Dois amigos seguem para mais um encontro de educação popular. Estão num desses carros nem grande e nem pequeno, desses tipo furgão cuja porta lateral desliza paralela à lataria, se é que carro tem lata… Aliás, você já notou que carro muda muito de nome e de modelo? difícil acompanhar a velocidade de tais mudanças.
No interior do Mato Grosso, seguem para uma Terra Quilombola. São cinco comunidades que lutam pela terra, lutam pelo rio vivo em peixes e a água pra beber, pra cozinhar, pra molhar a horta de temperos e de ervas medicinais. Fazem roça de mandioca, de banana, de milho, feijão, abóbora, alimentos para as famílias e para “as criação”. Criam “galinha sorta” no terreno, “uns porquinho”, vaca de leite, um ou outro boi para servir nas festas de santo. Essa Terra Quilombola fica entre morros na planície de inundação do rio Jauquara, no alto curso da bacia do rio Paraguai, bioma Pantanal.
Pois bem, os dois amigos seguem para o Território Quilombola do Vão Grande. São amigos de estudo, amigos de trabalho e amigos de luta porque partilham a vida de estudantes, partilham o tempo dedicado aos trabalhos remunerados e, ainda, partilham a fé. Fé aqui compreendida como as ações nas lutas que, crêem, necessárias para trans_formação do mundo. Estudo_trabalho_luta compondo, pouco a pouco, uma amizade tecida na lida da vida.
O pequeno furgão circula numa sojeira sem fim: fazendas de soja, soja, soja, soja, monocultura da soja, carretas carregadas de soja enfileiradas na estrada. Fora do furgão, a monocultura da soja; dentro do furgão, a multicultura das conversas, do pantanal vivo nos poemas do Manoel de Barros, da saudade do povo quilombola do Vão Grande, da expectativa com a festa de aniversário do rio Jauquara e a curiosidade com o sabor do bolo deste ano, da lembrança de episódios a propósito da Canção para o rio Jauquara… os amigos transitavam “na paralela do impossível”.
Carregavam um "sentimento de aldeia", cultivavam um "sentimento de quilombo". Era como andar contra o tempo cada vez mais acelerado das grande cidades, ao encontro do en_canto de pintassilgo, um gosto de passado, uma sociedade de ATRASO no melhor sentido da palavra: um tempo lento, tempo de respiro, tempo de bezerro e saci pererê, da pressa de galinha ciscando o terreno, pressa do corpo deitado na rede cuja sombra da mangueira alivia o calor de 38 graus. Estavam chegando, chegando, cada vez mais perto, estavam territorializando..
Há lugares onde o vínculo com a terra é muito forte. A vinculação do sujeito com a terra é forte porque o laço é afetivo: laço mais forte que nó. É como se não houvesse separação, terra não existe sem a gente e a gente não existe sem a terra e tudo o que flui nela, toda a vida, toda a cultura. Diante do cemitério quilombola, ouviram: “aqui estão enterrados meu pai e minha mãe, o corpo deles já virou terra. Tá vendo aquela mangueira logo ali? dá a manga mais doce de toda região, tem a doçura da saudade”.
Pertencer ao território é ser parte do seu chão!
Ivan Rubens
Geógrafo
publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 18 de abril de 2023
Adorei! Que lindo! Me embrenhei na leitura até não parar mais...e ainda relaxei no momento que li sobre o tempo do lugar...Maravilha! A-d-o-r-e-i!
ResponderExcluirboas palavras te tocaram. q bom
ExcluirCoisa linda de se ler... ouvi a galinha ciscando, o gado pastando e o som do rio Jauquara cantando. Senti o cheiro de terra, da fumaça que exala do fogão a lenha que prepara a refeição antes que o sol se vá... Perdida em suas escritas descobri que pertencimento é se sentir bem às vezes longe ou bem perto daqui. Pois o Território Quilombola Vão Grande é casa 🏠 comida boa e memórias doces sem fim. Me construi e hoje Quilombola por aqui permaneci. Viva a cultura quilombola Viva o Jauquara vivo
ResponderExcluirprofessora querida, vc sabe melhor q eu do encantamento dessa terra
ExcluirCoisa linda de se ler... ouvi a galinha ciscando, o gado pastando e o som do rio Jauquara cantando. Senti o cheiro de terra, da fumaça que exala do fogão a lenha que prepara a refeição antes que o sol se vá... Perdida em suas escritas descobri que pertencimento é se sentir bem às vezes longe ou bem perto daqui. Pois o Território Quilombola Vão Grande é casa 🏠 comida boa e memórias doces sem fim. Me construi e hoje Quilombola por aqui permaneci. Viva a cultura quilombola Viva o Jauquara vivo
ResponderExcluirVocê escreve com tanto sentimento que fica difícil dar qualquer palavra, qualquer comentário. Lendo suas palavras eu consigo viajar para o interior do Mato Grosso e sentir todo esse pertencimento que as pessoas tem com a terra, a Terra Quilombola. O que mais chama atenção é a questão do tempo… parece que aqui e lá são dois relógios que correm completamente diferente. O agronegócio por exemplo, acelerou o “tempo da terra”, aí o tempo da natureza é que conta, pelo menos para as pessoas da terra, para os “atrasados”.
ResponderExcluirTexto lindo e cheio de sentimento, da pra sentir como é viva sua experiência aí.
profa Isabela, geógrafa querida. Bondade sua. Gostou da potência no atraso.... Mto obrigado
ExcluirAmigo Ivan! O seu texto me levou pra música do Chico Buarque - Passaredo. Cuidado que o homem vem aí! E que bom que outros homens " Educadores "vem também provocando a permanência dessa estética do viver da gente terra!
ResponderExcluirprofa Dila, teu olhar p o texto é bonito e generoso
ExcluirComentar... tarefa seria. TUDO q os 2 amigos vivenciam, por entre
ResponderExcluira paisagem q acredito seja ribeirinha. Os detalhes da narrativa são perfeitos.Nos permite participar da jornada.Riqueza de detalhes sem perder a poesia.Pude vislumbrar a galinha,ouvir o canto do passaredo...
Terra vermelha??? Terra Mãe. A enormidd da plantação, céu azul...
Calor!!!
Vc fez td isso...e eu fiquei sem saber como foi o encontro de educação...
Parabéns meu menino
Muito lindo/ pertencimento de quem viver na terra, no território, na floresta, nas águas e no campo!!Você escreve com tanto sentimento que fica difícil dar qualquer palavra, qualquer comentário. Ver todo esse pertencimento que as pessoas tem com a terra, a Terra Quilombola, as área indígenas, pescadores, agricultores, extrativistas. O que mais chama atenção é a questão do tempo… parece que aqui e lá são dois relógios que correm completamente diferente.
ResponderExcluirprof Aldair, isso é a escola família, seu Martinho, seu Moacyr, de vcs e dos/as jovens. desse tempo das águas e das marés, do açaí, da castanha.
ExcluirLindo texto ,Ivan ! Todos pertencemos à terra ,só que às vezes não nos lembramos e esquecemos de ser gratos por tantas coisas simples que são tão importantes !
ResponderExcluirsim, o simples é mto importante
ExcluirAs andanças e amizades em terra viva, em rio vivo. Com experiências que trazem a vida!!
ResponderExcluirsim, profa. bom q estamos vivos/as
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