Uma Revolução Rosa


Zélia Duncan canta Conversa de Botequim
música de Noel Rosa
Leia o texto ouvindo a canção. clique aqui:  


Noel Rosa, o sambista de Vila Isabel, nasceu em 1910 e morreu em 1937 aos 26 anos de idade. Ele deixou uma obra musical densa e suas canções são regravadas até hoje.  


A cantora e compositora Zélia Duncan entende o caráter revolucionário de Noel Rosa como modernidade. Jovem, Noel Rosa falava dos lugares na cidade do Rio de Janeiro. Rosa revolucionou o jeito de falar das coisas do Brasil dos anos 1930; Rosa revolucionou o jeito de ser jovem; Rosa revolucionou o jeito de olhar a cidade e falar dela, da boemia, da vida. Ele andava com Aracy de Almeida pelas ruas da cidade, entrando em botequins e boates, cantando, vivendo a vida em seu fluxo intensivo e, naturalmente, recolhendo os elementos para sua criação. Uma criação realista com efeito de encruzilhada: abre caminhos!

Zélia fia as suas linhas criativas com Noel: “música moderna é aquela que dura, que permanece moderna até hoje visto que revoluciona”. A artista retorna à década de 1930 e encontra canções que revolucionam, que transformam, que modificam a sua produção musical. Para Zélia, “Noel é moderno para sempre. Acho que o Noel é procurado até hoje para revolucionar”.


Interessante pensar com a Zélia Duncan: encontrar um revolucionário para provocar revoluções em si mesmo. Imagino a compositora criando uma canção e, nesse seu movimento de busca, de criação, encontra em Rosa aspectos que rompem com o já estabelecido, aspectos de solavanco, empurrões que tiram do lugar conhecido e lançam no espaço, que levam a ação criativa por caminhos inimagináveis. É como abrir as portas de uma casa pouco conhecida. Sabemos que dentro de uma casa há cômodos, portas, corredores, talvez escadas, janelas que dão para fora da casa. Contudo, por mais que saibamos os elementos que constituem uma casa, toda casa desconhecida é uma casa a conhecer. Para conhecê-la é preciso entrar nela, andar, se surpreender, percorrê-la... se assustar, sentir medo no porão, sentir arrepios aos ouvir seus barulhos, imaginar os perigos... e ao mesmo tempo surpreender-se com as paredes, as cores, o sol iluminando os cômodos, os objetos deixados no caminho, caídos ou colocados cuidadosamente por serem úteis ou por serem belos. O que importa mesmo é a experiência e os encontros nesta busca de si em uma vida se fazendo obra.


Noel é de uma malandragem que se faz no fluxo da vida, dos encontros, da errância que fortalece o movimento e a produção de sentidos. Particularmente de sensações que atravessam o corpo nas composições afetivas que fiamos com o mundo povoado de seres criando e re_criando mundos. Essa malandragem considerada como um corpo_que_dança, um corpo_que_ginga, essa ginga na dança da vida, esse movimento de busca permanente que podemos chamar de andarilhagem. Andarilhagem compreendida aqui como experiência, uma certa andança com cadência, uma certa ginga com uma boa malandragem. Andança e malandragem: uma certa revolução provocada pelo revolucionário Noel Rosa.

Uma revolução Rosa.


Ivan Rubens

Educador



publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 22/02/2022 (olha isso)

A vida o que é, meu irmão?


Componha sua paisagem sonora, leia o texto ouvindo a canção.
 Clique aqui: 


Eu fico com a pureza da resposta das crianças / É a vida, é bonita e é bonita…

Uma colega de trabalho viu a seguinte citação num material didático: “a beleza de ser um eterno aprendiz”. Ela estava preparando uma formação para professoras/es e pensava no dualismo ensino_aprendizagem, pensava no 'sujeito aprendiz de uma vida inteira', vai por aí. Acontece que Gonzaguinha vai além das obviedades, então convidei: “Vamos olhar a canção?”

Viver e não ter a vergonha de ser feliz / Cantar e cantar e cantar / A beleza de ser um eterno aprendiz / Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será / Mas isto não impede que eu repita / É bonita, é bonita e é bonita

Claro que a letra remete à ideia de aprendizagem. E 
aprendizagem anda de mãos dadas com ensino. Apesar disso, Gonzaguinha pode estar falando de outra coisa, de algo maior, algo que vai além… e diz isso com otimismo porque, cantando, a vida fica muito mais alegre, mais leve, fica melhor. O artista lança perguntas:

E a vida? / E a vida o que é, diga lá, meu irmão? / Ela é a batida de um coração? / Ela é uma doce ilusão? / Mas e a vida? / Ela é maravilha ou é sofrimento? / Ela é alegria ou lamento? / O que é, o que é, meu irmão?

São muitas possibilidades de resposta, da biologia às religiões. Na canção, Gonzaguinha parece preferir as perguntas. Cultivar uma pergunta, mantê-la viva, significa disparar um movimento de busca por respostas. Talvez o movimento de busca seja mais interessante do que a resposta em si, seja ela qual for. O compositor nos lança numa busca para além da física: sem a arte, a vida perde um tanto do seu brilho.

Há quem fale que a vida da gente / É uma nada no mundo / É uma gota, é um tempo / Que nem dá um segundo / Há quem fale que é um divino mistério profundo / É o sopro do criador numa atitude repleta de amor / Você diz que é luta e prazer / Ela diz que a vida é viver / Ela diz que melhor é morrer / Pois amada não é e o verbo é sofrer / Eu só sei que confio na moça / E na moça eu boto a força da fé

Há quem diga isso e aquilo da vida. Com a moça, Gonzaguinha afirma: a vida é da nossa responsabilidade. O desejo é motor da vida!

Somos nós que fazemos a vida / Como der ou puder ou quiser / Sempre desejada, por mais que esteja errada / Ninguém quer a morte, só saúde e sorte / E a pergunta roda e a cabeça agita / Fico com a pureza da resposta das crianças / É a vida, é bonita e é bonita

O tempo passa e a morte é certa. Entre o passado que não volta mais, e o futuro (incerto), temos o presente. O que fazemos com ele? o que temos feito da vida neste tempo presente? Mas Gonzaguinha conclui com as crianças: A vida é bonita, é bonita e é bonita. Crianças entendem de presente.

O carioca Luiz Gonzaga do Nascimento Jr, nasceu em 1945. Economista, teve 54 canções censuradas de 72 apresentadas. Autor de Começaria tudo outra vez, Explode coração, Grito de alerta entre outras. Morreu aos 45 anos num acidente de carro em 1991.

Ivan Rubens Dário Jr
Educador

publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 25 de janeiro de 2022

O SOM AO REDOR


[O trailer Está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rj0eeHW7lXU&t=60s ]





O som ao redor é primeiro longa-metragem de Kléber Mendonça Filho, escrito por ele entre 2007 e 2010, filmado em julho e agosto de 2010. Grande parte do filme se passa no bairro de Setúbal, cidade de Recife/PE. A sinopse apresenta o filme:

A presença de uma milícia em uma rua de classe média na zona sul do Recife muda a vida dos moradores do local. Ao mesmo tempo em que alguns comemoram a tranquilidade trazida pela segurança privada, outros passam por momentos de extrema tensão. Ao mesmo tempo, casada e mãe de duas crianças, Bia (Maeve Jinkings) tenta encontrar um modo de lidar com o barulhento cachorro de seu vizinho.


AÇÃO !!!

A makita[1] corta o ferro da grade na janela!

Enquanto Kléber rodava O Som ao Redor, o Brasil vivia um período de crescimento econômico do governo Lula, com os ruídos da construção civil ocupando o cotidiano das grandes cidades. O que os sons da cidade contam da vida na cidade? O filme mostra que os espigões, que o paliteiro de prédios que provocam andarilhos_voadores, os grandes edifícios super atuais, chiques e caros, as Empresas que fazem da cidade palco da especulação imobiliária levantam torres sobre uma sociedade desigual e violenta que não olha para suas próprias feridas do seu passado colonial. O filme é uma espécie de crônica, a observação da sociedade brasileira a partir da janela num bairro da zona sul da Recife contemporânea mas, na visão do diretor e roteirista, uma adaptação dos engenhos de cana ainda marcantes no cotidiano da sociedade pernambucana. Os elementos da cidade moderna como carros, prédios, o mobiliário urbano disfarçando as relações coloniais. Para Kléber, os papéis sociais e a disposição topográfica naquela rua apresentam os mesmos papéis sociais do engenho.

O cachorro late.

O entregador de água potável e maconha. Os trabalhadores que vendem a segurança na rua para o ‘coronel’ que, proprietário da maioria dos imóveis no bairro, é quem administra a paz de uns e a violência de outros. A vida das trabalhadoras domésticas, dos vendedores, dos vigias, dos entregadores, a rotina dos patrões deixarem as casas durante os finais de semana. O filme apresenta as rotinas dos donos dos imóveis e dos trabalhadores e trabalhadoras no cotidiano urbano. Trata-se de uma base muito realista, muito perto do funcionamento real da sociedade. O cachorro late.

Kleber viveu muitos anos na rua do filme e, de tanto observar o cotidiano, escreveu o roteiro ali mesmo. Cada vírgula um latido: o cachorro participou do filme, mesmo das filmagens... A casa de Bia (vivida pela atriz Maeve Jinkings) e sua família no filme é exatamente a casa onde Kléber morava. Trata-se de uma crônica realista que coloca a cidade como principal protagonista[RD1] . A cidade apresentada como a rua onde morava o roteirista e diretor.

O título do filme aponta, desde o início, uma dimensão importante e que diz muito sobre a cidade. Enquanto as imagens apresentam a temática do filme, o áudio funciona como uma linguagem da cidade, deste fragmento da cidade. A vida da classe média se mostra marcada pelo tédio e pela nostalgia, os comportamentos e conflitos estão sobre as bases estruturais do Brasil, a rua como um engenho de cana de açúcar. O filme começa com fotos de trabalhadores nas lavouras, casarões ao som de um ritmo tribal contrastando com imagens coloridas e atuais de crianças brincando no estacionamento e na quadra de um condomínio enquanto são observados por babás e empregadas domésticas, as tradições escravocratas e aristocráticas expostas durante o filme. Da grade que separa o condomínio das ruas e, supostamente, da violência urbana, as crianças observam um homem lixando a janela com uma makita em ruído estridente.

Um som externo compõe com as cenas… o som é um personagem[RD2] .

O Som ao Redor está organizado em 3 partes que apresentam uma certa ascensão social dos Guardas e, ao mesmo tempo, o som da cidade como protagonista.

1a parte

2a parte

3a parte

Cães de Guarda

Guardas noturnos

Guarda costas

som como incômodo

som como proibição 

o silêncio


1a parte: cães de guarda

O drama de Bia, uma moradora mãe de dois pré-adolescentes que não consegue dormir com os latidos do cachorro na casa ao lado. Todas cenas com Bia são atravessadas pelo som desagradável do cachorro. Motores, latidos, ruídos, vendedor de cds, palmas, portas, bolas, riscos na lataria do carro, marteladas e outros sons típicos do aquecimento da economia especificamente na área da construção civil, são sons que apresentam um incômodo para a vida dos moradores e moradoras na cidade. Isso coincide com a chegada de alguns homens oferecendo serviço de proteção aos moradores. As casas e os carros são verdadeiras prisões, as pessoas estão trancadas o tempo todo, a rua é calma, o filme parece apresentar a construção de uma certa neurose em torno da segurança em um bairro calmo e pessoas de classe média neuróticas na defesa de suas propriedades. O filme passa uma sensação de posse e, ao mesmo tempo, segregação sócio espacial. Nessas condições, um serviço de segurança privada é muito bem recebido. O cachorro late.


2a parte: Guardas noturnos

Esta parte está mais focada no trabalho e na ética da equipe de segurança privada nas ruas do bairro. Aqui o som é vítima de censura. Agora já aceitos e instalados nas ruas do bairro, a equipe de segurança é liderada por Clodoaldo (vivido pelo ator Irandhir Santos). Eles servem aos moradores. Seu Francisco se apresenta como proprietário de mais da metade dos imóveis do bairro. Clodoaldo é a voz dos da rua, Francisco é o representante dos de cima. Ele mora na cobertura de uma torre imensa. Clodoaldo reúne as condições para dialogar com Francisco, funciona como uma espécie de representante de classe, um quase branco.

Dinho é um dos netos de seu Francisco que rouba toca cds dos carros na rua. Um interessante contraste vai se revelando nesta parte: o bairro é tranquilo exceto pelos pequenos furtos de Dinho vistos como desgosto ao pai, jovens bêbados e vomitando ou fazendo manobras com seus carros. Um menino negro silencioso, descalço e sem camisa é espancado porque estava trepado numa árvore. Este personagem sem fala representa Saci, uma lenda urbana do Recife. O alarme do carro dispara!


3a parte - Guarda costas

Aqui o som aparece como desejo de silêncio. A última parte do filme começa no casarão antigo de uma fazenda onde descansam seu Francisco, o neto João (que trabalha como corretor dos imóveis do avô) e sua namorada Sofia. O ambiente é tranquilo e rodeado pelo som de pássaros, vento e árvores. Nem os cães da fazenda fazem barulho. Um passeio pelo casarão e pela fazenda em fortes imagens. Os ruídos na fazenda são expressão da história, são os gritos de dor que a casa grande não escuta: os passos dos barões de engenho soando como terror na senzala, crianças numa escola pública, os gritos de dor e desespero na cena das ruínas de um cinema antigo e abandonado. A posição de privilégio da classe média do filme mostra a busca do controle do som ao redor e, quando algum som vaza, desagrada essa classe média raivosa, medrosa e culpada. E a cena chocante do banho de cachoeira quando a água gelada aparece como o sangue derramado pelas gerações de escravos e vítimas da opressão e dos crimes que a família de João cometeu naquelas terras de engenho para que ele pudesse estar na posição de privilégio urbano que ocupa hoje.

Os guardas constituem uma classe intermediária que tem o papel simbólico de manter os de baixo em silêncio pois seu ruído pode incomodar os de cima. O apartamento do Francisco aparece sempre em muito silêncio, os ruídos da cidade e do passado não chegam até o alto de sua cobertura. Essa gente que aparece nos andares superiores escuta apenas os seus próprios ruídos, está fechada para o mundo ao redor. Bia compra bombas de São João para calar o cachorro que late. Um segurança dá um soco na boca do menino negro, o Saci que estava na árvore, num gesto cruel de silenciamento, cala sua boca de quem não tem voz e com violência.

O filme termina com a revelação de uma trama subliminar: Clodoaldo deseja vingar a morte do pai e do tio. Ambos foram assassinados pelo capataz de Francisco em razão de conflitos fundiários.

Para Kléber, o filme começa com uma história real apresentada nas fotos da nossa história. Isso impacta os espectadores, são fotos lindas e fortes em retratar uma determinada situação histórica que faz parte da vida no Brasil. Entre tantas leituras possíveis deste filme, uma particularmente nos interessa: João um abolicionista; Bia a escrava alforriada; Francisco o senhor de engenho; Clodoaldo o jagunço, o senhor do mato. E a ideia do filme é transpor um engenho para uma rua moderna da zona sul do Recife. O filme não diz isso diretamente mas apresenta gente de todo tipo, gente do Brasil de hoje. Sofia que é uma brasileira afilada, o cara que cuida do carro que é índio e branco. Francisco, um branco com barba e cabelos brancos. O menino da árvore que é um Saci Pererê. É muito parecido com o que se vê nas ruas das grandes cidades[RD3] .



[1] Trata-se da marca de um conjunto de ferramentas. A ferramenta que aparece no filme é uma serra circular utilizada para cortar barras de ferro popularmente conhecida como Makita.


contribuições da andarilha: 

[RD1]Entre si e o mundo, prefira sempre o mundo! Quando você posiciona a cidade como protagonista de sua tese, penso que esteja desubjetivando pelos caminhos andarilhados entre as cidades e as artes... com os sons e marcas que fazem surgir esta sua cartografia.... pensa nisto!

 [RD2]Talvez aqui pudesse entrar com um corte e inserir uma música....um pitaco.. mas você deve ter um repertório intensivo para conectar estas marcas.... Construção do Chico

 [RD3]Penso que seja interessante fazer ligas entre os filmes... ou criar uma estratégia de texto que expresse as marcas entre sujeito e cidade e sua dimensão empírica com o pp jogo estético do capítulo

Aurora


clique aqui para ouvir a canção:



Chegamos ao fim de 2021, mais um ano marcado pelo aprofundamento da miséria, da fome e da violência no Brasil, marcado pelo sucateamento do Estado e entrega do patrimônio público, desmonte de políticas públicas. Surpresa? acho que não: desde 1991, Jair foi um deputado insignificante e, em 2018, uma campanha eleitoral recheada de mentiras e fatos duvidosos, incluindo uma facada, levou Jair à presidência da república. Um deputado fake, uma campanha fake, não deu outra: um presidente fake que defende apenas interesses corporativos. Chega ao fim o terceiro ano desse governo desastroso e entreguista cujas consequências pesam nas costas dos brasileiros e brasileiras. Mas vamos falar de música!

Paulinho Moska é carioca. Multiartista: cantor, compositor, fotógrafo, produtor, apresentador, desde pequeno conviveu com grandes nomes da música popular brasileira. Iniciou sua carreira como ator, se formou em teatro e cinema na Casa de Artes e Cinema das Laranjeiras, Rio de Janeiro. São muitas as canções dele que convocam minha atenção. A canção Seu Olhar diz assim:

Gosto quando olho pra você / Gosto mais quando seu olho vem / Na direção do meu / Na direção do meu / Gosto ainda mais quando esquecemos / Onde estamos e olhando em volta escolhemos / A mesma coisa pra olhar / A mesma coisa pra olhar

Olhar, mudar o olhar, mudar o ponto de vista. Apontar o olhar e colocar a atenção na mesma direção, num mesmo objeto, numa mesma paisagem, num movimento, num processo, no horizonte. A canção continua:

Gosto quando olho com você o mundo / E gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele com você / Gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele com você

A canção sugere que duas pessoas façam isso juntas. E se considerarmos que o ‘mundo’ citado na canção pode ser tudo? São mundos em objetos, em tecnologias, paisagens. A cidade, por exemplo, compreendida como um mundo em movimento, a vida em seu fluxo. Mas também uma gota d'água observada na lente de um microscópio, o fundo do mar através das lentes da mergulhadora, um crustáceo recolhido pela pesquisadora nas rochas da praia. O céu, as estrelas, uma nuvem, as asas do beija flor. A fermentação da cerveja, a transformação dos alimentos nas mãos mágicas da bruxa de Tucuruí… tudo isso são mundos. E duas pessoas movidas por um sentido comum, escolhendo um mundo para olhar, acrescentam algo novo, uma novidade nesse mundo. Numa outra canção, Paulinho Moska fala disso com uma palavra: Aurora.

A canção Seu Olhar termina reforçando a frase:

Gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele com você / Gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele... com você

Na aurora de 2022, meus sentidos captam as boas novas: ar para respirar, esperança, amores. Inclusive no território árido da política visto as pesquisas eleitorais apontando a superação dessa treva que o Brasil atravessa desde 2018. Estamos em contagem regressiva, a esperança vencerá o medo, a verdade vencerá a mentira. Bom olhar para 2021 como princípio do fim do PIOR governo da história democrática do Brasil.

Ivan Rubens Dario Jr



publicado no Jornal Cidade de Rio Claro na edição de 28 de dezembro de 2021


PEDAGOGIAS DA CIDADE - corpos e movimento


sobre a experiência do Orçamento Participativo em Suzano/SP
no período de 2005-2008

Disponível no site da editora, clique: COMPRAR



Depois de ter você, o que querer?

 disponível também no spotify: podiquesti Andarilhagens

Leitura de Catiê Machado


No vídeo, Adriana Calcanhoto fala da canção Cantada
(sinônimo de piropo), ou
Depois de ter Você.




O que querer depois de ter você? Pra quê?
Tudo fica menor, exceto a vida.

Depois de ter você, o desejo fica vivo e quer mais você!!!
E quer vc, quer viva porque quer mais vida. Vida com você.

Depois de ter vc o mundo fica mais colorido e a vida quer expandir.
O ar ganha perfume, leveza no pesadume.
Rios e cachoeiras pra banhar.
Há mar. Há casa.
Amar, amor acalma.
Felinas, plantas, horta no quintal, hortelã, coentro
Fã, alegria: eu entro!

Depois de ter você, os objetos viram brinquedos para nosso prazer.
Bicicleta, planta molhada, passarim.
Relva no chão, areia, capim.
Hortênsia, rosa, ora pro nobis, jasmim.
Orquídea pra plantar, amigos pra visitar.
Crianças para criar.
Amores para amar, dormir, acordar.

Mochila nas costas, escola, café.
Fruta do conde, amora.
Chupar a manga do pé.

Depois de ter vc vem o desejo, cada vez maior de estar com vc. Pra viver, pra conhecer mundos, inventar mundos e desvendar mistérios.
Livros para ler, filmes para ver. Estudar!
Uma suavidade que acalenta as dores, o vírus e o verme.
Políticas em disputa, luta para lutar. As vitórias pequenas, as salas de aula e gente simples para encontrar. Crianças, criaturas e criadoras, crias. Creio

Depois de ter você?
Apenas um intervalo pra ficar e ficar.

dez_Envolvimento


Amazonas é o maior estado brasileiro em extensão territorial. Sua capital é Manaus. Parintins é a segunda cidade mais populosa do estado. É mundialmente conhecida pelo Festival de Parintins.


Bate forte o tambor / Que eu quero é tic tic tic tic tac / É nesta dança que meu boi balança / E o povão de fora vem para brincar / É nesta dança que meu boi balança / E o povão de fora vem para brincar...


Toada de Boi é tradição que traz muita gente para a festa de Parintins. Não foi o caso de Paulo. Paulo é professor, mas um professor andarilho. Ele não foi ao Amazonas para a festa de Parintins. Ele carregava a festa dentro de si. Por muito tempo guardou no peito um desejo muito grande, uma curiosidade imensa de conhecer a região Norte do Brasil. Esse desejo foi, durante os anos de espera, se materializando em leituras, estudos, conversas com toda a gente que trouxesse elementos, histórias, experiências amazônicas. Tinha especial interesse pela floresta e seus mistérios, pelos rios em sua imensidão de água, pela gente da floresta e pelos povos indígenas. Pela geografia enfim. Sim, Paulo é geógrafo que desconfiava do suposto des-envolvimento do Brasil, marcadamente econômico e supostamente social, talvez um equívoco em certo aspecto. Porque a exploração desenfreada e gananciosa dos recursos naturais produzem um modo de viver “sem vida”, desvitalizam, agridem a Mãe Terra, esse frágil planeta azul. Geram destruição: poluem as águas e o ar, envenenam o solo. Ele queria mesmo é comer peixe de rio, fresco, que nada rio abaixo procurando comida e rio acima procurando águas camas para desovar na piracema. Ele queria comer açaí do pé, tomar suco da fruta. Estava cansado da gastronomia dos congelados, da proteína criada em confinamento e à base de ração de soja, dos sucos de caixinha.

As barrancas de terras caídas / Faz barrento o nosso rio mar / As barrancas de terras caídas / Faz barrento o nosso rio mar

De Manaus partiu para o interior. Pegou a primeira “estrada”, no caso o Rio Negro já no contato com o Solimões. Primeira grande descoberta: a diferença gritante de coloração. Não se conteve, mergulhou. Precisava sentir com o corpo inteiro aquilo que conhecia pelos livros. Percebeu a diferença de temperatura, de densidade e se certificou que ambos não se misturam. As águas do Negro e do Solimões fluem lado a lado por quilômetros. Na “esquina” do Rio Amazonas com o Madeira, virou à direita e durante horas olhou, do barco, as barrancas de terra caída, a floresta, as casas em palafitas e canoas atracadas, gente roçando mandioca.

Amazonas rio da minha vida / Imagem tão linda / Que meu Deus criou / Fez o céu a mata e a terra / Uniu os caboclos / Construiu o amor

É como se devorasse tudo com a boca, os olhos, os sentidos, o corpo enfim. Sentia a exuberância de vida que pulsava nas águas e na floresta. Sobretudo a gente do interior do estado. Gente simples, gente humilde, gente boa. Que sabe esperar, sabe receber. E que ensina o professor que o ENVOLVIMENTO é o caminho para que a vida seja mais viva. Porque, no limite, o que temos de verdade é uns/umas aos outrs.

E o professor andarilha se perguntando: de que des_envolvimento fala o cara pálida? Os povos ribeirinhos do Brasil das Águas mostram para o professor andarilho que envolver é bom, envolver é 10: dez_Envolvimentos!!!

Tic tic tac é uma toada de boi composta pelo pescador Braulino Lima.

 

Ivan Rubens

Educador popular


publicado no jornal Cidade de Rio Claro em 30 de novembro de 2021

Toda Menina Baiana

Leia o texto ouvindo a canção. Clique no link: 



“Toda Menina Baiana” é uma canção de Gilberto Gil. Uma canção é uma obra que nasce dentro de um corpo e vai para o mundo. Neste caso, o corpo do Gil. Claro, uma criação nasce dentro de um corpo que está no mundo e é, portanto, atravessado pelas forças vivas do mundo. Confuso? Então vamos para a obra, vamos para a canção:

Toda menina baiana tem um santo, que Deus dá / Toda menina baiana tem encanto, que Deus dá / Toda menina baiana tem um jeito, que Deus dá / Toda menina baiana tem defeito também que Deus dá / Que Deus deu / Que Deus dá...

Segundo o compositor, essa canção nasceu em Salvador para a sua filha mais velha, Nara Gil. Nara estava entrando na adolescência, a primeira filha adolescente na vida do então casal Gilberto Gil e Belina de Aguiar. Na canção, Gil faz uns alertas para a primeira filha: fala do caráter fundador da Bahia, fala também das virtudes e defeitos do homem. Localizei a primeira gravação desta canção no álbum Realce de 1979 e, acredito que os comentários de Gil acerca da canção pertençam também a essa época.

Que Deus entendeu de dar a primazia / Pro bem, pro mal, primeira mão na Bahia / Primeira missa, primeiro índio abatido também / Que Deus deu

Nesta perspectiva, compreendemos que ele esteja se referindo à dimensão da humanidade de mulheres e homens: “Por força da busca de compreensão do divino no humano, eu me empenhava em me desvencilhar do maniqueísmo, abarcando as idéias ligadas tanto ao bem quanto ao mal, um tema básico de minhas canções: reiterar o sentido da tolerância, do perdão, da compreensão de que o homem é permeado pelo bem e pelo mal e de que a superação de um implica a superação do outro; você não se livra do mal sem se livrar do bem. A promessa das religiões reside nisso: na superação transcendental de ambos", disse Gilberto Gil a propósito dessa canção.

Que Deus entendeu de dar toda magia / Pro bem, pro mal, primeiro chão na Bahia / Primeiro carnaval, primeiro pelourinho também / Que Deus deu

Podemos pensar o maniqueísmo como um conflito entre o bem e o mal. Para livrar-se do mal é necessário livrar-se do bem, e vice-versa. Bem e mal são as duas faces de uma mesma moeda. Bem e mal são as duas cabeças de um mesmo dragão, duas cabeças cujo olhar está carregado de magia, uma certa magia com ares de sedução.

Que Deus deu / Que Deus dá

Salvador, capital da Bahia, é considerada a cidade mais negra fora do continente africano. Na canção, toda magia, o bem e o mal aparecem como primeiro chão, como a base, uma espécie de território de dor mas também de festa porque a vida também é feita dessas antíteses, dessas contradições. Talvez seja essa a obra que nasce dentro do corpo do artista que, atravessado pelas forças vivas do mundo, sai do corpo e rebenta. E nos coloca nesse lugar e neste tempo, novembro de 2021, celebrando uma África que se faz em nós.

Viva Zumbi, viva Antônio Conselheiro, viva Corisco, Lampião e Maria Bonita. Viva Gilberto Gil cujo corpo negro vestido de Ministro da Cultura levou a menina baiana (e a Bahia menina) e fez a festa no plenário das Nações Unidas.

Ivan Rubens
Estudante




o show completo da Bahia menina no plenário da ONU pode ser visto em https://www.youtube.com/watch?v=l7PjqJLGq7w


https://www.youtube.com/watch?v=l7PjqJLGq7w


texto publicado no Jornal Cidade de Rio Claro na edição de 02 de novembro de 2021.

Partiu na chalana florida



            Leia o texto ouvindo a canção. Clique no link:      

Foi uma espécie de agonia. Agonia é uma palavra polissêmica. Agonia pode ser compreendida como aflição, sofrimento intenso, forte, profundo. Agonia pode ser compreendida como o instante da vida que precede imediatamente o momento da morte. Na medicina, agonia pode ser respiração cheia de ruídos feita por quem está prestes a morrer. Na música, melodia do sino que anuncia a morte de alguém. Agonia ainda pode ser compreendida como uma dificuldade para decidir, como dúvida. Mas quero trazer para esse breve texto os significados de encerramento, de conclusão, término. Final de um ciclo, fechamento, partida. Maria Witzel Jordão partiu na manhã de 12 de setembro de 2021. Ela partiu numa chalana florida antecipando a primavera. 

Lá vai uma chalana, bem longe se vai / Navegando no remanso do Rio Paraguai / Ah, Chalana sem querer tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas vai levando o meu amor

Mariquinha cantava para nós. Ela nos apresentou seu repertório de Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Orlando Silva e outros. Dentre as canções mais recentes, a trilha sonora da novela Pantanal na antiga TV Manchete que nos encantava com belíssimas paisagens. Mariquinha nunca esteve no Pantanal, não colocou os pés no rio Paraguai e seus afluentes exceto nas viagens fabuladas a partir das imagens e a poética da trama.

Ah, Chalana sem querer tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas vai levando o meu amor

Naquela manhã de domingo a respiração estava ofegante, acelerada. Mariquinha já se despedia desde os últimos dias. Foi quando a neta mais velha segurou na mão dela e foi, devagar e delicadamente, falando algumas palavras que acalmaram o coração cansado. A respiração foi diminuindo, mais e mais, enfraqueceu, o coração entrou num ritmo mais lento, o semblante foi aliviando. A neta cantou para embalar a partida, vibrando nela uma melodia que, aos poucos, transformou a voz afinada e carinhosa da neta num coro de anjos e santos que a receberam no céu. Fim da agonia: a_Deus.

E assim ela se foi, nem de mim se despediu / A Chalana vai sumir na curva lá do rio...

Ah, Chalana sem querer tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas

Atenta à beleza do colorido na paisagem da cidade, Mariquinha nos ensinou um olhar contemplativo especialmente aos ‘ipês’. Imagino o caminho percorrido por ela nesta manhã de setembro: numa chalana navegando águas calmas de um rio estreito cujas margens emolduradas por imensos ipês que soltaram suas flores amarelas, brancas, roxas e rosas numa espécie de tapete florido, flores coloridas sobre as águas para passagem de nossa mãe Maria em sua viagem derradeira.

Ah, Chalana sem querer tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas vai levando meu amor

Mariquinha está no céu. Foi recebida por São João Batista e talvez esteja visitando parentes, as amigas do Círculo Bíblico e as baronesas, amigas da Escola Barão de Piracicaba. Feliz por reencontrar o Juca Jordão, seu Anastácio e a mãe Maria.

Chalana é uma canção de Mário Zan e Arlindo Pinto.

Ivan Rubens

Neto encantado.



para saber das origens da Chalana de Mario Zan, veja a reportagem.



publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 5 de outubro 2021

NÃO ao Marco Temporal

Leia o texto ouvindo a canção. Clique no link:



Quando os colonizadores chegaram, milhões de indígenas habitavam essas terras cobertas por florestas, rios, árvores, frutas, plantas, bichos, peixes e aves de todas as cores. E gente, gente diversa, distinta entre si e falando diferentes línguas, produzindo e reproduzindo suas culturas. Gente, muita gente. Segundo a FUNAI, mil povos indígenas diferentes, nações indígenas, milhões de pessoas. Exuberância de vida e beleza.

Jês, Kariris, Karajás, Tukanos, Caraíbas, Makus, Nambikwaras, Tupis, Bororós, Guaranis, Kaiowa, Ñandeva, YemiKruia, Yanomá, Waurá, Kamayurá, Iawalapiti, Suyá, Txikão, Txu-Karramãe, Xokren, Xikrin, Krahô, Ramkokamenkrá, Suyá / Curumim chama cunhatã que eu vou contar / Curumim, cunhatã / Cunhatã, curumim

Na canção Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar, um samba de 1981, Jorge Ben Jor nos provoca a pensar sobre o modo como os povos indígenas foram colocados em um único espaço, sem distinção, reduzidos a uma figura meio caricata. E a construção da unidade nacional: um país, um povo, um idioma. A passagem do diverso, do multi, do pluri para o único, o uno. Um ser humano universal para um Estado nação.

Antes que os homens aqui pisassem / Nas ricas e férteis terraes brazilis / Que eram povoadas e amadas por milhões de índios / Reais donos felizes / Da terra do pau-brasil / Pois todo dia, toda hora, era dia de índio / Mas agora eles só têm um dia / O dia 19 de abril

Pouco sabemos de nossas origens, de nossa ancestralidade, da potência desse encontro de raças que aconteceu aqui nestas terras, indígenas e negritudes, do Brasil original e do continente africano ancestral. Somos indígenas, até mesmo quem diz não ser. Nosso passado é indígena e, penso, indígenas são as possibilidades de futuro para a espécie humana neste planeta. Caso contrário, o fracasso ambiental se anuncia.

Amantes da pureza e da natureza / Eles são de verdade incapazes / De maltratarem as fêmeas / Ou de poluir o rio, o céu e o mar / Protegendo o equilíbrio ecológico / Da terra, fauna e flora / Pois na sua história, o índio / É o exemplo mais puro / Mais perfeito, mais belo / Junto da harmonia da fraternidade / E da alegria / Da alegria de viver / Da alegria de amar

Se ainda resta floresta na Amazônia, devemos AGRADECER aos povos indígenas que, em seu modo de vida, resistem ao modelo de desenvolvimento que destrói a natureza e devasta as formas de vida. Mais terras aos indígenas, esse é o caminho para a vida ser mais bela. Demarcação das Terras Indígenas já!

Mas no entanto agora / O seu canto de guerra / É um choro de uma raça inocente / Que já foi muito contente / Pois antigamente / Todo dia, toda hora, era dia de índio / Todo dia, toda hora, era dia de índio

Curumim é uma palavra de origem tupi: criança pequena; Cunhatã também do tupi: menina moça. Nascimento desse mundo novo: câmara e senado indígenas, supremo indígena, presidência indígena, ministério xamânico. Sonho com um Brasil mais indígena, aldeado e aquilombado, que canta, dança e batuca, mais colorido, mais bonito, alegre e mais vivo.

Indígenas são a terra.

Não ao marco temporal !!!

Ivan Rubens

Publicado no Jornal Cidade de 7 de setembro de 2021




Clique aqui para assistir uma versão com a Baby do Brasil cantando, com o filho Pedro Baby. Aqui a canção está como Dia de Índio.

Regressar é reunir dois lados

disponivel em áudio na bela narração de Greice Moraes


Leia o texto ouvindo a canção. Clique no link:




Essa frase parece esconder mas, na verdade, revela. As canções escritas por Aldir Blanc nos levam aos bairros e ruas do Rio de Janeiro, seus personagens em suas carioquices. Estou te convidando a pensar numa alegria tipicamente carioca, uma alegria que vem da paisagem de uma cidade que, não à toa, é conhecida como cidade maravilhosa. Uma cidade que, como tantas outras, tem suas contradições, desigualdades, durezas e injustiças. Tem uma beleza singular, uma alegria que se revela num cem número de blocos de carnaval, na praia, na Lapa, na favela, no Aterro, na Bossa, no Samba, no Choro, no Rap, no Charme, no Funk...


Regressar é reunir dois lados / À dor do dia de partir / Com seus fios enredados / Na alegria de sentir / Que a velha mágoa / É moça temporã / Seu belo noivo é o amanhã


Coração do Agreste, canção de Moacyr Luz e Aldir Blanc, conhecida na voz de Fafá de Belém para protagonista da novela Tieta do Agreste (1989-1990), não fala exatamente disso. Mas fala. Fala de uma ligação, de linhas rompidas, de fios enredados. Uma espécie de ligação (a)temporal. Fala de sentimentos adormecidos e que retornam, que emergem inesperadamente. A psicanalista Suely Rolnik diria das marcas subjetivas que vibram. Aldir talvez esteja falando de um tempo aión, compreendido como experiência, um tempo fora do tempo, alforriado da tirania de Chronos


Eu voltei pra juntar pedaços / De tanta coisa que passei / Da infância abriu-se o laço / Nas mãos do homem que eu amei / O anzol dessa paixão me machucou / Hoje sou peixe / E sou meu próprio pescador


Sinto que a força da escrita de Aldir Blanc vem da sua infância em Vila Isabel. Uma infância não como a parte inicial da sua vida mas compreendida como experiência. Uma infância viva nele independentemente da idade. 


Uma canção que se escuta muitas vezes produz efeitos no ouvinte. Ouvir Coração do Agreste é procurar por si mesmo, se encontrar num trecho e se perder noutro. Essa deriva dispara sentidos, sentidos outros, novos ou repetidos, retornando à canção vez por outra. E seguir compondo.


Rio, voltei no curso / Revi o meu percurso / Me perdi no leste / E a alma renasceu / Com flores de algodão / No coração do Agreste / Quando eu morava aqui / Olhava o mar azul / No afã de ir e vir


Rio pode ser a cidade do Rio de Janeiro, terra de Blanc e de Luz. Mas pode também ser um curso d’água qualquer, afluente de uma bacia qualquer. Uma vida em fluxo, uma deriva, movimento de germinar, brotar, desabrochar. Uma espécie de nascimento, um certo vir ao mundo como disse a filósofa Hannah Arendt. Tornar-se presença na emergência de uma obra. Esse ir e vir, esse movimento que só termina com a morte. Talvez nem com a morte porque ficamos vibrando, nascendo, gestando dentro daqueles que ficam, como Aldir fica em nós por meio de sua obra. A obra imortaliza seu criador.


Ah fiz de uma saudade / A felicidade / Pra voltar aqui


Ivan Rubens Dário Jr


publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 9 de agosto de 2021







eu e ela: viela

eu visitei um bairro residencial
ao lado de uma área industrial
que mal há?

lá havia uma vila
uma não, muitas
eu estava com ela

e lá a vi
e lá vinha ela
caminhando na viela

e eu vi
eu a vi
menina linda caminhando na viela

vi paredes sujas
vi gente do povo
imaginei cenas novas
novos cenários

pelas fotografias eu também vi
imagens que congelam cenas reais
de gente real
gente do povo que constrói lugares

maiores
menores
altares

nas imagens congeladas vi temperaturas
comidas quentes
temperos quentes

vi gente de trança
gente que transa
se lança 
entrelaça

e pinta com cores vivas
deixa marcas no muro
aquilo que era monocromático ganha nova cromatologia
gente que cria

vi grafites
grafiteiros
gente por inteiro colorindo a viela

lugares de passagem transformando-se em lugares de paragem
para conversas
para conquistas

meninos eu vi
meninas eu vi
dentre tantas, vi tranças
emoldurando sorrisos
derramando alegria
estimulando poesias

sim, eu vi
viela
com ela
vi ela
a vi
viva

Em mim a embarcação





Em mim a embarcação             (Rabicho Luís e Ivan Rubens)

Deu-me o tempo a paciência
Feita em mim a embarcação
Sobre o mar da existência
Vim remando da ilusão
De um tempo à deriva aprendi
Que o mar arrebenta e passa
E o leme é de quem resistir
Quando a solidão disfarça
Navegante eu sei que sou
E espero amansar a maré
Confiante que o amor
Ancore seguro onde a vida der pé
Quero uma nova emoção
Como se eu fosse um marujo aprendiz
E um novo amor embarcando
No meu coração na rota mais feliz
Com as marés sempre tranquilas
E os bons ventos a favor
Singrando sonhos e aventuras
Velejando sem temor
E o amor comandando a proa
E uma nova tripulação
Sem plano, sem hora
Com outras histórias
Viva em mim a embarcação


Pessoa e pessoas


Disponível no podiquesti Andarilhagens no spotify



O poeta Fernando Pessoa nasceu em Lisboa no ano de 1888. Foi educado numa escola católica irlandesa na África do Sul. Pessoa não era apenas uma pessoa, ele era muitas pessoas. Para escrever seus poemas ele ia além da criação de personagens. Imagine que Fernando Pessoa criava um outro Pessoa, e outro e outros, criava outros poetas. À medida que criava outro poeta, ele fazia-se outra pessoa. Pessoa fazia mais: ele criava heterônimos, ou seja, outro nome, outros autores, gente com nascimento, cultura, personalidade, singularidades, ele criava toda uma biografia e isso sustentava cada heterônimo. Assim, Fernando Pessoa diluiu a fronteira entre real e imaginário. Vejamos três heterônimos de Fernando Pessoa:

Ricardo Reis nasceu na cidade do Porto em 1887. Pessoa imaginou o poeta em 1913 quando sentia vontade de escrever poemas pagãos (Reis até falava palavrões). Estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente em 1919 e viveu no Brasil.

Álvaro de Campos nasceu na cidade de Tavira ou Lisboa em 13 ou 15 de outubro de 1890. É considerado o alter ego do criador Fernando Pessoa. Morreu no ano de 1935.

Alberto Caeiro é uma espécie de mestre ingênuo de Álvaro de Campos e de Ricardo Reis e também de Fernando Pessoa. Detalhe: Caeiro teve apenas instrução primária. Caeiro escreveu o poema Guardador de Rebanhos. Veja um trecho:

Sou um guardador de rebanhos. / O rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos são todos sensações. / Penso com os olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca. / Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Fernando Pessoa, ops… Alberto Caeiro define pensamento: pensamentos são sensações. E ele nos dá uma imagem: “pensar uma flor é vê-la e cheirá-la e comer um fruto é saber-lhe o sentido”. Ele sugere que pensar não é um ato apenas da cabeça, não é mecânico. Pensar é uma experiência de corpo inteiro. Caeiro pensa com os olhos, ouvidos, mãos e pés, nariz e boca. Pensar é, assim, movimentar todos os sentidos: visão e audição, tato, olfato e paladar. É saber-lhe o sentido, palavra que pode ser compreendida como direção ou como o passado do verbo sentir, o já sentido. Pensar é, disse minha mãe, puro movimento: “é feito uma dança”. Olha que imagem bonita ela nos deu: pensamento movimento. O poema continua:

Por isso quando num dia de calor / Me sinto triste de gozá-lo tanto, / E me deito ao comprido na erva, / E fecho os olhos quentes, / Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, / Sei a verdade e sou feliz.

Saber a verdade é estar ao sol, em contato com a terra. E tem um detalhe no mínimo curioso: ele fecha os olhos. E fechando os olhos o poeta nos convida a olhar para dentro. Mas olhar para dentro à procura da verdade? Sim, porque a verdade está fora, a verdade está no mundo real, mas a verdade também está dentro de cada um(a) de nós. Olhar atentamente para a realidade do mundo e para dentro do ser é buscar a verdade e ser felicidade.

Ivan Rubens Dário Jr

publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 12 de julho de 2021





EU MANGUE

EUGMAN, que prefiro chamar de EU MANGUE, é um estudo sobre o Mangue em Trancoso.

Depois de várias idas ao mangue em Trancoso/BA, vários estudos, músicas e conversas... experimentamos o mangue como gente, como peixes e como caranguejos. Preocupados com a tensão turismo x preservação, estudantes decidiram dizer alguma coisa para a cidade. E disseram... veja que belezura. Veja também o manifesto Caranguejos com cérebro, do movimento Mangue Beat.




disponível no canal da Associação Despertar Trancoso. https://www.youtube.com/channel/UC5CztHvUlJtmn4TEmKmihzw




Leia a seguir o manifesto "Caranguejos com cérebro", escrito em julho de 1992 pelo jornalista e músico pernambucano Fred Zero Quatro, fundador da banda Mundo Livre S/A.

 

Mangue, o conceito.

Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo. 

 

Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.

Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa, para os cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.

Manguetown, a cidade

A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade *maurícia* passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais.

Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de *progresso*, que elevou a cidade ao posto de *metrópole* do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.

Bastaram pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos setenta. Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da *metrópole* só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.

Mangue, a cena

Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.

Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.

Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.

Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown. 



Movimento breve

Movimento Breve (voz e violão Nuno Moraes)

ouça o texto na voz de Nuno Moraes

Dois amigos trocando ideias: “estou aqui com uma melodia na cabeça mas não tem palavra”, e envia um arquivo de áudio com solfejo e um cuidadoso dedilhado. São breves movimentos da mão direita acariciando cordas, e um bailado suave da mão esquerda no braço do violão. “O que você está pensando?”, pergunta o ouvinte, dedicado ouvinte. A resposta é direta: “se deixe levar pela música”.

O aprendiz de letrista passa a ouvir atentamente a melodia. Ela é delicada, doce e singela. Coloca a atenção no solfejo do amigo, esse sim, artista das melodias, dos graves e agudos, da arte de criar, dar ao mundo algo novo, de fazer cantar uma alegria imensa cujas raízes estão fincadas na terra da beleza. Não de qualquer beleza mas da estética das ruas, da estética mesma da vida comum. Essa beleza da casa, do dia a dia, da criança esperada, das relações comezinhas, da mesa de bar, das esquinas e encruzilhadas. E o aprendiz, aceitando o movimento breve da melodia, continua ouvindo. Ele sabe que não sabe fazer então, só há uma saída: inventar. Sim, inventar um jeito, nem melhor e nem pior, mas um jeito possível. Então, surgiram os primeiros versos:


QUANDO FOR PARTIR / LEVE NO OLHAR / LIVROS / DISCOS / UM QUADRO PRA LEMBRAR / DE ONDE VOCÊ VEM / FLOR ALFAZEMA. / PRA VOCÊ SORRIR / AO TE VER CHEGAR / FAÇO / CAFÉ. / VOU TE PERFUMAR / VASO DE ALECRIM / VIM PRO TEU POMAR.


Diante das sutilezas da melodia, o já feito precisa ser esquecido abrindo espaço para uma nova tentativa. Pode parecer estranho e é: esquecer o já feito para dar espaço ao ser feito. E tudo começa novamente: escuta, escuta, escuta...

A temperatura começa a subir, a tensão aumenta e a dúvida aparece. Seria capaz de fazer? Olha para a palavra ‘composição’ e pensa: tem ‘posição’, tem ‘si’ e tem ‘com’. Tem ‘posição’ ‘com’. A palavra composição sugere uma espécie de posição que se assume não por um mero desejo individual mas que se assume na tensão do encontro com a diferença. Composição deriva do verbo compor. Escrever é verbo, escrever é uma ação. É o ato de pôr palavra com palavra, palavras na melodia. A deriva meio tresloucada reforça a presença de uma pessoa que sempre esteve ali na imaginação, uma pessoa querida que aparece em cenários. São paisagens que aparecem e desaparecem. São paisagens que aparecem apenas para quem está criando e, escrevendo, elas podem ser reais também na imaginação que for tocada pela canção. 


NO TEU MOVIMENTO BREVE / SOPRA UM VENTO / LEVE NAS PEGADAS / QUE A ONDA APAGA / CRIANÇA NA AREIA / VIRANDO SEREIA / VIDA NA BEIRA DO MAR


Neste caso, é escrever aquilo que não se sabe. É uma espécie de vida que, rompendo a casca do ovo, nasce e vai para o mundo.


QUANDO ENTARDECER / HORA DE VOLTAR / O HOMEM QUE TE AMA / ESTARÁ / ESPERANDO POR VOCÊ LÁ / SORRINDO POR TE VER / NO AVARANDAR. / CHORO DE CRIANÇA / UM RAIO DE IANSÃ / LIVROS NA CADEIRA / CHUVA NA ROSEIRA / FRESTA DA JANELA / LUNA CASA DELA / VIDA QUER ME NAMORAR.


Movimento breve é uma canção de Nuno Moraes e Ivan Rubens.


publicado no Jornal Cidade de Rio Claro dia 15 junho 2021

Movimento breve





MOVIMENTO BREVE
(Nuno Moraes e Ivan Rubens)

QUANDO FOR PARTIR
LEVE NO OLHAR
LIVROS
DISCOS
QUADRO PRA LEMBRAR
DE ONDE VOCÊ VEM
FLOR AL_FA_ZE_MA

PRA VOCÊ SORRIR
AO TE VER CHEGAR
FAÇO
CAFÉ.
VOU TE PERFUMAR
VASO DE ALECRIM
VIM PRO TEU POMAR

NO TEU MOVIMENTO BREVE
SOPRA UM VENTO
LEVE NAS PEGADAS
QUE A ONDA APAGA
CRIANÇA NA AREIA
VIRANDO SEREIA
VIDA NA BEIRA DO MAR

QUANDO ENTARDECER
HORA DE VOLTAR
O HOMEM QUE TE AMA
ESTARÁ
ESPERANDO POR VOCÊ
SORRINDO POR TE VER LÁ
NO AVA_RAN_DAR

CHORO DE CRIANÇA
UM RAIO DE IANSÃ
LIVROS NA CADEIRA
CHUVA NA ROSEIRA
FRESTA DA JANELA
LUNA CASA DELA
VIDA QUER ME NAMORAR

A música Yanomami



A gente ouve muita coisa... O tempo todo tem sons, tem palavras, barulhos e até melodias atingindo nossos ouvidos. Tem também ruído: uma televisão ligada, um rádio, um fone de ouvido em volume altíssimo ou mesmo um celular barulhento e sem o fone de ouvido. Então você está distraído e é atingido pelo ruído de um áudio no zap que agride seus ouvidos e você nem imagina de onde vem. Quero aqui marcar uma distinção didática: estou chamando de ruído uma certa poluição sonora, um determinado som que nos atinge mas não significa nada; vou chamar de música aquele som que interessa, que pede nossa atenção, que mexe, aquele som que convida, convoca uma escuta atenta.

No dicionário etimológico, música vem do grego mousikḗ, associado a moûsa, em referência às personagens femininas da mitologia grega. As musas eram habilidosas em criar belos sons. Para os gregos a música era uma téchne, uma técnica não focada na razão ou logos, mas sim numa manifestação de entendimento. Esta atividade artística era entendida como uma mousiké téchne, que posteriormente ficou conhecida como "ars musica" na civilização romana.


Pesquisas arqueológicas encontraram flautas e outros instrumentos fabricados de osso ou madeira que se remetem há 40.000 anos. Apesar disso, a música como manifestação cultural teve início na Grécia Antiga mais ou menos como a conhecemos hoje. Assim, quando as palavras não podem transmitir todas as ideias, a expressão musical procura comunicar aquilo que não cabe dentro da palavra. Bonito, não?

Aqui no nosso texto, em oposição à música está o ruído. Um exemplo de ruído que atinge nossos ouvidos está dentro da palavra negacionismo. Mas o que significa negacionismo? No Aurélio, dicionário da língua portuguesa, negação significa ato de negar, falta de vocação, falta de aptidão, ausência. Significa também rejeição, recusa. Para a filósofa brasileira Marilena Chauí, significa ‘mentira!’. Explico: imagine que você vai comer aquela bolacha recheada mas não sabe qual é o recheio que ela tem. Então você abre a bolacha para ver o recheio que está dentro. Olha, cheira e conclui que o recheio é morango. A exemplo da bolacha, dentro da palavra também tem uma espécie de recheio. O ‘recheio’ da palavra é o sentido que ela carrega. Mas o sentido das palavras varia de acordo com o pensamento de quem fala ou escreve. 


Quando a professora Marilena Chauí abre a bolacha (ops), abre a palavra ‘negacionismo’ ela encontra um recheio ruim que ela dá o nome de ‘mentira’, ou seja, a capacidade de mudar os fatos. Ela também encontra ‘cinismo’. Cinismo é a recusa da distinção entre a verdade e a mentira. Para o filósofo Adorno, ‘cinismo’ é tornar irrelevante a distinção entre verdade e mentira. Dizer que os indígenas são os responsáveis pelo desmatamento da amazônica é de um cinismo brutal. Isso é mentira!



Já as palavras Yanomami, para dizer um povo indígena, tocam nossos ouvidos como a música mais bela.



Ivan Rubens

professor


publicado no Jornal Cidade em 18 de maio de 2021