Pandemia de saudade


Estamos encerrando 2020, um ano marcado por vários episódios. Pelo retorno da miséria ao Brasil, pela dilapidação do Estado brasileiro, pelo entreguismo do patrimônio público, pelo rebaixamento político. Trata-se do segundo ano de um governo desastroso, asqueroso, armamentista e miliciano. Pelas eleições estaduais e municipais que, apesar do avanço da agenda neoliberal, fortaleceram algumas lideranças políticas progressistas na cena nacional. Mas 2020 será lembrado pela Pandemia do Coronavírus. Neste momento em que escrevo, são quase 7,5 milhões de contaminados/as e mais de 191 mil pessoas mortas no Brasil por covid-19. É como se a população de Rio Claro morresse em apenas um ano, vítima da pandemia do vírus, do descaso e da incompetência. 

A necessidade de isolamento social, pintou com cores diferentes as festas de final de ano. Eu acho, e posso estar enganado, que as comemorações foram mais intimistas. Quero dizer que as pessoas se reuniram em grupos menores, as famílias (por assim dizer) estiveram juntas na noite de natal. Claro que estou generalizando para podermos conversar neste artigo. Acho também que este final de ano foi marcado por um sentimento bonito chamado saudade. E por falar em saudade… em 1943, Wilson Batista (1913-1968) e Geraldo Augusto gravaram Diagnóstico: 

Eu fui ao doutor / Me consultar / Ele me levou ao raio X / Boa amiga / Eu não quero lhe desgostar / Mas você tem uma saudade no peito / Só o tempo é que pode lhe curar 

Imagine que a personagem da canção sente uma coisa no peito e procura um médico. Este, por sua vez, pede exames e dá o diagnóstico: é saudade! Sentimos saudade de estar com as pessoas que gostamos, sentimos saudade de encontrar e conhecer gente, sentimos saudade de abraçar e de beijar. Sentimos saudade de comemorar, de comer e de morar, de demorar em conversas agradáveis e sem fim. Sentimos saudade de estar juntos/as, de uma roda de samba, da alegria produzida no encontro de corpos em festa. O médico da canção continua... 

Eu sinto muito / Mas não há remédio / Pra combater esse malvado tédio / O micróbio da saudade é renitente / Custa muito a abandonar / O coração da gente 

Bonita a imagem que Wilson Batista produz: a saudade é como um vírus que se instala em nosso coração. Não um vírus letal mas um vírus vital. A canção termina assim: 

A medicina está muito avançada / Mas no seu caso não adianta nada / É incurável a sua enfermidade / Não há remédio pra curar uma saudade 

A saudade como nostalgia, bem querer e alegria. Mas também podemos pensar em uma saudade ligada mais ao futuro, uma saudade em projeção, uma saudade que lança novas iniciativas, um vírus que nos toma, um vírus que nos alimenta a vontade de fazer alguma coisa: buscar, procurar, escrever, telefonar, encontrar, agradar, atrair. Talvez a saudade seja uma espécie de bicho geográfico, então deixá-la passear pelo corpo, senti-la e esperar.

Diagnóstico está na internet. Eu gosto da gravação da Cristina Buarque no disco Ganha-se Pouco mas é Divertido. 

E por falar em saudade, onde anda você? 

Ivan Rubens Dário Jr 

5 comentários:

  1. Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 29 de dezembro de 2020

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  2. Vero! Muita saudade de quase um tudo dessa vida!

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  3. O desenho da saudade!! Que texto lindo!

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  4. 2020 ficará para sempre nas nossas lembranças, enquanto lia seu texto parecia que estávamos conversando. Senti saudades!!!
    Abçs e boas vibrações para 2021!!!
    Com carinho, Mônica Guimarães

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