Vieste

uma experiência bacana: leia o texto ouvindo a canção                  
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Sabe quando você pensa num assunto meio nebuloso, meio sem clareza, meio sem saber com alguma precisão do que é que você está pensando? pois é… E é meio assim mesmo porque o pensamento pode começar como uma massa disforme que, com o tempo, pode ser esculpido. É como uma argila bruta que vai ganhando uma forma de vaso, de cerâmica, de escultura, de artesanato. Uma porção de argila bruta que vai se transformando em obra de arte por força do trabalho de mãos humanas, de esforço humano, do trabalho que é ao mesmo tempo manual e criativo. São as mãos e a cabeça, as mãos e o coração, as mãos movidas por uma força que vem de dentro, do sentimento e das emoções, da alma ou do espírito, do trabalho humano.


Estava ali um pensamento disforme, um embolado na cabeça, um pensamento que voltava. Daqueles que você se pega pensando naquilo sem perceber que era naquilo que você estava pensando. Estava ali um sentimento disforme, um embolado no peito, um sentimento que voltava. Daqueles que você se pega sentindo aquilo sem perceber que era aquilo que você estava sentindo. Não se dispunha das palavras para nomear. Até que uma canção trouxe as primeiras palavras, foi uma canção que trouxe linguagem e, com linguagem, a argila bruta foi se transformando em uma obra concreta, um embolado no peito foi ganhando palavras da cabeça para os dedos que marcam uma folha de papel. A canção diz assim: 


Vieste na hora exata / Com ares de festa e luas de prata / Vieste com encantos, vieste / Com beijos silvestres colhidos pra mim / Vieste com a natureza / Com as mãos camponesas plantadas em mim / Vieste com a cara e a coragem / Com malas, viagens pra dentro de mim / Meu amor


Podemos pensar que alguém chegou, chegou chegando pra valer. Chegou trazendo festa, encantos, beijos silvestres, chegou com a natureza, com mãos camponesas plantadas em mim.

Vieste, a hora e a tempo / Soltando meus barcos e velas ao vento / Vieste, me dando alento / Me olhando por dentro, velando por mim / Vieste de olhos fechados / Num dia marcado, sagrado pra mim / Vieste com a cara e a coragem / Com malas, viagens pra dentro de mim / Meu amor

Chegou promovendo derivas, tirando do lugar seguro e lançando numa extraordinária aventura de vidas, vindas e vivas. Deriva feito barcos com as velas ao vento. Você chegou definitivamente, velando, olhando. Chegou tocando com sua doce voz baixa suave, de poucas palavras, de fala melodiosa e chiado sotaque amapaense. Mas quero chamar a atenção para a parte mais forte da canção que, não à toa, se repete:

Vieste com a cara e a coragem / Com malas, viagens pra dentro de mim / Meu amor

Mas, e se a chegada não for necessariamente de uma pessoa mas de um sentimento? A chegada de uma pessoa pode trazer um sentimento, neste caso tudo está colocado numa pessoa, está personificado. É o triunfo do sujeito. Contudo, dessubjetivada a canção fica mais bonita: um sentimento chegou. Quem chegou foi o amor. Amor como força viva que toca a gente, amor como noite fria na cama quente. Vieste viagens pra dentro de mim, chegou, ficou. Está.

Vieste é uma canção de Ivan Lins e Vitor Martins.

Ivan Rubens








Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 24 de dezembro de 2024

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