Pessoa e pessoas


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O poeta Fernando Pessoa nasceu em Lisboa no ano de 1888. Foi educado numa escola católica irlandesa na África do Sul. Pessoa não era apenas uma pessoa, ele era muitas pessoas. Para escrever seus poemas ele ia além da criação de personagens. Imagine que Fernando Pessoa criava um outro Pessoa, e outro e outros, criava outros poetas. À medida que criava outro poeta, ele fazia-se outra pessoa. Pessoa fazia mais: ele criava heterônimos, ou seja, outro nome, outros autores, gente com nascimento, cultura, personalidade, singularidades, ele criava toda uma biografia e isso sustentava cada heterônimo. Assim, Fernando Pessoa diluiu a fronteira entre real e imaginário. Vejamos três heterônimos de Fernando Pessoa:

Ricardo Reis nasceu na cidade do Porto em 1887. Pessoa imaginou o poeta em 1913 quando sentia vontade de escrever poemas pagãos (Reis até falava palavrões). Estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente em 1919 e viveu no Brasil.

Álvaro de Campos nasceu na cidade de Tavira ou Lisboa em 13 ou 15 de outubro de 1890. É considerado o alter ego do criador Fernando Pessoa. Morreu no ano de 1935.

Alberto Caeiro é uma espécie de mestre ingênuo de Álvaro de Campos e de Ricardo Reis e também de Fernando Pessoa. Detalhe: Caeiro teve apenas instrução primária. Caeiro escreveu o poema Guardador de Rebanhos. Veja um trecho:

Sou um guardador de rebanhos. / O rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos são todos sensações. / Penso com os olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca. / Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Fernando Pessoa, ops… Alberto Caeiro define pensamento: pensamentos são sensações. E ele nos dá uma imagem: “pensar uma flor é vê-la e cheirá-la e comer um fruto é saber-lhe o sentido”. Ele sugere que pensar não é um ato apenas da cabeça, não é mecânico. Pensar é uma experiência de corpo inteiro. Caeiro pensa com os olhos, ouvidos, mãos e pés, nariz e boca. Pensar é, assim, movimentar todos os sentidos: visão e audição, tato, olfato e paladar. É saber-lhe o sentido, palavra que pode ser compreendida como direção ou como o passado do verbo sentir, o já sentido. Pensar é, disse minha mãe, puro movimento: “é feito uma dança”. Olha que imagem bonita ela nos deu: pensamento movimento. O poema continua:

Por isso quando num dia de calor / Me sinto triste de gozá-lo tanto, / E me deito ao comprido na erva, / E fecho os olhos quentes, / Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, / Sei a verdade e sou feliz.

Saber a verdade é estar ao sol, em contato com a terra. E tem um detalhe no mínimo curioso: ele fecha os olhos. E fechando os olhos o poeta nos convida a olhar para dentro. Mas olhar para dentro à procura da verdade? Sim, porque a verdade está fora, a verdade está no mundo real, mas a verdade também está dentro de cada um(a) de nós. Olhar atentamente para a realidade do mundo e para dentro do ser é buscar a verdade e ser felicidade.

Ivan Rubens Dário Jr

publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 12 de julho de 2021





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