Seria uma aula?


Quem de nós imaginaria, em dezembro passado, que este 2020 seria assim? Caminhando para o final do ano poderíamos falar um pouco da Política, do ponto final do Padaria no poder executivo local, ou de um país paralelo pilotado pelo patético Presidente, pálido, impopular, e sua prole de zeros em pactos de poder pelo poder. Pretendo, portanto, partilhar um pouco a respeito de palavras que, suponho, sejam mais potentes. 2020 foi pautado pela pandemia que impactou particularmente a vida das escolas em todo o país. Pude, por felicidade, participar, acompanhar, perceber os impactos disso em algumas escolas públicas e particulares. Partimos na ponta da língua do P para pensar a palavra Pensamento em aproximação, pertinho, par e passo com a palavra Aula.

O que seria uma aula? Algumas definições são possíveis. Vamos partir de uma bem bonita: Aula é pôr em movimento a matéria pensamento. Assim, aula e pensamento são dimensões indissociáveis. Pode haver aula sem pensamento assim como pode haver pensamento sem aula. Há quem considere uma boa aula aquela que coloca o pensamento para pensar. Por ser uma matéria, o pensamento tende ao repouso e, em repouso pode permanecer, parado, imóvel, inerte. Para sair desse estado de repouso, para sair da inércia, ele precisa ser violentado. Isso mesmo… Um exemplo pode nos ajudar: o carro parado numa rua plana, sem bateria. Vira a chave e nada. Sem funcionar o motor, o carro permanecerá ali, parado. Então o motorista pede ajuda, algumas pessoas empurram o carro, o motorista dá um tranco e pronto, motor funcionando. Com o pensamento é parecido: um empurrão, um tranco, um solavanco, uma provocação, uma boa pergunta e pronto, o pensamento pode estar se movimentando.

Claro que podemos falar do pensamento como uma atividade orgânica. O coração bate, o pulmão enche e esvazia, o sangue circula e a cabeça pensa. Mas estamos falando de uma definição que afirma o pensamento como uma matéria que entra em movimento num determinado tempo e espaço delimitado que chamamos de aula. Compreendida desta maneira, uma aula acontece quando o pensamento recebe um empurrão e, com isso, entra em movimento. É precisamente aí que começamos a pensar.

Neste período de isolamento social, de escolas fechadas, de professoras/es e alunas/os se virando como podem, acompanhei algumas aulas. Sete horas da manhã, livros abertos sobre a mesa ao lado do computador emprestado e uma pequena aluna do 8º ano ouvindo atentamente à fala empolgada da professora. “Adoro minha professora de História”, disse a aluna. Algumas horas dedicadas à aula de história e muitas conversas aconteceram, boas conversas reveladoras do pensamento-movimento. Fiquei pensando no trabalho da professora para preparar e oferecer uma boa aula mesmo que pela internet, e falar de histórias de modo a dar um tranco e colocar em movimento o pensamento da aluna. O meu também. Nem datas, nem nomes de heróis nacionais, sem apologias e cultos, nem tenentes e capitães mas perguntas, boas perguntas e provocações. Empurrões para o pensamento pensar naquela aula, apenas uma aula.


Ivan Rubens

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro do dia 01/dez/2020

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