A conversa que não houve...

Dois colegas se encontraram às vésperas do Natal. Amigos dos tempos de escola, os caminhos da vida levaram a amizade às baixas latitudes. Mesmo morando e trabalhando na mesma cidade, próximos física e ideologicamente, a rotina não permitia maiores aproximações, embora se vissem com certa frequência. Também, pudera: transformar o mundo num lugar melhor para todos dá trabalho e toma tempo.

No canto do salão de um discreto restaurante, longe dos olhos e ouvidos do mundo, ambos iniciaram o diálogo com amenidades. Interrompidos apenas para o pedido: feijoada. Falaram sobre futebol, cuja afinidade clubística provocou boas risadas. Falaram dos amigos e do passado. Comentaram sobre o resultado das eleições municipais, das alterações no cenário político, das especulações sobre a ‘dança das cadeiras’, dos tensionamentos de grupos que disputam os espaços institucionais, daqueles movidos pelo interesse público e daqueles nem tão legítimos assim. Até que uma pergunta mudou o rumo da conversa: “então, o que realmente fica?”

Fiquei pensando sobre isso. As pessoas se conhecem, trabalham, convivem. Juntas, planejam uma viagem ou um churrasco. Trocam presentes no Natal. Tem projetos ainda maiores como vida a dois, um bebê, dois, três... Então, o que realmente fica?

Governos passaram, outros passarão. Os demo-tucanos a frente do governo do Estado de São Paulo, se dizem bom gestores. E daí? Basta entrar numa escola da rede estadual, visitar uma unidade da Fundação Casa, uma delegacia, e constatar que a realidade é cruel. Então, o que realmente fica?

Para Machado de Assis, o melhor jeito de saber o que há dentro das ideias e das nozes é quebrando-as. Ao sair de casa, encha uma pequena mala com nozes, ideias e frases prontas. Nada mais cômodo. Quando chegar n’algum lugar, basta abrir a mala e sacar uma das ideias ou frases. Trata-se de um modo breve e econômico de fazer amizades porque todos conhecem há muito tempo. De tão acostumados com essas ideias, as pessoas creem nelas mais do que em si mesmas. Quando topei o desafio de contribuir para ampliar a democracia na cidade de Suzano, com um governo popular ilhado numa região conservadora a Leste de São Paulo, por meio da implementação do Orçamento Participativo, estávamos desarmados..., eu carregava um quebra-nozes. Quebramos várias ideias e percebemos que muitas estavam vazias. De dentro de algumas nozes saíram até um bicho feio e visguento. O Orçamento Participativo é uma ferramenta de planejamento que permite ‘planejar com’. Na minha modesta opinião, é muito mais interessante do que ‘planejar para’ pois amplia a visão de mundo e funciona como processo de formação política, de politização dos temas e das discussões.

Um dos comedores de feijoada rompeu o silêncio: “na prática, o que vamos fazer?” essa resposta requer um coletivo maior, a conversa que não houve...
Isso me fez lembrar a fábula em que uma galinha e um porco resolveram fazer omelete com bacon. Coube à galinha entregar os ovos, coube ao porco entregar a vida. Transformar o mundo num lugar melhor para viver não é tarefa fácil. Para fazer omelete é necessário quebrar os ovos!

Ivan Rubens Dario Jr

Publicado no Diário de Suzano

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro, 08 de Abril de 2010
Disponível no sítio do Jornal Cidade de Rio Claro

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