A infância do amor: os 90 anos de Maria Witzel Jordão

Dia desses uma vibração no meu celular causou uma certa vibração em mim. Isso mesmo: a chegada de uma mensagem me causou terremotos. Uma infância se fez em mim. Passei a brincar com o tempo como aquela criança que, brincando, parece habitar um mundo à parte, um mundo sem o tempo marcado pelo relógio, um mundo fantástico de fabulações e fantasias. Como se o relógio parasse e existisse no mundo apenas a criança, seus brinquedos e sua imaginação. Como disse o filósofo pré-socrático Heráclito de Eféso (535 – 475 dC), uma criança criançando.

No meu celular chegou uma imagem que não era uma fotografia qualquer: Maria Witzel Jordão e Aurora de Carvalho Bartiromo frente a frente. Olhares se atravessando e entre elas 90 anos. Presentes  tataravó e a recém nascida. Algumas perguntas me ocorreram na mesma velocidade em que meus olhos curiosos percorriam a imagem: o que minha avó estaria pensando? Mais do que isso, o que diria Mariquinha para a recém nascida Aurora? Me ocupei um pouco desta questão quando outra pergunta me ocorreu: o que dizer para uma mulher às vésperas de completar 90 anos de idade? Poderia encher de vãs palavras muitas páginas... mas, voltemos à fotografia.

Estava ali registrado: duas vidas, 90 anos e muitas vidas. Nos braços de Mariquinha estava Aurora, sua segunda tataraneta. Mariquinha lançava para Aurora um olhar enigmático, alegre e carinhoso. Um olhar emoldurado por um sorriso monalítico, um quase ri comunicativo. Como se dizendo alguma coisa com seu olhar penetrante e doce, forte e meigo. Basta pensar um pouco para surgir uma lista extensa de temas, de assuntos, de conselhos, de recomendações que os olhos da tataravó poderiam sugerir para a tataraneta. Palavras, frases, afirmações que, certamente, tornariam a caminhada da pequena mais leve, mais suave, mais tranquila. Mas quais seriam exatamente as palavras cuidadosamente escolhidas para compor esta frase? Fiquei pensando se uma única palavra resumiria esse diálogo silencioso, mudo de palavras e inesgotável em conteúdo, em sabedoria de vida.

Tentei saber da Mariquinha o que ela diria para Aurora. Ela me disse que seu neto Francisco, agora avô pela primeira vez, conversa com a pequenina. Que ela ouviu o infante marujo dizendo: você é linda, você é muito querida aqui, você é muito amada, e coisas desse tipo. Num primeiro momento pensei que ela esquivara da minha pergunta mas, logo percebi a grandeza de sua resposta. Francisco experimenta uma infância em ser avô e constitui uma linguagem entre ele e Aurora; eu experimento uma infância ao olhar aquela linda fotografia e tentar uma linguagem para a festa que se produz em mim; Aurora tem diante de si um mundo imenso de afecções que, neste momento é experimentado à flor da pele em frios, calores, umidades... já podem estar chegando os primeiros cheiros, as cores, os sons como aquele percebido na voz doce do avô. Daqui algum tempo chegarão as palavras, as frases, e com a linguagem também chegarão os primeiros entendimentos. Porque entender vem depois de sentir.

Aurora, sua segunda tataraneta, aquela que é como o nascer do sol, instaura em nossas vidas uma nova vida. E nós, descendentes da Mariquinha e seu amor por Juca Jordão que vive em nossos corações, 2 filhas, 3 netas e 2 netos, 4 bisnetas e 3 bisnetos, 2 tataranetas, que desde os primeiros raios de sol de nossas vidas recebemos todo amor da Mariquinha queremos, neste dia que remontam 90 anos, dizer de todo nosso sentimento por ela em apenas uma única palavra: AMOR!

publicado no jornal Diário de Rio Claro em 01 de julo de 2018

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