Movimento Breve (voz e violão Nuno Moraes)
ouça o texto na voz de Nuno Moraes
Dois amigos trocando ideias: “estou aqui com uma melodia na cabeça mas não tem palavra”, e envia um arquivo de áudio com solfejo e um cuidadoso dedilhado. São breves movimentos da mão direita acariciando cordas, e um bailado suave da mão esquerda no braço do violão. “O que você está pensando?”, pergunta o ouvinte, dedicado ouvinte. A resposta é direta: “se deixe levar pela música”.
O aprendiz de letrista passa a ouvir atentamente a melodia. Ela é delicada, doce e singela. Coloca a atenção no solfejo do amigo, esse sim, artista das melodias, dos graves e agudos, da arte de criar, dar ao mundo algo novo, de fazer cantar uma alegria imensa cujas raízes estão fincadas na terra da beleza. Não de qualquer beleza mas da estética das ruas, da estética mesma da vida comum. Essa beleza da casa, do dia a dia, da criança esperada, das relações comezinhas, da mesa de bar, das esquinas e encruzilhadas. E o aprendiz, aceitando o movimento breve da melodia, continua ouvindo. Ele sabe que não sabe fazer então, só há uma saída: inventar. Sim, inventar um jeito, nem melhor e nem pior, mas um jeito possível. Então, surgiram os primeiros versos:
QUANDO FOR PARTIR / LEVE NO OLHAR / LIVROS / DISCOS / UM QUADRO PRA LEMBRAR / DE ONDE VOCÊ VEM / FLOR ALFAZEMA. / PRA VOCÊ SORRIR / AO TE VER CHEGAR / FAÇO / CAFÉ. / VOU TE PERFUMAR / VASO DE ALECRIM / VIM PRO TEU POMAR.
Diante das sutilezas da melodia, o já feito precisa ser esquecido abrindo espaço para uma nova tentativa. Pode parecer estranho e é: esquecer o já feito para dar espaço ao ser feito. E tudo começa novamente: escuta, escuta, escuta...
A temperatura começa a subir, a tensão aumenta e a dúvida aparece. Seria capaz de fazer? Olha para a palavra ‘composição’ e pensa: tem ‘posição’, tem ‘si’ e tem ‘com’. Tem ‘posição’ ‘com’. A palavra composição sugere uma espécie de posição que se assume não por um mero desejo individual mas que se assume na tensão do encontro com a diferença. Composição deriva do verbo compor. Escrever é verbo, escrever é uma ação. É o ato de pôr palavra com palavra, palavras na melodia. A deriva meio tresloucada reforça a presença de uma pessoa que sempre esteve ali na imaginação, uma pessoa querida que aparece em cenários. São paisagens que aparecem e desaparecem. São paisagens que aparecem apenas para quem está criando e, escrevendo, elas podem ser reais também na imaginação que for tocada pela canção.
NO TEU MOVIMENTO BREVE / SOPRA UM VENTO / LEVE NAS PEGADAS / QUE A ONDA APAGA / CRIANÇA NA AREIA / VIRANDO SEREIA / VIDA NA BEIRA DO MAR
Neste caso, é escrever aquilo que não se sabe. É uma espécie de vida que, rompendo a casca do ovo, nasce e vai para o mundo.
QUANDO ENTARDECER / HORA DE VOLTAR / O HOMEM QUE TE AMA / ESTARÁ / ESPERANDO POR VOCÊ LÁ / SORRINDO POR TE VER / NO AVARANDAR. / CHORO DE CRIANÇA / UM RAIO DE IANSÃ / LIVROS NA CADEIRA / CHUVA NA ROSEIRA / FRESTA DA JANELA / LUNA CASA DELA / VIDA QUER ME NAMORAR.
Movimento breve é uma canção de Nuno Moraes e Ivan Rubens.
Adorei o relato. A música é linda.
ResponderExcluiruma amiga chamou de 'poética dos bastidores'. gostei.
ExcluirSerendipidade: o acaso da melodia com a letra.
ResponderExcluirOs versos, os entremeios da criação poética, tudo se entrelaça. Vida e imaginação tecem a canção.
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