujeito de direitos e, ‘eu’ é natureza, logo… Mas quero colocar nossa atenção numa dimensão outra da mesma frase. “Eu sou natureza” nos convida a pensar que está em construção uma ponte para vencer a distância, o abismo que separa humano e natureza, natureza e cultura. Estamos falando de uma razão liberal, industrial, neoliberal, desenvolvimentista que nos leva a pensar um rio como recurso hídrico, que nos leva a pensar floresta como recursos florestais, natureza como recursos naturais, e pasmem, homens e mulheres como recursos humanos. Deste ponto de vista produtivo e desenvolvimentista, crianças e idosos, doentes e loucos, se improdutivos, nem recursos são. Portanto, não são nada.


Mas no encontro da Escola de Militância Pantaneira o pressuposto parecia outro. Partiram do pressuposto que envolvimento é mais importante que desenvolvimento. Envolvidos entre si e envolvidos com o tema selecionado para estudo (direitos da natureza), homens e mulheres, jovens e velhos criaram para si outras possibilidades de ver, de pensar e de sentir(-se) natureza. 


Aconteceu ali, na margem esquerda do rio Paraguai. Maria Bethânia e Jorge Larrosa deram a letra: “perto de muita água, tudo é feliz”.


Ivan Rubens

Mergulhador e canoeiro




publicado no Jornal Cidade de Rio Claro edição de 13 de junho de 2023.

Com o caderno de campo

Lá vai ela com seu caderno de campo

Lá vai ela, usa pantufas não usa tamanco

Lá vai ela habitando território

com rede e mosquiteiro que monta no dormitório

Entre cidades, rios e aldeia

Ela, aranha, vai tecendo sua teia

Em aviões, carros, barcos, voadeira

ela vai, ela vem, transitando

faz sua casa no caminho, sua oca, sua aldeia

seu quilombo, sua tapera

ela espera, tempo duração, corre

quase morre diante da onça pintada

e volta.

Lá vem ela com seu caderno de campo

usa pantufas, não usa tamanco

pisa devagarinho no chão-território.

Alguém me avisou,  alguém me avisou

que ela carrega caderno de campo.

Agora


quero teu corpo

suado, molhado

quero

cheirar teu cabelo

quero

lamber teu joelho

quero

naufragar teu umbigo

quero

Delírio?

quero

te dar meu sabor

torpor?

quero 

deleitar o teu ventre

repente, semente de outro dia

frio, arrepio, mal olhado? 

quero


encantar

de sabores, das cores

demoro nos nomes, 

temperos aromas, amoras, amores


se vai, vem

se não vai, vem também

quero te dar meu tempero

pra enfeitar teu cabelo

e andar por aí

com trôpegos versos, improvisados, na memória

pela cidade afora

agouro?

agora, agora, agora!


A Terra Querida do Benedito


ver o video da TV Prefeitura de Barra do Bugres/MT


Há, no estado do Mato Grosso, um movimento muito interessante em defesa da Vida: Comitês Populares em Defesa das Águas e do Clima. São 13 Comitês Populares distribuídos nos rios que compõem a bacia do rio Paraguai, cujas águas e as lutas pela vida vão tecendo uma rede. Assim como a rede de drenagem compostas pelos rios e afluentes, cada rio contribuindo com suas águas na formação dos rios maiores, as pessoas organizadas em Comitês Populares vão contribuindo com sua luta pela Vida, mas também com sua cultura, com suas danças, sua gastronomia, com seus modos de vida, e assim vão tecendo uma rede social. Uma rede social real onde as pessoas se encontram no movimento e na luta.


Essa luta pela vida se materializa em ações concretas como a defesa dos rios, contra empreendimentos como hidrelétricas e hidrovias, contra o veneno utilizado na monocultura da soja que polui as terras e mata a vida nas águas. Contra o garimpo e a mineração em terras produtivas, contra a invasão e a grilagem da terra onde as famílias produzem alimento para sobreviver. E nesse movimento de luta, as pessoas no campo vão tecendo suas redes de vida e suas redes de cultura.


Benedito Ilino é um pequeno produtor. Ele produz mandioca, banana, abóbora, feijão e milho, cria porco e de galinha. Benedito também cria obras de arte e produz cultura: ele escreveu a canção do rio Jauquara, uma obra cantada pelo povo no Território Quilombola do Vão Grande todo ano no dia 28 de abril, quando se comemora o dia do rio Jauquara. A canção Terra Querida fala da vida no bioma Pantanal:


Mato Grosso terra querida / suas cores me satisfaz / os verdes dos campos e os cheiros dos pantanais / É o jardim da natureza, sua beleza tão magistrais / Águas vivas dos ribeirinhos e o repouso dos animais


Nesta primeira parte, o artista nos apresenta um pouco da sua terra em cores, cheiro, águas e beleza.


A lua surgiu nos montes / deixando raias pra trás / visitando o rio Jauquara e banhando o rio Paraguai / Iluminando os povos de luta e a fé que neles traz / nossos rios por inteiro e os corredores bioculturais / quem bebe de suas águas com certeza não esquece mais


O artista pede os rios por inteiro, sem barragens, sem interdições. Rios cujo fluxo nos remete à vida de povos em luta, povos de fé, rios que são corredores de vida e de cultura. E o refrão é marcante:


Pantanal, pantanal, sua beleza tão natural / Pantanal, recanto na anhuma, olhar das Jumas eu passo mal / Pantanal, aqui é selva / só quando tô com reiva sou animal.


Anhuma é uma ave da região. Mas é no olhar das Jumas que o artista “passa mal”. Quem não se lembra da Juma Marruá, personagem da novela Pantanal? a mulher que vira onça, ou seria uma onça que vira mulher? a selvageria da vida em suas diferentes formas. Diante da vida selvagem, o 'eu lírico' da canção passa mal: pode ser por medo mas pode ser encanto... e uma “réiva” que também o transforma em animal: um homem anhuma, homem arara, tucano, homem peixe jaú, dourado? 

Rios como metáfora da vida, corredores por onde passam vida e cultura. A 'Terra Querida' do Benedito Ilino.


Ivan Rubens

Estudante


Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro edição 16 de maio de 2023

Territorializar ou Pertencer ao Território


Dois amigos seguem para mais um encontro de educação popular. Estão num desses carros nem grande e nem pequeno, desses tipo furgão cuja porta lateral desliza paralela à lataria, se é que carro tem lata… Aliás, você já notou que carro muda muito de nome e de modelo? difícil acompanhar a velocidade de tais mudanças.


No interior do Mato Grosso, seguem para uma Terra Quilombola. São cinco comunidades que lutam pela terra, lutam pelo rio vivo em peixes e a água pra beber, pra cozinhar, pra molhar a horta de temperos e de ervas medicinais. Fazem roça de mandioca, de banana, de milho, feijão, abóbora, alimentos para as famílias e para “as criação”. Criam “galinha sorta” no terreno, “uns porquinho”, vaca de leite, um ou outro boi para servir nas festas de santo. Essa Terra Quilombola fica entre morros na planície de inundação do rio Jauquara, no alto curso da bacia do rio Paraguai, bioma Pantanal.


Pois bem, os dois amigos seguem para o Território Quilombola do Vão Grande. São amigos de estudo, amigos de trabalho e amigos de luta porque partilham a vida de estudantes, partilham o tempo dedicado aos trabalhos remunerados e, ainda, partilham a fé. Fé aqui compreendida como as ações nas lutas que, crêem, necessárias para trans_formação do mundo. Estudo_trabalho_luta compondo, pouco a pouco, uma amizade tecida na lida da vida.  


O pequeno furgão circula numa sojeira sem fim: fazendas de soja, soja, soja, soja, monocultura da soja, carretas carregadas de soja enfileiradas na estrada. Fora do furgão, a monocultura da soja; dentro do furgão, a multicultura das conversas, do pantanal vivo nos poemas do Manoel de Barros, da saudade do povo quilombola do Vão Grande, da expectativa com a festa de aniversário do rio Jauquara e a curiosidade com o sabor do bolo deste ano, da lembrança de episódios a propósito da Canção para o rio Jauquara… os amigos transitavam “na paralela do impossível”.


Carregavam um "sentimento de aldeia", cultivavam um "sentimento de quilombo". Era como andar contra o tempo cada vez mais acelerado das grande cidades, ao encontro do en_canto de pintassilgo, um gosto de passado, uma sociedade de ATRASO no melhor sentido da palavra: um tempo lento, tempo de respiro, tempo de bezerro e saci pererê, da pressa de galinha ciscando o terreno, pressa do corpo deitado na rede cuja sombra da mangueira alivia o calor de 38 graus. Estavam chegando, chegando, cada vez mais perto, estavam territorializando..


Há lugares onde o vínculo com a terra é muito forte. A vinculação do sujeito com a terra é forte porque o laço é afetivo: laço mais forte que nó. É como se não houvesse separação, terra não existe sem a gente e a gente não existe sem a terra e tudo o que flui nela, toda a vida, toda a cultura. Diante do cemitério quilombola, ouviram: “aqui estão enterrados meu pai e minha mãe, o corpo deles já virou terra. Tá vendo aquela mangueira logo ali? dá a manga mais doce de toda região, tem a doçura da saudade”. 


Pertencer ao território é ser parte do seu chão!


Ivan Rubens

Geógrafo


publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 18 de abril de 2023

Na aldeia

 No meio da floresta

três pequenos curumins

um olho coberto

outro olho aberto

roupa cobre o pingulim


O chão de terra batida

ao sol da tarde compriiiida 

barrancas de terra caída

moldura da cena real


Cinco olhos espiam Arara

pitanga vermelha laçada

olhares te guiam na mata.

Crianças brincando com ela, 

fotógrafa de fita amarela

registra imagem mais bela.



A Vida Boa de Zé Miguel

leia o texto ouvindo a canção. Clique aqui >


Ele poderia dizer: amanheceu! Mas um artista não fala assim. Um artista da música faz, com palavras e sons, obras de arte. Um artista nos apresenta paisagens, mostra a potência do simples, abre nossos sentidos para perceber a beleza.

A canção Vida Boa começa assim:

O dia nos chega toda manhã / Com nuvens de fogo pintando o céu / Um ventinho frio sopra sim e assim / Vez em quando se escuta o canto do Japiim.

Uma obra de arte requer atenção. O artista coloca nossa atenção nas cores da manhã, no vento, no canto do Japiim. Japiim é uma ave de plumagem preta e amarela, comum na Amazônia brasileira, que tem uma característica peculiar: não tem um canto próprio, ele imita o canto dos outros pássaros. Ou seja, o artista sugere que é possível escutar o que ainda não foi dito, é possível ler nas entrelinhas. Pura provocação.
A canção continua…

A canoa balança bem devagar / A maré vazou, encheu, é preamar, eh / O Zé vai pro mato apanhar açaí / Maria pra roça vai capinar / A vida daqui é assim devagar / Precisa mais nada não pra atrapalhar / Basta o céu, o sol, o rio e o ar. / E um pirão de açaí com tamuatá.

O artista fala de um lugar onde as pessoas vivem do jeito que lhes agrada. Uma pessoa da cidade, com cabeça de cidade, carioca ou gaúcha por exemplo, talvez tenha muita dificuldade de se libertar do ritmo frenético dos apps como o tiktok e o twitter, da rotina acelerada do Zé Delivery ou do ifood, ou de uma Maria ligada aos ritos palacianos. E, escorregando em julgamentos morais, dizer que a canção “estimula a vagabundagem”. Quem dera???

A canção apresenta uma vida onde o trabalho na roça, na coleta, na pesca, parece voltado à ‘subsistência’. O Zé vai para o mato apanhar açaí, Maria vai capinar a roça. Devagar, divagando. Me alegra pensar que a natureza nos oferece tudo o necessário para sustentação da vida: água, ar, comida. E pensar que ainda há no Brasil comida partilhada: açaí no pé, peixe no rio, mandioca na terra, banana. Aliás, Tamuatá é um peixe típico dos rios da Amazônia, saboroso, combina bem com o açaí, talvez você conheça por Cascudo.

Uma obra de arte tem a potência de colocar um mundo diante de outros mundos, uma vida diante de outras possibilidades de vida.

A canção continua…

Que vida boa sumano / Nós não tem nem que fazer planos / E assim vão passando os anos / Eita! Que vida boa / Que vida boa suprimo / Nós só tem que fazer menino / E assim vão passando os anos / Eita! Que vida boa

Sumano é um regionalismo para expressões de carinho, tipo “irmão querido, querida irmã”. Disse o artista: “Quando eu era criança, nas férias escolares, eu voltava ao encontro da minha família no interior do Amapá, num lugar chamado Mel. Lá vivia meu avô, e foi lá que eu tive contato com os elementos da natureza na sua essência, eu aprendi a respeitar a natureza e o homem vivendo em harmonia com ela. Essa canção foi feita para homens e mulheres do campo”. ‘Fazer menino’ é um jeito bonito de dizer que a vida tem profundidade, um jeito bonito de dizer que o que interessa na vida, bom… isso não cabe nos planos.

Vida Boa é uma canção do amapaense Zé Miguel.

Ivan Rubens



Publicado também no Jornal Cidade de Rio Claro em de março de 2023



Uma história da Vida Boa


Florescer, florestar.


Saiu de casa cedinho. Partiu da cidade até o porto, uma horinha de estrada. Choveu muito naquela noite. Começo de ano na linha do equador é inverno, chuvoso e quente, mas nuvens de chuva dão um certo conforto térmico. Ele carregava rede, mosquiteiro, corda e um computador com livros e filmes gravados. Aconselhado pelos povos do lugar, carregava uma camisa de manga longa para proteger do frio da noite.

O professor chegou ao porto fluvial, embarcou na voadeira e navegou lentamente pelo igarapé que estava enchendo. No rio Ipixuna Miranda a velocidade aumentou; certa calmaria no imenso rio Amazonas até a foz do rio Macacoari. Mais um igarapé… jogaram a corda, saltaram. O trapiche recebe os professores com a alegria de uma escola na floresta. Adoro essa palavra: FLORESTA. Na minha imaginação a palavra entoa verde, como céu entoa azul, água salobra aflora exuberante. A palavra floresta já chega com bichos, com chuva, com mato, palmeiras carregadas de açaí. E penso em gente, porque na floresta tem gente, sempre teve. Floresce gente desde sempre na floresta.

Uma gente que “vive em harmonia com a floresta”. Quem pensa assim talvez nunca tenha passado pela floresta, talvez não conheça a floresta e a sua gente. Talvez pense assim quem nunca teve contato com a floresta em sua bio_diversidade. Essa ideia de “harmonia” parece um tanto exótica, parece o olhar de fora. Na floresta, o professor vê uma outra coisa. Na escola da floresta, o professor escuta um produtor rural que participa da Cooperativa de produtores de açaí insistindo na palavra pertencimento. Abre-se aí uma perspectiva nova de pensar, colocando o conhecimento teórico de um professor em contato com a vida real dos povos na floresta. Portanto, não se trata de viver em harmonia, mas de pertencer a um território.

Pronto, encontrei o que procurava na escrita deste texto: pertencer!

Um fazendeiro, proprietário de terra, diria: “essa terra me pertence!”, “essa terra é minha, sou proprietário!” Já os povos da floresta dizem: “pertencemos a essa terra”. Gente que é da terra dizendo pertencer à terra, que pertence ao território, que são próprios do lugar, que são nascidos deste chão. Gente que está na terra há muito tempo, mas muito tempo mesmo... Muito antes de Pedro Álvares Cabral e a máquina colonial, muito antes de reduzirem a terra à mera mercadoria, essa gente já estava na terra, essa gente florescia. Gente que pertence à terra, gente que é terra, terra com roupa de gente.

Por isso não se trata de estar em harmonia com a terra. Trata-se de pertencer à terra, de ser parte da Terra, de pertencer à Floresta e de ser floresta também. Todo nascimento, de um bichinho ou de uma criança, é uma espécie de florada como um botão de rosa que se abre, vida desabrochando, florescer de uma vida nova. Não há dicotomia entre natureza e cultura. É uma questão de ser e de estar: ser terra, ser rio, ser flor, ser vivo, ser natureza. Ser e estar floresta: florescer, florestar.

Ivan Rubens


Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro na edição de 21/fevereiro/2023


Meu endereço


sugestão: leia o texto ouvindo a canção.                       
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O Brasil é um país muito grande. Dizem que “vai do Oiapoque e Chuí”. Oiapoque é um município no estado do Amapá, fronteira com a Guiana Francesa. A origem da palavra Amapá é controversa: para os Tupi significa ‘morada da chuva’. No nheengatu, ‘terra que acaba’ ou ‘ilha’. Dizem ainda que a palavra Amapá vem do nome de uma árvore típica da região.

A capital, Macapá, está na linha do equador, a linha imaginária que “divide” a Terra ao meio. Na linha do equador, o dia tem 12 horas, e a noite também tem 12h. O estádio estadual Milton de Souza Corrêa, o Zerão, tem a linha do meio de campo coincidindo com a linha do equador. No início da partida, um time está no hemisfério Sul e o outro time está no hemisfério Norte.

Fernando Canto e Zé Miguel são artistas. Na canção Meu Endereço, eles dizem o seguinte:

MEU ENDEREÇO É BEM FÁCIL / É ALI NO MEIO DO MUNDO / ONDE ESTÁ MEU CORAÇÃO, MEUS LIVROS, MEU VIOLÃO / MEU ALIMENTO FECUNDO. A CASA POR ONDE PARO / QUALQUER CARTEIRO CONHECE / É FEITA DE SONHO E LINHA QUE BRILHA QUANDO ANOITECE / NA MINHA CASA SE TECE / MESURA NA LUZ DO DIA / PRA AFUGENTAR QUEBRANTO NA HORA DA FANTASIA

Os artistas falam de um endereço que é muito fácil de encontrar, o endereço de uma casa feita de sonho e linha que guarda objetos importantes como livros e violão. Tais objetos ricos em significado são o alimento que fecunda o coração dos artistas e, com os pores de sol, com o brilho da lua cheia nas águas do rio Amazonas, com a gente e a cultura, com a exuberância da floresta, toda essa paisagem estimula o sonho. Sonhar pode ser a nossa capacidade de fantasiar, de imaginar, de criar (que é o fazer de artistas), de caminhar na direção da utopia. O sonho nos faz caminhar, ou seja, nos coloca em movimento. A linha que costura tudo isso, pode ser a linha de pesca, pode ser um pescador tecendo a rede de pesca, pode ser uma indígena tecendo a rede de deitar. O endereço é de uma casa onde se tece, casa situada “no meio do mundo”. Linda a imagem: uma casa encantada que fica no meio do mundo. O meio do mundo…

A letra da canção tem uma sutileza bem bonita. Os artistas falam de uma casa de paradas. Poderiam dizer: a casa onde moro, a casa onde fico, mas dizem “a casa por onde paro”. São artistas e, já disse o brilhante Milton Nascimento, “todo artista tem que ir aonde o povo está”. Artistas são pessoas em movimento, param um pouco mas logo se colocam em movimento novamente. Artistas são andarilhos, se movimentam nos territórios, se movimentam no sonho, na fantasia, na imaginação. São antenas captando as sutilezas, as imagens, as belezas do mundo e produzindo obras de arte. A arte e a beleza alargam a vida e produzem uma humanidade interessante.

Vi o Zé Miguel cantando na orla do rio Amazonas. Ele cantou Meu Endereço e o povo cantou com ele palavra por palavra. O refrão diz assim:

É FÁCIL O MEU ENDEREÇO / VÁ LÁ QUANDO O SOL SE PÔR / NA ESQUINA DO RIO MAIS BELO / COM LINHA DO EQUADOR

Meu Endereço é música popular amapaense.


Ivan Rubens
Estudante

Meu Endereço.









Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro na edição de 24 de janeiro de 2023.

Pérola azulada


sugestão: leia o texto ouvindo a canção.                
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Zé Miguel é um artista amapaense. Cantor e compositor, sua bonita obra está disponível nas plataformas de música. Em parceria com Joãozinho Gomes, a canção Pérola azulada diz assim:


Já aprendi voar dentro de você / Ancorar no espaço ao sentir cansaço / Ossos da jornada /

Já aprendi viver como vive nu / Um cacique arara cultivando aurora / Luz de sua tiara


O compositor inicia a canção dizendo que aprendeu, portanto sabe, “voar dentro de você”. Você, quem? de quem o artista está falando? 

Fala do espaço e de uma jornada, cita “um cacique arara cultivando aurora”, manhã. Talvez esteja se referindo à ararinha azul, mais provável que fale de indígenas: o povo Arara. A música lança suas primeiras provocações a ouvintes curiosos da obra de arte… E a canção continua:


Eu amo você terra minha amada / Minha oca meu iglu, minha casa / Eu amo você pérola azulada conta / No colar de deus, pendurada / A benção minha mãe


A canção vai se revelando: “você” é a terra. Para Joãozinho e Zé Miguel, o planeta Terra é oca, iglu, casa. Oca é onde moram os indígenas das florestas, Iglu é onde moram os povos das geleiras, e casa é o jeito como nos referimos às habitações mais das cidades. Podemos pensar que oca, iglu e casa são lugares de recolhimento, de sossego, de acolhimento, de intimidade, de descanso do corpo. Podemos pensar também o corpo como casa, casa do espírito, casa da alma. Também podemos pensar o corpo como casa da vida. Se o coração para, se o pulmão para, se o cérebro para, ou seja, se o corpo para de funcionar, a vida acaba. Então, o corpo é a casa da vida.


Já aprendi nadar em seu mar azul / Adorar água, homem peixe, água / Fonte iluminada /

Já aprendi a ser parte de você / Respeitar a vida em sua barriga / Quantos mais vão aprender


Joãozinho e Zé Miguel nos convidam a pensar a Terra como a nossa casa, pensar a Terra como casa comum aos povos da floresta, povos das geleiras, povos das cidades. Haveria vida fora da Terra? Em que condições? Portanto, podemos pensar a Terra como casa dos peixes e dos bichos, das plantas, das águas, dos ventos, uma casa iluminada pois ensolarada e enluarada. A Terra pode ser compreendida como a casa de maneira ampla, a Terra como a casa de todas as formas de vida.

 

Eles amam a Terra e usam uma expressão muito bonita: “pérola azulada” pendurada no colar de deus. Como se deus vestindo um colar com uma pérola azulada, com a Terra pendurada no pescoço. Linda a imagem… Mas, perceba: terra, casa, vida, pérola, conta, palavras no feminino. Não à toa, o artista pede bênção para a mãe. 


Eu amo você pérola azulada conta / No colar de deus, pendurada / A benção minha mãe


Mãe Terra, linda a associação. A mãe é suporte para a vida, a mãe é a casa do bebê. Da mãe viemos e, mesmo rompido o cordão umbilical, os laços afetivos jamais se rompem. Mãe cuida de filhos/as e filhos/as cuidam da mãe. Quem ama, cuida. É preciso cuidar da Terra.


A benção minha mãe, Sandra Jordão. A benção minha mãe, Pérola Azulada.  


Ivan Rubens



    
Zé Miguel cantando na praça Araxá, Macapá/AP em novembro de 2022. 




Pérola azulada. Com Zé Miguel e Nilson Chaves



Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro, edição impressa de 27 de dezembro de 2022.
#Pérola azulada #ZéMiguel #JoaozinhoGomes #Amapá #Macapá

há lugares, alugueres



há um lugar, sei que há

um lugar devido

um lugar abismo

um lugar a encontrar

sei que há


No mundo há lugares

alugueres, alugar, alugares

na cidade há lugares pra morar


mas há lugares dentro de si

há buscar

na andança por lugares, aqui e ali

lugar dentro de si


aconchegos, acalantos

lugares de descanso

de encontros

Lugares a esmo

encontro consigo mesmo


superfícies, mergulhos

altos e baixos 

vão grande e pequeno

encontros consigo mesmo


Ivan Rubens