Do direito e do dever de mudar o mundo

Uma amiga pedagoga, companheira de trabalho com quem partilhei parte da responsabilidade de implementar o Orçamento Participativo na cidade de Suzano/SP, comentou comigo sobre o livro ‘Pedagogia da indignação – cartas pedagógicas e outros escritos’. Curioso, recorri à publicação para ‘dialogar’ com Paulo Freire.

No dia 2 de maio de 1997 o mundo perdeu o educador Paulo Freire. O desejo da minha amiga Paula é pela leitura de uma obra inacabada, cuja finalização se deu em 11 de fevereiro de 2000 por sua companheira Ana Maria Araújo Freire, a Nita. A primeira parte do livro é composta por três ‘cartas pedagógicas’. Ao final de cada carta, Nita conta sua história e comenta as reflexões de Paulo Freire.

Ela conta que em 17 de abril de 1997, quando a Marcha dos Sem-Terra, organizadamente, vinda de diferentes partes do Brasil e confluindo num só corpo nos corpos de crianças, velhos e jovens, negros ou brancos, entrou em Brasília. Paulo e Nita assistiam ao evento político pela televisão e lamentavam não estar com aqueles homens e mulheres na capital federal. “Quando Paulo viu aquela mutidão entrando, altiva e disciplinadamente, na Esplanada dos Ministérios, ficou de pé caminhando de um lado para outro da sala. Repetia com voz emocionada: ‘É isso minha gente, gente do povo, gente brasileira. Esse Brasil é de todos e todas nós. Vamos em frente, na luta sem violência, na resistência consciente, com determinação tomá-lo para construirmos, solidariamente, o país de todos e de todas os/as que aqui nasceram ou a ele se juntaram para engrandecê-lo. Esse país não pode continuar sendo de poucos... Lutemos pela democratização desse país. Marchem, gente de nosso país...” No mesmo dia, Paulo Freire concluiu a carta pedagógica Do direito e do dever de mudar o mundo. Isso me fez pensar nas mudanças que acontecem no Brasil e que escapam aos olhos, às vezes aparecem nas conversas, raramente são noticiadas nos canais de rádio, televisão, jornais e revistas pertencentes aos grandes conglomerados de comunicação.

A carta fala do sonho de um mundo melhor, de um mundo justo, cuja possibilidade depende da luta ideológica, política, pedagógica e ética. Fala da importância de exercitar nossa capacidade de pensar, de indignar-se e de indignar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de programar e de não apenas seguir os programas ‘propostos’, para não dizer impostos. Fiquei pensando como seria nossa democracia se os/as quilombolas, os/as camponeses/as das Ligas e os/as sem-terra aceitassem passivamente a ideia fatalista e conformista de que a vida é assim mesmo, que não há o que fazer. Como seria a vida se aceitássemos que “é uma pena existir tanta gente com fome entre nós, mas a realidade é assim mesmo”, “o desemprego é uma fatalidade do final do século” ou “galho que nasce torto, torto se conserva”? Sonhar com uma sociedade sem injustiça, sem violência, mais humana, exige sujeitos/as progressistas acreditando na capacidade do ser humano avaliar, comparar, escolher, decidir e, finalmente, intervir no mundo. Ou seja, o conhecimento é libertador.

Basta estar atento para perceber as iniciativas criativas e interessantes, experiências novas, vida pulsando e irradiando em várias direções. Em Suzano, por exemplo, o governo municipal criou a Secretaria de Participação e Descentralização. Consolidar o Orçamento Participativo, descentralizar a administração municipal facilitando o acesso da população aos equipamentos e serviços públicos, criar a cidade digital, articular os conselhos institucionais e conselhos gestores locais, implantar as coordenadorias especiais (igualdade racial, igualdade de gênero, direitos humanos, juventude, idoso) são tarefas importantes. Contribuem para integrar ainda mais as ações setoriais, especialmente Educação, Cultura, Saúde e Esportes fazendo desses espaços ricas possibilidades de formação, diálogo, aprendizado. E por aí se caminha na perspectiva de uma cidade educadora e, portanto, libertadora.

É assim que contrapomos os céticos de plantão que teimam em afirmar que a “história acabou”. Nada disso. Outro mundo é possível, mas sua construção depende do engajamento e da luta paciente e cotidiana de cada um e cada uma de nós. Nesse sentido, Paulo Freire está conosco.

Ivan Rubens Dario Jr.
Publicado no Diário de Suzano

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro

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