Para inglês ver e paulistano não participar

Dia desses recebi o telefonema de uma amiga inconformada com a notícia que acabara de ouvir no rádio do carro, enquanto lutava contra o trânsito paulistano. E ela estava bem alterada!

Enquanto receptor da mensagem, fiquei pensando que o engarrafamento deveria ser absurdo, o que não é novidade em se tratando da cidade de São Paulo. Talvez o ocaso de um dia daqueles em que tudo dá errado justificasse tamanha irritação. Antes de qualquer conclusão precipitada, decidi ouvir seu desabafo. Na briga com a instabilidade da operadora que a todo momento derrubava a nossa ligação, entrei no site da rádio para recuperar a notícia e entender melhor o que estava acontecendo. Ao ler a matéria, fui tomado por um misto de indignação, irritação e inconformismo.

Conforme a notícia, a prefeitura convocou 31 audiências públicas para discutir com a população as prioridades para o Município de São Paulo. Falou também da polêmica causada na Câmara Municipal entre a base de sustentação do governo municipal e a bancada de oposição. A oposição defende a realização de audiências não apenas em um dia, mas num período de trinta dias. O líder do governo na câmara não abre mão do método estabelecido, alegando que um calendário muito longo ameaça a confecção da proposta orçamentária. 

O fato é que cada subprefeitura sediará uma audiência numa única noite. Na minha imensa ignorância, fiquei pensando que poderia haver algum engano na informação por se tratar do terceiro maior orçamento público do país, volume de recurso superior a todos os estados da federação, exceto do estado de São Paulo e da União.

Para se ter uma noção do que isso quer dizer, estima-se aproximadamente 11 milhões de paulistanos distribuídos nos 1.523 quilômetros e um orçamento municipal da ordem dos R$ 30 bilhões. Esse recurso deve ser utilizado para financiar as políticas de saúde, de educação, cultura, esportes, políticas sociais e tantas outras áreas fundamentais para atender àqueles que têm apenas o poder público para recorrer em suas necessidades, para garantir os direitos de homens e mulheres, de adultos, idosos e crianças, para reduzir as imensas desigualdades sociais na cidade - melhor alternativa para enfrentar e superar os índices de violência urbana. Uma cidade cosmopolita, maravilhosa pela sua diversidade cultural, pelo carinho com que recebe migrantes e visitantes, um microcosmo do que é esse país fantástico chamado Brasil. Logo, o orçamento público municipal ou a Lei do Orçamento Anual, como queira, é assunto essencial.

Fui ao sítio da prefeitura de São Paulo na esperança de encontrar algo que me despertasse desse pesadelo. Doce ilusão. Por meio de edital, o secretário das Subprefeituras “CONVOCA todos os cidadãos residentes no Município de São Paulo e associações representativas com sede no município a participarem das AUDIÊNCIAS PÚBLICAS para discussão da proposta orçamentária para o exercício financeiro de 2011...”.

Toda metodologia está definida. Basta apresentar o documento de identificação pessoal, endereço e telefone para participar da audiência. Também define o objetivo das audiências públicas: “disseminação das informações sobre as políticas publicas, apresentação de sugestões e discussão das propostas, visando a subsidiar a proposta orçamentária do Município de São Paulo para o exercício financeiro de 2011”.

Por fim, a cereja que decora o bolo: “pedidos de informações ou esclarecimento sobre programas orçamentários poderão ser encaminhados ao subprefeito competente até 3 (três) dias antes da realização da audiência pública em que serão debatidos. Pior que um pesadelo, estava diante de um filme de terror escrito, dirigido e encenado pelo governo democrata a frente da prefeitura de São Paulo. E nem ficam vermelhos de vergonha quando convidam, ou melhor, “convocam” a população paulistana para protagonizar uma tragédia com verniz de comédia. 

Nos governos do PT e partidos do campo democrático e popular, a metodologia adotada para a discussão do orçamento público é a do OP - Orçamento Participativo. 

Experiência exitosa, premiada internacionalmente, atualmente desperta interesse principalmente dos países europeus. O que nos levou à necessidade de criar a Rede Brasileira de OPs, com sede na cidade de Guarulhos, para organizar melhor as informações nos municípios brasileiros e facilitar o diálogo com o exterior.

Recentemente, recebemos a visita de um estudante da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. O pesquisador esteve em Suzano, Rio Claro e Várzea Paulista, para conhecer de perto e em detalhes a experiência de OP, que é parte de seu estudo acadêmico, cujo projeto foi agraciado com bolsas de pesquisa e prêmios naquele país.

No OP de Suzano, a população é convidada a participar das plenárias que acontecem durante aproximadamente dois meses em locais e horários acessíveis à maioria das pessoas. Antes das plenárias, são realizadas inúmeras reuniões preparatórias nas escolas, nas associações de moradores, nas unidades de saúde, nas igrejas, nos bares, enfim, onde e quando a população solicitar. Esse momento é importante no sentido de transmitir as informações, ajudar as pessoas a se organizarem e, assim, participarem efetivamente da plenária regional deliberativa. 

É garantido o acesso e a permanência dos moradores e moradoras, com a ‘Ciranda do OP’, espaço lúdico onde as crianças participam da plenária sob cuidados de educadores. Há eleição direta para conselheiros e conselheiras do orçamento participativo, que em Suzano se chama CORPO. E utilizamos a caravana do OP, para proporcionar um melhor conhecimento da cidade. É organizada uma agenda de reuniões onde se encontram o CORPO e os diversos setores do governo municipal, incluindo secretários/as, até definir o plano de investimento. Em suma, as prioridades que integram o plano de investimentos municipal, do exercício financeiro do ano seguinte, é resultado do debate do Conselho do OP, representado por 2/3 da população e 1/3 do governo.

Voltando ao processo reduzido e demagógico desencadeado pela Prefeitura de São Paulo, quero fazer algumas considerações. Em caso de dúvida, envie ofício em 4 vias carimbadas, autenticadas, protocoladas 3 dias antes, aguarde o subprefeito responder para você, viu? Espere sentado. A expressão ‘audiência’ deriva da palavra audição: “ato de ouvir, escutar”. É isso que o governo paulistano fará. 

Seus agentes de governo vão dedicar algumas horinhas do seu precioso tempo durante um dia do ano para fazer um imenso favor, ouvir a população. Tem uma expressão portuguesa que diz: “para palavras loucas ouvidos moucos”. Eles fazem ouvidos moucos para quem está louco para contribuir de fato, para tornar cada vez melhor a cidade onde vive. Um processo burocrático, realizado apenas para cumprir algum dispositivo legal, que exige a realização de audiência pública. Daí a dizer que a população vai participar efetivamente das decisões, influenciá-las que seja, é piada.

Nos municípios que adotam o OP, a população é protagonista das decisões e dos seus destinos. No caso das audiências públicas, convocadas pelo governo municipal de São Paulo, a população terá papel secundário, como tem assumido figuração nas tantas comédias e tragédias encenadas como parte do projeto político dos demotucanos ao longo dos últimos anos. Tragédias e comédias podem ser muito boas. No caso do ocorrido em São Paulo, trata-se de uma piada de péssimo gosto.

Compreendi a revolta da minha amiga. Mas fiquem tranquilos, pois basta olhar os resultados eleitorais, inclusive o que virá ainda esse ano, e perceber que o projeto demotucano definha.


Publicado no sitio do PT São Paulo


QUEM TEM MEDO DA DEMOCRACIA


 

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