Existem mundos no mundo! essa ideia está no pensamento indígena, quilombola, na filosofia e na arte. Caetano Veloso diz que os livros "podem lançar mundos no mundo". Você pode estar pensando que é  'viagem'. Viajar é bom demais. A viagem, os encontros com lugares, com pessoas, com modos de vida. Seria uma monotonia insuportável se fosse tudo idêntico.
Escrevo este texto contornando a ilha de Marajó. Parti de Belém do Pará às 16h da sexta feira para chegar a Macapá/Amapá 18h do sábado. Contornamos o arquipélago constituído dos sedimentos carreados pelo Amazonas desde suas nascentes mais distantes na Cordilheira dos Andes. Então temos o mundo e, dentro dele, tantos mundos. Belém é um mundo, Macapá é um mundo, em alguma medida um mundo urbano assim como Rio Claro. O arquipélago do Marajó é um mundo, o rio Amazonas é um mundo que a travessia Belém - Macapá vai nos revelando aos poucos.
A última vez que vi asfalto foi nas ruas do porto em Belém. Agora só vejo água. E as pessoas circulam pela água: são canoas e rabetas fazendo pequenos percursos, barcos pequenos e médios circulando. Estou num barco grandes que navega trajetos mais longos. E navios imensos que provavelmente atravessam o oceano Atlântico. O asfalto inerte faz piso para o trânsito. Na água, a vida transita sobre, a vida circula dentro, a vida habita as margens. A paisagem é exuberante, muita árvore, muito açaí, muita ave, muito peixe etc... Muita riqueza.
Taí outro mundo: aquele que imagino olhando do navio. Aqui na minha cabeça vou criando um mundo com a imaginação. É um jeito de viver a alegria infantil de imaginar e criar mundos. Minha infância está vivíssima aqui; Essa natureza e essa cultura, essas paisagens fecundam infância com tamanha intensidade que escrevo. Escrever é um jeito de lidar, um jeito de elaborar essa infância criadora de mundos que nos habita. Criançar é um jeito de viajar.
Dentro do navio é outro mundo. O navio carrega material de construção, carros, uma frota de 5 Unidades de Resgate novas para o Corpo de Bombeiros, comidas, sacarias, caixas e mais caixas de laranja, de tomate, de goiaba etc. Trata-se de um navio de carga e passageiros. Quanto às pessoas, parte delas trabalha no navio, parte delas estão nas redes sentindo o vento que sopra (é o meu caso), parte delas fica no andar climatizado. Parte fica no bar bebendo e ouvindo música alta. "Cuidado com o metanol", grita um homem ao amigo que abre uma lata de cerveja. São 9h50.
Nas águas tem criança remando canoa, meninos e meninas, mulheres remando canoas, tem casas na beira dos rios entre açaizais, árvores inclusive frutíferas. Não vejo supermercado, shopping center, não vejo as farmácias que tomaram as esquinas das cidades, não vejo pressa. Aqui o tempo é do rio: cerca de 26 horas da Belém a Macapá. Para passar o tempo, tecnologias: tem gente que conversa, tem gente que lê livro, tem criança brincando com a boneca, criança e mãe brincando na rede. E tem gente que compra um pacote de dados no navio para acessar a internet. São Mundos... mundos no mundo.
Ivan Rubens
Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro de 28 de outubro de 2025.
 
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