Os temperos da vida de Maria Witzel e Juca Jordão

Ivan Rubens Dário Jr[1]

De todo o amor que eu tenho
Metade foi tu que me deu
Salvando minh'alma da vida
Sorrindo e fazendo o meu eu[2]


            Algumas perguntas movem homens e mulheres desde o tempo em que a espécie humana tomou consciência da sua existência neste minúsculo ponto azul na imensidão do universo. No meu caso, desde o momento que tomei consciência da minha existência, nessa cidade azul, a imagem refletida no espelho insiste: de onde viemos?
            Na tentativa de uma, dentre tantas respostas possíveis, as histórias aqui apresentadas talvez não guardem toda a veracidade, o rigor nas datas, os lugares e contextos. Os personagens talvez não sejam tão reais, e nem tão fictícios. Talvez nem sejam “personagens”, no sentido da história tradicional. Mas uma coisa é certa: prefiro essas narrativas contadas assim, com a precisão e o rigor da repetição e da recontagem desde a infância, a adolescência e a juventude de toda uma família genuinamente rio-clarense como insiste o Juca, nosso personagem em foco. E saiba o leitor que, ao longo de tanto tempo, os ajustes foram melhorando as histórias, a cada nova versão. Vô Juca foi burilando cuidadosamente as histórias e lhes garantia sempre uma pontinha a mais de graça, provocando riso e alegria nas gerações de descendentes que ele e a Mariquinha foram aglutinando. Assim crescemos, ouvindo histórias e recebendo carinho de duas pessoas encantadoras, que dedicaram a maior parte da vida às nossas vidas, nos preparando e nos ajudando a interagir com o mundo, na cidade de Rio Claro, SP. Duas pessoas maravilhosas, se cabe assim sintetizar.
            Escolhi para este texto a prosa e o verso, e não poderia ser diferente. Cresci ao som das serestas e cantorias, ao sabor do café com leite e outras delícias envolvidas na história de nosso viver coletivo rioclarense. Vivi no cerne do afeto junto a essas histórias.
            Vejo no Juca Jordão algo que está na inspiração do filme estadunidense Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas[3]. Quando jovem, o protagonista saiu em viagem de volta ao mundo e durante toda sua vida contou as histórias mesclando realidade com fantasia. Eu nunca desconfiei das histórias do Juca. Pelo contrário. Aprendi com ele a ajeitar uns trechos para melhorar as histórias adaptando-as aos sonhos e fantasias. O estilo que aqui se tece deve algo, portanto, exatamente ao jeito de Juca Jordão tecer a vida e sua narrativa.
            E na Mariquinha vejo a inspiração do filme grego de 2003 O Tempero da Vida, de Tassos Boulmetis. O personagem Vassilis é um filósofo culinário que ensina ao neto Fanis que tanto a comida quanto a vida precisam de um pouco de tempero para ter sabor. Com essa influência, o neto Fanis se torna astrofísico e usa seus dotes de culinária para temperar as vidas das pessoas que o cercam. Em nossa casa, Juca escolhe ingredientes com cuidado, e Mariquinha os prepara adicionando seus melhores sentimentos. Resulta disso uma vida com sabor, que um arquivamento objetivo não poderia contemplar.
            Como registro de nosso repertório musical, estão antigas canções, pois Juca é gaiteiro dos bons. Tocou na Orquestra de Gaitas de Rio Claro[4] ainda menino. Tocou também no Rapaziada do Morro - Quarteto Aparecida[5]. Mais tarde, no Trio Continental de Gaitas[6] em meados de 1950 e, por fim, nos Anjos da Gaita[7], acompanhou a turnê de Nelson Gonçalves pelo interior do estado de São Paulo. Na década de 1950, visitou no Rio de Janeiro Raul Brunini e Lúcia Helena, rioclarenses que eram locutores da Rádio Nacional e acabou fazendo amizadecom Orlando Silva, Francisco Alves, Ivon Cury, com quem conheceu a boemia carioca. Acompanhou Luis Vieira na Rádio Tupy, e a amizade redeu-lhe o apelido de Caracú, em referência à cervejaria instalada em Rio Claro. Nesse contexto de cantos, recebeu em casa Sérgio Reis, com quem tocou o Menino da Porteira em comemoração ao aniversário da vizinha, Clarisse Xavier de Camargo. Como gaiteiro esteve ainda com Roberto Carlos na casa de Floriza Stein. Em 1987 os Anjos da Gaita apresentaram-se na TV Bandeirantes com Fausto Silva no programa Safenados e Safadinhos. E suas proezas de músico não param por aí. Tocando uma gaitinha miniatura de apenas quatro furos, solando e acompanhando Cidade Maravilhosa e outras canções, Juca venceu um concurso de avós talentosos na TV Record[8].
            Juca também toca violão. Agora, o mais legal é quando ele resolve tocar os dois instrumentos ao mesmo tempo. Sob os raios do luar, Juca e seus amigos cantavam e encantavam a cidade de Rio Claro em serenatas. Saíam da escola e passavam pelas casas, instrumentos às mãos e belas canções. Janelas abertas e o convite para um café. Alguns faziam coro, os mais empolgados deixavam a casa e seguiam o grupo cantarolando noite adentro. Uma flor colocada perto da janela encerrava a apresentação. Vez ou outra, os boêmios eram recebidos com um banho de água fria como forma de protesto. Cantavam: Lábios que eu beijei (1937) de J. Cascata e Leonel Azevedo, Velho Realejo (1940) de Custódio Mesquita e Sadi Cabral, Quero-te cada vez mais (1937) de João de Freitas e Zeca Ivo, Ave Maria (início do século XX) Erothides de Campos, Adeus (cinco letras que choram - 1947) de Silvino Neto, dentre outras.
            Na década de 1970, Juca e Mariquinha atuaram no Movimento Católico dos Cursilhos de Cristandade e aproveitavam a vocação artística para ajudar cursilhistas a descobrir e realizar a vocação pessoal, na criação de núcleos de base, cantando De colores de Paulo Roberto, O rio de Piracicaba de Tonico e Tinoco, Como é grande o meu amor por você de Roberto Carlos e outras.
            Em nossa casa e no rancho de pescaria da Cachoeira de Emas[9], fazíamos muita cantoria, encantados com as peripécias dele e a voz suave e afinada da sua Mariquinha. No repertório, Luar do sertão provavelmente de Catuto da Paixão Cearense e João Pernambuco, Naquela Mesa (1970) e Modinha (olho a rosa na janela - 1968) de Sérgio Bittencourt, O ébrio (1936) de Vicente Celestino, Cavaleiro do Céu (Riders in the sky de Stan Jones, versão de Haroldo Barbosa), Chalana de Mario Zan e Arlindo Pinto, Chuá, chuá de Pedro Sá Pereira e Ary Pavão e outras tantas canções. Pelos olhares e gestos, imagino que ele tenha cantado para ela diversas vezes, desde a juventude, a canção Rosa, de Pixinguinha e Otávio de Souza. As crianças, por sua vez, gostavam das canções engraçadas, como Romance de uma caveira de Alvarenga, Ranchinho e Flavio Salles, ou Superstição, de Nhô Mário e Nhô Luiz.
Eram duas caveiras que se amavam
E à meia-noite se encontravam
Pelo cemitério os dois passeavam
E juras de amor então trocavam (...)
Superstição
Pra curar soluço escuta aqui seu moço
Pega uma meia velha e enrola no pescoço (...)
Se você quer pegar peixe, peixe bom e dos maior
Você dá uma cuspida bem na ponta do anzol (...)

Juca, filho de Zezinho Ferreira que tirava cisco dos olhos na vila Aparecida
            Não pude observar a mudança de lua cheia para minguante naquela 6ª feira, nem os astros poderiam supor a minha existência, mas naquele dia dois de julho de 1926, tenho certeza que Rio Claro amanheceu mais alegre: até hoje Juca é um grande contador de piadas e anedotas, sua presença transforma o ambiente em riso. Com ajuda da parteira, José Rodrigues Jordão Filho nasceu na rua 1-A entre avenidas 24 e 26, onde passou toda sua infância e juventude. Completa 85 anos em 2011. É fruto da união de José Rodrigues Jordão e Anna Torres Santiago, que se casaram em 16 de junho de 1916.
            O pai de Juca era conhecido como Zezinho Ferreira que tirava cisco dos olhos, arrancava “cavaco de ferro” que se desprendia no uso de torno mecânico e da esmerilhadeira, que fazia buchinha da índia para curar sinusite: era uma espécie de curandeiro. O Juca conta que em sua casa tinha raiz de bico de corvo[10], amburana[11], açafrão[12], aspirina[13], cravo[14], tudo curtido na pinga: um “santo remédio”. Tinha gente que para ficar bom, tomava uma pouco de cada. Natural de Dois Córregos, em 2 de março de 1893, e falecido em 4 de novembro de 1979, com 86 anos, seu pai, Zezinho, foi ferroviário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Já o avô do Juca, Abílio Rodrigues Jordão, nasceu em Porto Ferreira aos 17 de novembro de 1898 e faleceu em cinco de maio de 1975.
            Zezinho Ferreira foi um dos pioneiros na construção da Igreja da Aparecida junto com seu Franucho (pai do Otacílio) e outro amigo. Como a memória sempre é falha, tiveram a sabedoria de colocar esses nomes escritos numa folha de papel, dentro de uma garrafa, que está enterrada no pátio da igreja. Quando menino, Juca foi coroinha, tirava as lágrimas das velas e acumulava a tarefa de tocar o sino da igreja.
            Como de costume naquela época, a família de Zezinho e Anna era numerosa. Foram dez filhos, nesta ordem: Mauro, Celina, Aparecida, Adelino, Juca, Miguel, Luiz (falecido aos 6 anos), Doroti, Darcy e Maria Célia. Não cheguei a conhecer o tio Mauro Rodrigues Jordão, mas sempre olhei para a foto dele na galeria dos prefeitos de Rio Claro. Ele chefiou o Poder Executivo Municipal durante um período, em 1947.
            Juca Jordão cursou o antigo primário no Grupo Escolar Irineu Penteado, foi para a Escola de Contabilidade Artur Bilac e depois foi aluno fundador do colégio Alem. Formou-se guarda livros, contador, professor primário, pedagogo, orientador e diretor de escola, advogado e cientista social.
            A partir dessa múltipla formação, seus trabalhos e engajamentos com a cidade também foram diversificados. Foi comissário de menores e subdelegado de polícia. Trabalhou na S.A. Central Elétrica de Rio Claro, lecionou Educação moral e cívica e Estudo dos problemas brasileiros. Ingressou no serviço público estadual em 1955 e no magistério em 1964.
            Com o vigor de homem público ativo, Juca foi vereador na Câmara Municipal de Rio Claro, por três legislaturas, portanto durante doze anos, até o limiar do golpe militar de 1964. Sua atuação parlamentar foi popular. Já naquela época, andava pelos bairros no diálogo direto com a população, sempre ao lado do também edil Antonio Fabris. Seus conhecimentos em contabilidade permitia um acompanhamento rigoroso das contas públicas. Aposentou-se da advocacia em 1978, e do magistério em 1989 e 1996. É associado da União dos Ferroviários Aposentados onde em conversas diárias formulam solução para problemas da cidade e para todos os problemas do mundo.

Mariquinha, a filha de Anastácio
            Conta-se que na primeira noite de julho de 1928, em reverência à chegada de Maria Witzel, a natureza transformou a lua crescente em lua cheia. Sua chegada preencheu aquele domingo e muitos dias mais. O pai Anastácio Vitzel nasceu em 2 de fevereiro de 1895, filho de João e Gervina. A mãe era Maria Donato, nascida em 9 de janeiro de 1900, filha de italiano e alemã. Anastário e Maria são naturais de Rio Claro.
            Mariquinha cursou o antigo primário no Grupo Escolar Irineu Penteado, o ginasial na Escola Normal Puríssimo Coração de Maria e o curso Normal no Instituto de Educação Joaquim Ribeiro. Trabalhou como professora primária e exerceu a função de auxiliar de direção de escola por longo período. Aposentou-se em dezembro de 1980.
            Como se sabe, os ambientes fazem parte da organização da memória. Mariquinha sempre morou próximo ao centro da cidade. Tanto na rua 1 com avenida14 quanto na rua 5 com avenida 8, para onde mudou com a família em 1940. As casas possuíam amplos quintais, com muito espaço para brincar, com plantas muito bem cuidadas pelo pai Anastácio, com árvores de balanços pendurados e frondosas sombras, sob as quais ela saboreava as frutas da estação, a poesia e a literatura. Nos passeios pela cidade, o pai Anastácio sempre chamava sua atenção para as cores das borboletas e a tonalidade das flores. Tem no pai a grande referência de ser humano. Fala dele com saudade, e com o poema Visita à casa paterna, de Luiz Guimarães Júnior (1845-1898).

depois de um longo e tenebroso inverno,
eu quis também rever o lar paterno,
o meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
fantasma, talvez, do amor materno,
tomou-me as mãos, olhou-me grave e terno,
e, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala... (O se me lembro! e quanto!)
em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto

jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
- Uma ilusão gemia em cada canto,
chorava em cada canto uma saudade...

O universo conspira a favor do amor
            Apesar de o mundo estar em guerra, certo dia Rio Claro amanheceu diferente. Um oásis de bem querer tomava conta da pequena cidade. Quando todas as evidências demonstram improbabilidade, a natureza ajuda e o universo conspira em favor do amor.
            O município foi instituído em 1845, quando ganhou autonomia administrativa, e a denominação ‘Sao Joao do Rio Claro’, simplificada para Rio Claro em 1905. Nas décadas de 1930 e 1940, a vila Aparecida, onde nasceu Juca era conhecida como o bairro do cangaço. No lugar das ruas que conhecemos hoje, tudo era mato, recortado por trilhas e cercas que limitavam alguns terrenos. O arruamento ainda não estava definido na paisagem urbana. No que hoje conhecemos como rua 2-A, a primeira casa era número 196, lá até hoje. Não podia faltar um bar, no caso o bar do Elias. Do outro lado da linha do trem estavam os alemães, que chegaram a Rio Claro com a cultura do café, daí o nome de vila Alemã. Uma mina d’água motivava caminhadas até a vila Cristina. Conta-se que durante o passeio catavam gabiroba, cabeludinha, sebo de grilo, goiaba do mato e araçá. Ali também ficavam o Saibreiro I e Saibreiro II, que abasteciam com saibro as construções da época[15]. A vila Operária era o bairro dos formigueiros. Ao redor da atual Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, havia chácaras. Os bairros São Benedito e Boa Morte nas proximidades do cemitério municipal e do hospital que recebia os ‘leprosos’. O centro da cidade representava um retângulo, delimitado entre rua 1 e rua 4, avenidas 4 a 5. A ‘zona do baixo meretrício’ ficava na região do Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista.
            Vinte e cinco de agosto é uma data que pode ser lembrada por vários motivos, como a apresentação do telescópio em 1609, invenção do italiano Galileu Galilei, a morte do filósofo alemão Friedrich W. Nietzshe, em 1900, as forças ocultas que levaram à renúncia de Janio Quadros, em 1961, a primeira exposição pública do santo sudário pelo Vaticano em 1978. Mas para mim, o episódio que marca definitivamente essa data é a comemoração do dia do soldado que aconteceu no ano de 1944 na Sociedade Italiana, esquina da avenida 5 com rua 3, onde hoje funciona o paço municipal.
            Aquela terça feira amanheceu diferente. Não dava para identificar com precisão o que estava acontecendo, mas estava diferente. Mariquinha acordou com os primeiros raios de sol e o beijo doce do pai Anastácio. Levantou-se apressada para chegar antes do horário marcado e acertar os últimos detalhes do recital. Conta-se que ela nem percebeu a folhagem das árvores centenárias debruçadas dos galhos fazendo reverência à passagem da rainha. Cruzou o jardim público municipal e nem percebeu que os pássaros cantavam em louvação àquela que seria, ao longo das próximas décadas, a mulher mais importante na vida de um grupo grande de pessoas que com ela conviveria. Estava tudo ali, diante dela, sua sina, seu destino, como se a história estivesse previamente redigida nos pergaminhos dos deuses do amor.
            Juca acordou mais cedo ainda e, fardado, marchou na tropa com destino à sede da Sociedade Italiana, onde renderiam as homenagens ao dia do soldado, ato oficial no calendário nacional. Aquele ano de 1944 era particularmente delicado porque o primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira, com cerca de cinco mil homens, estava na Itália participando do teatro de operações do Mediterrâneo. Os atiradores do Tiro de Guerra 40 podiam ser convocados a qualquer momento, o que confundia os planos daqueles jovens.
            Soldados perfilados seguiam os rigores militares. As normalistas traziam leveza naquele momento, carregado de expectativa e de emoção. Em meio ao grande acontecimento, uma linda normalista, aluna de Ivanira Bohn Prado, recita uma poesia que ficará guardada na memória como uma aliança.
            Que segredos guardavam aquela mulher? Que mistérios carregam os olhos de Mona Lisa de Leonardo Da Vinci? De tamanha intensidade, o brilho da moça arrombou as retinas de um jovem soldado. Estupefato, ele percebeu as palavras dela viajando pelo ar e penetrando suavemente em seus ouvidos, em seu ser. Inebriado, percebeu o jovem soldado uma revolução dos sentidos no seu corpo. Visão e audição embriagavam ao mesmo tempo em que os outros sentidos reivindicavam, como ele conta. Não resta outra alternativa ao Juca senão ir ao encontro dela. Mas como se as artistas, em particular as poetizas, parecem seres inatingíveis? (Você já ouviu que a natureza conspira a favor do amor?) Então, surgiu na história um cupido, Adolfo Santana Lopes, amigo de ambos.
            Feitas as primeiras aproximações, o próximo passo foi o encontro no fut. Naquele tempo a juventude se encontrava na avenida 1. As moças caminhavam nas calçadas, circulando desde a esquina com a rua 3 até quase o cruzamento com a rua 6. Aparentemente havia alguma organização social: as moças mais namoradeiras passeavam na calçada dos prédios pares enquanto as moças mais comportadas (segundo a moral da época), caminhavam do lado impar. Outra possibilidade dessa organização era por classe social. As moças de classe média na calçada dos números ímpares e as trabalhadoras, do lado par. Os rapazes, por sua vez, ficavam na rua, parados e observando. Quando rolava um flerte, seguiam para o jardim público e sentavam no banco da praça para conversar. Havia também a possibilidade de acompanhar a donzela até o portão da casa, afinal a cidade era pouco iluminada. A iluminação pública estava instalada ao longo da linha do trem com apenas três postes por quarteirão. Eram raras as casas que possuíam iluminação externa, pois naquela época a energia era cobrada por bico de luz instalado. Mas o cinema abria as janelas para o mundo. Juca e Mariquinha assistiram a filmes belíssimos, no cine Fênix (avenida 1 com rua 3), com ingressos para geral, cadeiras, frisa e pulma, e no cine Variedades (avenida 2 com rua 6) com ingressos para cadeiras, frisa e camarote.

Lá vem a noiva... as filhas, netas/os, bisnetas/os e tataraneta
Em 1946, dia onze de fevereiro, os noivos assinam os documentos no cartório da família Pimentel (esquina da avenida 1 com rua 7), e na terça-feira doze de fevereiro, Juca recebe no altar da Igreja Matriz de São João Batista, das mãos do seu Anastácio Vitzel, a encantadora Mariquinha, em cerimônia celebrada pelo padre Antônio Martins.
Esse lindo romance trouxe à luz duas meninas: Vera Lúcia Rodrigues Jordão Bartiromo e Sandra Elisabete Rodrigues Jordão. Depois vieram as netas e netos: Carla e Junior, Ivan, Graziella e Ivanessa. E as bisnetas e bisnetos: Thais e Fábio, Raphael e Victor, Helena e Sofia, e a pequenina Alícia. Mas não para por aí: mais uma geração foi iniciada em 2005 com a chegada da tataraneta Beatriz.
Completaram 65 anos de união. Estão aí há cinco gerações, todas iniciadas por mulheres, professoras, o que se narra como um refrão nessa grande família. E todos somos contaminados pela doçura dela e pela alegria dele.
No dia em que completaram 65 anos de união, perguntei o que enxergam ao olharem para trás. Ela respondeu que a felicidade está nos mandamentos de Deus. “Sempre me esforcei em viver o mandamento: amai ao próximo como a si mesmo. Diariamente peço nas minhas orações que cada um dos meus descendentes siga a Jesus Cristo, que todos sejam pregadores do evangelho e encontrem a justiça e a paz”. Esse sentimento da presença de Deus supera as dificuldades, completou. Juca, por sua vez, se arrepende de não ter estudado mais, e diz que “Gostar de si mesmo é muito importante. Aprendi que fumar faz muito mal a saúde”.
            Repito: parte do que foi dito aqui pode não corresponder à narrativa exata dos fatos. Contudo, trata-se da narrativa de alguém que esteve presente, que ouviu, e que jamais cogitou a possibilidade de tratar dessa história com isenção. Meus dias, que já somam 40 anos, estiveram imersos nesse contexto. Sou, como todos e todas de casa, fruto e resultado desse amor e desse convívio saboroso que rompe décadas, que sobrevive às intempéries e que alimenta todos os amores que dão tempero às nossas vidas. Vivemos em um universo e em uma história carregado de bem querer. Como já é público, que fique registrado o meu testemunho do maior amor do mundo, um amor por inteiro, um amor em todas as dimensões, um amor que não tem limites, como este amor que sinto pelo Juca e pela Mariquinha.
            Para além do registro, espero que o leitor reconheça nesse texto uma declaração de amor. Como fez a cantora Maria Gadú a sua avó na canção Dona Cila.
Ó meu pai do céu, limpe tudo aí
Vai chegar a rainha
Precisando dormir
Quando ela chegar
Tu me faça um favor
Dê um banto a ela, que ela me benze aonde eu for

Dedico esse texto a Maria Witzel Jordão, minha avó, mulher excepcional que perfuma o mundo e faz acreditar no ser humano.
Dedico esse texto a José Rodrigues Jordão Filho, meu avô, que, sendo homem público forte, sabe tornar a vida mais alegre e colorida.
Agradeço às contribuições da amiga Onice Payer.





[1] O autor é um neto apaixonado por seus avós. Com formação em Geografia (Unesp Rio Claro), atuou na Defesa Civil de Rio Claro/SP e foi responsável implementação do Orçamento Participativo na cidade de Suzano/SP. ivanrubens@hotmail.com.br
[2] Trecho da canção Dona Cila de Maria Gadú. Composição feita para sua avó.
[3] Filme de 2003, baseado no livro Big Fish: a Novel of Mythic Proportions, de Daniel Wallace.
[4] Com Mario Cupido, Celso Volff e Nelsom Ortiz Bezerra, José Maria Rocco, Adelino Rodrigues Jordão e outros. Sob a regência de Neco que também tocava banjo, a orquestra teve existência nos anos de 1938 a 1940 e apresentavam-se na Rádio Clube de Rio Claro, PRF2.
[5] Esse conjunto era composto por Mario Cupido e Juca Jordão, na gaita, Joaquim Furquim no violão e Carvalho no cavaquinho. Tocou no período entre 1940 a 1945 também na Rádio Clube e no serviço de alto-falantes Primavera.
[6] Formado por Juca Jordão, Sidney Barreto e Névio Belo, substituído por Carmelo na segunda formação, e por Quelito na terceira formação. O locutor da Rádio Clube de Rio Claro, (rua 3 avenida 6 e 8) Altino Silva era o empresário e apresentador do grupo.
[7] Formado por Juca Jordão, Sidney Barreto e Luiz (Quelito), ampliaram o universo das apresentações a partir da década de 1950.
[8] Programa Tudo é possível, quadro Avós do Brasil, em dezembro de 2005
[9] Município de Pirassununga/SP
[10] Popularmente utilizada no combate a febres, fraqueza, fadiga.
[11] Popularmente utilizada no combate a gripes, resfriados, inflamações, asma, bronquite.
[12] Popularmente utilizada como digestivo, laxante, inflamações, tireóide, prisão de ventre.
[13] Popularmente utilizada para dores em geral. Casca da árvore conhecida como Salgueiro ou Chorão.
[14] É Anti-séptico. Alivia a dor de dente, auxilia a digestão, ajuda a vender as fraquezas sexuais.
[15] Referência aos tios Ana e Luis Britsky. A família doou o terreno onde hoje estão a igreja São Judas Tadeu, a Escola Municipal Monsenhor Martins e a praça Anna Vitzel Britsky.

Publicado na revista do Arquivo Histórico de Rio Claro/SP n° 7.























tocando a gaitinha de 4 furos
Cidade Maravilhosa na gaitinha

Potpourri de canções juninas

Eu, Juca, Carol Rios, Olga Salomão e Mariquinha


Publicado na Revista nr 07 do Arquivo Público Histórico de Rio Claro

 

Sustentabilidade e cuidado: um caminho a seguir

Há muitos anos, venho trabalhando sobre a crise de civilização que se abateu perigosamente sobre a humanidade. Não me contentei com a análise estrutural de suas causas, mas, através de inúmeros escritos, tratei de trabalhar positivamente as saidas possíveis em termos de valores e princípios que confiram real sustentatibilidade ao mundo que deverá vir. Ajudou-me muito, minha paricipação na elaboração da Carta da Terra, a meu ver, um dos documentos mais inspiradores para a presente crise. Esta afirma:”o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal”.
Dois valores, entre outros, considero axiais, para esse novo começo: a sustentabilidade e o cuidado.
A sustentabilidade, já abordada no artigo anterior, significa o uso racional dos recursos escassos da Terra, sem prejudicar o capital natural, mantido em condições de sua reprodução, em vista ainda  ao atendimento das necessidades das gerações futuras que também têm direito a um planeta habitável.
Trata-se de uma diligência que envolve um tipo de  economia respeitadora dos limites de cada ecossistema e da própria Terra, de uma sociedade que busca a equidade e a justiça social mundial e de um meio ambiente suficientemente preservado para atender as demandas humanas.
Como se pode inferir, a sustentabilidadae alcança  a sociedade, a política, a cultura,  a arte,  a natureza, o planeta e a vida de cada pessoa. Fundamentalmente importa garantir as condições físico-químicas e ecológicas que sustentam a produção e a reprodução da vida e da civilização. O que, na verdade, estamos constatando, com clareza crescente, é que o nosso estilo de vida, hoje mundializado, não possui suficiente sustentabildade. É demasiado hostil à vida e deixa de fora grande parte da humanidade. Reina uma perversa injustiça social mundial com suas terríveis sequelas, fato geralmente esquecido quando se aborda o tema do aquecimento globl.
A outra categoria, tão importante quanto a da sustentabilidade, é o cuidado, sobre o qual temos escrito vários estudos. O cuidado representa uma relação amorosa, respeitosa e não agressiva para com a realidade e por isso não destrutiva. Ela pressupõe  que os seres humanos são parte da natureza e membros da comunidade biótica e cósmica com a responsabilidade  de protege-la, regenerá-la e cuidá-la. Mais que uma técnica, o cuidado é uma arte, um paradigma novo de relacionamento para com a natureza, para com a Terra e para com os humanos.
Se a sustentabilidade representa o lado mais objetivo, ambiental, econômico e social da gestão dos bens naturais e de sua distribuição, o cuidado denota mais seu lado subjetivo: as atitudes, os valores éticos e espirituais que acompanham todo esse processo sem os quais a própria sustentabilidade não acontece ou não se garante a médio e longo prazo.

Sustentabilidade e cuidado devem ser assumidos conjutamente para impedir que a crise se transforme em tragédia e para conferir eficácia às praticas que visam a fundar um novo paradigma de convivência ser-humano-vida-Terra. A crise atual, com as severas ameaças que globalmente pesam sobre todos, coloca uma improstergável indagação filosófica: que tipo de seres somos, ora capazes de depredar a natureza e  de por em risco a própria sobrevivência como espécie e ora de cuidar e de responsabilizar-nos pelo futuro comum? Qual, enfim, é nosso lugar na Terra e qual é a nossa missão? Não seria a de sermos os guardiães e e os cuidadores dessa herança sagrada que o Universo e Deus nos entregaram que é esse Planeta, vivo, que se autoregula, de cujo útero todos nós nascemos?

É aqui que, novamente, se recorre ao cuidado como uma possível definição operativa e essencial do ser humano. Ele inclui um certo modo de estar-no-mundo-com-os-outros e uma determinada práxis, preservadora da natureza. Não sem razão, uma tradição filosófica que nos vem da antiguidade e que culmina em Heidegger e em Winnicott defina a natureza do ser humano como um ser de cuidado. Sem o cuidado essencial ele não estaria aqui nem  o mundo que o rodeia. Sustentabilidade e  cuidado, juntos,  nos mostram um caminho a seguir.
Leonardo BoffTeólogo/Filósofo

 

depoimento do Eduardo Galeano

este mundo está grávido de um outro mundo.
a gravidez é difícil, o parto será difícil.
estamos gestando um mundo novo e bem melhor.
outro mundo é possível.

O coletivo Juarez Braga




É sempre bom lembrar / Que um copo vazio / Está cheio de ar. Assim começa a canção Copo vazio que Chico Buarque gravou no disco Sinal Fechado de 1974, seu primeiro disco como intérprete. Com canções de Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Noel Rosa, Nelson Cavaquinho e outros, destaca-se a doce canção O filho que eu quero ter de Toquinho e Vinicius de Moraes. A única exceção é Acorda amor, de Leonel Paiva e Julinho da Adelaide. Julinho, pseudônimo do próprio Chico, manobra para driblar a rigorosa perseguição que sofria da censura. O sinal estava fechado para Chico!


Copo vazio é de Gilberto Gil. "Eu estava em casa, sentado no sofá, já de madrugada. Tinha tomado um copo de vinho no jantar, e o copo estava sobre a mesa. Pensando no que é que eu ia fazer pro Chico, de repente vi o copo vazio e concentrei o olhar nele: O copo está vazio, mas tem ar dentro”, disse Gil. A canção continua: ‘Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho / Que o vinho busca ocupar o lugar da dor / Que a dor ocupa a metade da verdade / A verdadeira natureza interior / Uma metade cheia, uma metade vazia / Uma metade tristeza, uma metade alegria...


Esta se organizando em Suzano o Coletivo Juarez Braga. Seu manifesto de fundação fala de avanços imateriais com a ampliação da democracia e da participação popular, do orçamento participativo, dos conselhos gestores e institucionais, da gestão pública transparente e do combate à corrupção. Fala da cidade concreta, das políticas de Cultura, da ampliação das redes de saúde e de educação, do serviço público de qualidade. Fala da superação definitiva da política do favorzinho que durante décadas prevaleceu em Suzano. Apóia e defende o governo Marcelo Candido, o melhor governo da história de Suzano, e do governo Dilma Roussef. Um coletivo político que se pretende amplo, suprapartidário, com foco no debate e na formação política permanente.


Juarez Braga nasceu em 26 de novembro de 1930. Passou a infância com os seis irmãos na fazenda onde os pais trabalhavam. Influenciado pelo pai, tomou contato com os livros. Ingressou no Partido Comunista Brasileiro, impôs-se um auto-exílio após o golpe militar de 1964. Com o objetivo de auxiliar na formação político-pedagógica de jovens e adolescentes, aos 64 anos de idade Juarez ingressou no curso de Filosofia da USP. Desde 2005, auxiliava na implantação da ‘gestão democrática na educação’ junto à Secretaria Municipal de Educação de Suzano onde permaneceu até seus últimos dias.


O material de divulgação do Coletivo mostra um Juarez sorridente e dois copos vazios sobre a mesa. Partilhamos várias vezes o vinho com ele, enchendo nossos copos com sua bebida predileta e com profundas reflexões. Um coletivo político com seu nome irá, certamente, encher muitos copos com nossa alegria e nossa dor, com nossa tristeza e nossa verdade. Não com uma verdade absoluta, mas com um processo de construção coletiva das análises e das formulações. E principalmente, com uma prática política renovada, cada vez mais democrática e participativa. Justa homenagem a um homem ético que adorava a vida, os livros, a música, as pessoas e lutava por uma sociedade justa e igualitária.


No dia 10/6, às 18h30 no Sindicato da Construção Civil, estaremos juntos para homenagear o saudoso Juarez Braga, do jeito que ele tanto gostava: discutindo, debatendo, fazendo política no melhor sentido da palavra. Com um pouco de música também, afinal agora o sinal está aberto...


Ivan Rubens Dário Jr e Luis Claudio Messa Longo


Publicado no Jornal Diário de Suzano em 07/junho/2011





Manifesto de fundação do coletivo Juarez Braba

Assinaturas em apoio à criação do coletivo Juarez Braga

Notas de apoio

COPO VAZIO - Gilberto Gil
 


O FILHO QUE EU QUERO TER - Toquinho e Vinícius
  

Sustentabilidade: adjetivo ou substantivo?


Leonardo Boff
Teólogo/Filósofo



É de bom tom hoje falar de sustentabilidade.  Ela serve de etiqueta de garantia de que a empresa, ao produzir, está respeitando o meio ambiente. Atrás desta palavra se escondem algumas verdades mas também  muitos engodos. De modo geral, ela é usada como adjetivo e não como substantivo. 
Explico-me: como adjetivo é agregada a qualquer coisa sem mudar a natureza da coisa. Exemplo: posso diminuir a poluição química de uma fábrica, colocando filtros melhores em suas  chaminés que vomitam gases. Mas a maneira com que a empresa se relaciona com a natureza donde tira os materiais para a produção, não muda; ela continua devastando; a preocupação não é com o meio ambiente mas com o lucro e com a competição que tem que ser garantida. Portanto, a sustentabilidade é apenas de acomodação e não de mudança; é adjetiva, não substantiva.
Sustentabilidade como substantivo exige uma mudança de relação para com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade. A Terra está viva e nós somos sua porção consciente e inteligente. Não estamos fora e acima dela como quem domina, mas dentro como quem cuida, aproveitando de seus bens mas respeitando seus limites. Há interação entre ser humano  e natureza. Se poluo o ar, acabo adoecendo e reforço o efeito estufa donde se deriva o aquecimento global.  Se recupero a mata ciliar do rio, preservo as águas, aumento seu volume e melhoro minha qualidade de vida, dos pássaros e dos insetos que polinizam as ávores frutíferas e as  flores do jardim.
Sustentabilidade como substantivo acontece quando nos fazemos responsáveis pela preservação da vitalidade e da integridade dos ecossistemas. Devido à abusiva exploração de seus bens e serviços, tocamos nos limites da Terra. Ela não consegue, na ordem de 30%, recompor o que lhe foi tirado e roubado. A Terra está ficando,  cada vez mais pobre: de florestas, de águas, de solos férteis, de ar limpo e de biodiversidade. E o que é mais grave: mais empobrecida de gente com solidariedade, com  compaixão, com respeito, com cuidado e com amor para com os diferentes. Quando isso vai parar?
A sustentabilidade como substantivo é alcançada no dia em que mudarmos nossa maneira de habitar a Terra, nossa Grande Mãe, de produzir, de distribuir, de consumir e de tratar os dejetos. Nosso sistema de vida está morrendo, sem capacidade de resolver os problemas que criou.  Pior, ele  nos está matando e ameaçando todo o sistema de vida. 
Temos que reinventar um novo modo de estar no mundo com os outros, com a natureza, com a  Terra e com a Última Realidade. Aprender a ser mais com menos e a satisfazer nossas necessidades com sentido de solidariedade para com os milhões que passam fome e com o futuro de nossos filhos e netos. Ou mudamos, ou vamos ao encontro de previsíveis tragédias ecológicas e humanitárias.
Quando aqueles que controlam as finanças e os destinos dos povos se reunem, nunca é para discutir o futuro da vida humana e a preservação da Terra. Eles se encontram para tratar de dinheiros, de como salvar o sistema financeiro e especulativo, de como garantir as taxas de juros e os lucros dos bancos. Se falam de aquecimento global e de mudanças climáticas é quase sempre nesta ótica: quanto posso perder com estes fenômenos? Ou então, como posso ganhar comprando ou vendendo bonus de carbono (compro de outros paises licença para continuar a poluir)? A sustentabilidade de que falam não é nem adjetiva, nem substantiva. É pura retórica. Esquecem que a Terra pode viver sem nós, como viveu por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela.
Não nos iludamos: as empresas, em sua grande maioria, só assumem a responsabilidade socio-ambiental na medida em que os ganhos não sejam prejudicados e a competição não seja ameaçada. Portanto, nada de mudanças de rumo, de relação diferente para com a natureza, nada de valores éticos e espirituais. Como disse muito bem o ecólogo social uruguaio E. Gudynas: “a tarefa não é pensar em desenvolvimento alternativo mas em alternativas de desenvolvimento”. 
Chegamos a um ponto em que não temos outra saída senão fazer uma revolução paradigmática, senão seremos vítimas da lógica férrea do Capital que nos poderá levar a um fenomenal impasse civilizatório. 



Leonardo Boff
Teólogo/Filósofo


Conselheiros têm formação com Leonardo Boff

Jornal Diário de Suzano em 2009.
Matéria publicada na edição: 8274  
Gabriele Doro

DA REPORTAGEM LOCAL

Durante um evento de formação, na noite de ontem, o teólogo Leonardo Boff falou sobre a importância de construir escolas participativas. O evento, realizado no Complexo Educacional Mirambava, teve como tema “Participação popular é garantir direitos”. O intuito foi de proporcionar conhecimento para os 750 conselheiros municipais da educação

Desde quando foi formado em 2005, a Prefeitura procura proporcionar formação aos escolhidos para compor o conselho. “Este é o quinto ano que fazemos à formação dos conselhos. Desde o primeiro que foi formado avançamos muito no que estamos oferecendo”, comentou o prefeito Marcelo Candido (PT) que participou do evento.

Boff procurou abordar diversos temas com os educadores para que uma discussão ampla pudesse ser feita. “Temos que mostrar a necessidade de enriquecer nossa democracia em duas frentes. A primeira é de mostrar a democracia representativa e participativa. Já, a segunda frente é criar a consciência ecológica e ambiental”.

Antes de passar a formação aos educadores, Boff deu entrevista à imprensa no gabinete de Candido. Para ele, o ideal é que os estudantes pudessem ficar em tempo integral nas escolas. “O problema é em que estratégia vai manter os alunos na escola. Não devemos deixá-los por tempo integral só por deixar. O importante é que tudo seja educativo e que o aprendizado seja múltiplo. Que não privilegie somente uma inteligência”.

Candido afirmou que dentro do que foi exposto por Boff é importante ressaltar que os conselheiros, em Suzano, tem o poder de decisão. “Eu acho muito importante isto que o Leonardo Boff disse que a obrigação dos conselheiros é trazer a vida para dentro das escolas. Mesmo porque muitas vezes a escola é um ente distante, embora muitas vezes presente. A partir do momento que os conselhos podem decidir o destino da escola, nós damos um salto”.

CONSELHOS O Conselho de Escola tem como principais atribuições discussão e deliberação sobre questões de natureza administrativa, pedagógica e financeira nas unidades escolares. O processo eleitoral proposto tem por objetivo realizar uma ampla, transparente e democrática consulta aos segmentos de pais, responsáveis, alunos, professores e funcionários para sua composição.

Cerca de 12 mil pessoas participaram ao longo do mês de abril do processo eleitoral que definiu a composição dos Conselhos de Escola, sendo pouco mais de 10 mil da rede usuária, 900 professores e 730 funcionários. O resultado foi a eleição de 753 conselheiros e 311 suplentes.

Detalhes no sítio do Jornal Diário de Suzano

Conheço um homem...


Leonardo Boff
Teólogo/Filósofo

Esbelto, de figura elegante, sempre fumando seu palheiro, ele foi um desbravador. Quando os colonos italianos não tinham mais terras para cultivar na Serra Gaúcha, eles, em grupo, emigraram para o interior de Santa Catarina, para as terras de Concórdia, notória por ser a sede das mais conhecidas empresas de carnes do pais, a Sadia e a Perdigão. Não havia nada, exceto alguns caboclos, sobreviventes da guerra do Contestado e grupos de indígenas kaigan. Reinavam os pinheirais, soberbos, a perder de vista.

Os colonos italianos vieram, organizados em caravanas, trazendo seu professor, seu puxador de reza e uma imensa vontade de trabalhar e de fazer a vida a partir do nada. Ele estudara vários anos com os jesuitas de São Leopoldo e acumulara vasto saber humanístico. Sabia latim e grego e lia em linguas estrangeiras. Viera para animar a vida daquela povera gente. Era mestre-escola, figura de referência e respeitadíssimo. Dava aulas de manhã e de tarde. À noite ensinava português para colonos que só falavam em casa italiano e alemão. Ao lado disso, abriu uma escolinha com os mais inteligentes para formá-los como guarda-livros para fazer a contabilidade das bodegas e vendas da região.

Como os adultos tinham especial dificuldade em aprender, usou um método criativo. Fez-se representante de uma distribuidora de rádios. Obrigava cada família a ter um rádio em casa e assim aprender o “brasilian” ouvindo programas em português. Montava cataventos e pequenos dínamos onde havia uma cascata para que pudessem recarregar as baterias. Como mestre-escola era um Paulo Freire avant la lettre. Conseguiu montar uma biblioteca de dois mil livros. Obrigava cada familia a levar um livro para casa, lê-lo e no domingo, depois da reza do terço em latim, formava-se uma roda onde cada um contava em português o que havia lido e entendido. Nós, pequenos, ríamos, a mais não poder, pelo português ruim que falavam. Não ensinava apenas o básico, mas tudo o que um colono devia saber: como medir terras, como devia ser o telhado do paiol, como tirar os juros, como cuidar da mata ciliar e tratar os terrenos com grande declive. Introduzia-nos nos rudimentos de filologia, ensinando-nos as palavras latinas e gregas. Nós pequenos, sentados atrás do fogão por causa do frio géiido, devíamos recitar todo o alfabeto grego, alpha, beta, gama, delta, teta...E mais tarde no colégio, nos enchíamos de orgulho ao mostrar aos outros e até aos professores donde vinham as palavras. Aos onze filhos incitava-os à muita leitura. Eu decorava frases de Hegel e de Darwin, sem entendê-las, para dar a impressão que tinha mais cultura que os outros.

Mas era um mestra-escola no sentido pleno da palavra porque não se restringia às quatro paredes. Saía com os alunos para contemplar a natureza, explicar-lhes os nomes das plantas, a importância das águas e das árvores frutíferas. Naqueles interiores distantes de tudo, funcionava como farmacêutico. Salvou dezenas de vidas usando a piniscilina sempre que chamado, não raro, tarde da noite. Estudava em livros técnicos os sintomas das doenças e como tratá-las.

Naqueles fundos ignotos de nosso pais, havia uma pessoa angustiada por problemas políticos e metafísicos. Criou até uma pequena roda de amigos que gostavam de discutir “coisas sérias” mas mais que tudo para ouvi-lo. Sem interlocutores, lia os clássicos do pensamento como Spinoza, Hegel, Darwin, Ortega y Gasset. Passava longas horas à noite colado ao rádio para escutar programas estrangeiros e se informar do andamento da segunda guerra mundial.

Era crítico à Igreja dos padres porque estes não respeitavam os vizinhos, todos protestantes alemães, condenados já ao fogo do inferno por não serem católicos. Opunha-se com dureza àqueles que discriminavam os “negriti” e os “spuzzetti”(os que cheiravam mal). A nós, filhos, obrigava-nos a sentar na escola sempre ao lado deles para aprender a respeitá-los e a conviver com os diferentes.

Sua piedade era interiorizada. Passou-nos um sentido espiritual e ético de vida: ser sempre honesto, nunca enganar e confiar irrestritamente na Providência divina. Para que seus onze filhos pudessem estudar e chegar à universidade vendia, aos pedaços, todas as terras que tinha ou herdara. No fim, vendeu até a própria casa. Sua alegria era sem limites quando vínhamos de férias pois assim podia discutir horas e horas conosco. E nos batia a todos. Morreu jovem, com 54 anos, extenuado de tanto trabalho e de serviço em função de todos. Sabiaa que ia morrer. Sonhava conversar com Platão, discutir com Santo Agostinho e estar entre os sábios. Na mesma hora e no mesmo dia em que embarquei no navio para estudar na Europa seu coração deixou de bater. Vim saber somente quando cheguei em Munique. Os irmãos e as irmãs inscreveram seu lema de vida na sua tumba:”De sua boca ouvimos, de sua vida aprendemos: quem não vive para servir não serve para viver”.


No dia 25 de maio de 2011 ele completaria cem anos. Este mestre-escola sábio e interiorano era Mansueto Boff, meu querido e saudoso pai.

Leonardo Boff
Teólogo/Filósofo

Veja seus artigos em http://www.leonardoboff.com/site/lboff.htm

Medalha Defesa Civil Nacional 2002


No Quartel General do Exército Brasileiro, o Prefeito Claudio Di Mauro
 recebeu a Medalha Defesa Civil Nacional.

A experiência de Defesa Civil Municipal trouxe para Rio Claro o reconhecimento nacional nesta área. O Prefeito Municipal Cláudio Di Mauro recebeu a Medalha Nacional de Defesa Civil na primeira edição de concessão, conforme Decreto Federal nr. 4.217, de 6 de maio de 2002.
Informações no sítio http://www.defesacivil.gov.br/

O negro samba, o negro joga capoeira

O samba é um gênero musical de raízes africanas surgido no Brasil, uma das principais manifestações da cultura popular. Recentemente, o mandato do Deputado Estadual José Candido organizou um importante ato político para marcar sua segunda posse junto à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Hélio do Carmo, diretor de bateria e presidente do conselho deliberativo da GRASIFS, ao ouvir ‘Silêncio no Bexiga’, lembrou do episódio que inspirou essa linda canção.

Geraldo Filme (1928-1995) foi um grande sambista. Seu pai era violinista mas os cantos de escravos entoados pela avó também o influenciaram. Sua mãe, fundadora do primeiro cordão carnavalesco formado só por mulheres negras, depois Escola de Samba Paulistano da Glória, tinha uma pensão nos Campos Elíseos onde fazia marmitas que o menino entregava, circulando por rodas de samba e tiririca (capoeira). Geraldo tem o nome ligado à história do carnaval paulistano, respeitado e querido por todas as escolas, em especial por sua ligação com o cordão do Vai-Vai. ‘Quem nunca viu o samba amanhecer / vai no Bexiga pra ver...’ é de sua autoria.

Ele conta que Wálter Gomes de Oliveira, o Pato N´água, foi um dos maiores apitadores do samba paulistano. Apitadores são os atuais diretores de bateria. Fera no apito, Pato N’água era um típico malandro dos anos 60, negro, alto, forte e valente na tiririca. Num dia de 1969, acertou com um taxista da capital de circular pela cidade visitando suas amigas, batendo papo, tomando café. Lá pelas tantas, o motorista, desconfiado, avisou a polícia. O corpo de Pato N’água foi encontrado numa lagoa às margens do rio Tietê. "O laudo dava infarte. Mas de susto não morreu porque era bravo. Afogado também não porque era Pato N’água", disse Geraldo Filme. Seus contemporâneos suspeitaram de perfuração com baioneta ou punhal.

A notícia chegou ao Bexiga na hora da Ave-Maria. O povão chorou a morte do sambista Pato N’água que foi imortalizado no samba ‘Silêncio no Bexiga’:
Silêncio / O sambista está dormindo / Ele foi mas foi sorrindo / A notícia chegou quando anoiteceu; Escolas / Eu peço silêncio de um minuto / O Bixiga está de luto / O apito de Pato N'água emudeceu; Partiu / Não tem placa de bronze / Não fica na história / Sambista de rua morre sem glória / Depois de tanta alegria que ele nos deu; Assim / Um fato repete de novo / Sambista de rua, artista do povo / E é mais um que foi sem dizer adeus. Silêncio...

Apenas o surdo encerra a canção, diminuindo seu compasso lentamente, simulando as batidas do coração. Até que pára de bater. Fim da história.


Nos primórdios do carnaval rioclarense, Tamoio e Voz do Morro desfilavam no centro da cidade. Ambas estão na origem da GRASIFS – a voz do morro (1956). Falar do samba e das religiões de matrizes africanas em Rio Claro é falar do povo negro. O compositor Gersão, parceiro do CCA, foi mestre-sala; seus netos, Lio e Sandra têm papel relevante na escola. Os sambistas Cidão, Durvalzinho, Celso e o mestre Malvino são a memória viva de um tempo cuja história é contada em sambas que sequer foram gravados. O Conselho da Comunidade Negra é presidido pela Diva; Sua neta, Kizie, é assessora da igualdade racial e conta com o apoio da Juventude Negra de RC – JUNERC que, junto da família Bronx, organizam a Black June, maior festa junina black do interior, sob coordenação do Davi Romualdo. Ari Rios, filho do finado Carlão (Magiclick), é presidente da GRASIFS. José de Assis, filho do Pilé, está na ala dos compositores.

Essa lista de nomes expressa, cada um à sua maneira, a luta por justiça e igualdade, a luta pela superação do preconceito, do racismo e, ao mesmo tempo, a alegria contagiante do carnaval. Na cadência bonita do samba, vamos agradecer ao povo negro sua contribuição fundamental na constituição da cultura brasileira. Um canto de alegria como superação do soluçar de dor.


publicado no Jornal Cidade de Rio Claro




GRASIFS 2011. o desfile na avenida. O samba é Griô



GRASIFS 2012 - samba enredo e imagens do carnaval 2011

A resistência negra, um samba e um Deputado

O samba é um gênero musical de raízes africanas surgido no Brasil, uma das principais manifestações da cultura popular brasileira. Podemos dizer que é uma linguagem por meio da qual os/as sambistas se expressam.

Recentemente, o mandato do Deputado Estadual José Candido organizou um importante ato político para marcar sua segunda posse junto à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. É certo que a posse oficial aconteceu no Palácio 9 de julho, mas para um mandato popular, uma festa popular. Foram incontáveis manifestações de apoio, demonstração da liderança de Candido e dos vínculos políticos com a base social. O grupo Bom Ambiente fez um samba cuja inspiração tem relação com Suzano.

Geraldo Filme (1928-1995) foi um grande sambista. Seu pai era violinista mas foi com a avó que conheceu os cantos de escravos que influenciaram sua formação musical. Sua mãe, fundadora do primeiro cordão carnavalesco formado só por mulheres negras, depois Escola de Samba Paulistano da Glória, tinha uma pensão nos Campos Elíseos onde fazia marmitas que o menino entregava, circulando por rodas de samba e tiririca (capoeira). Geraldo tem o nome ligado à história do carnaval paulistano, respeitado e querido por todas as escolas, em especial por sua ligação com o cordão do Vai-Vai. ‘Quem nunca viu o samba amanhecer / vai no Bexiga pra ver...’ é de sua autoria. São poucos registros de sua obra. ‘O Canto dos Escravos’ com Clementina de Jesus e Doca da Portela merece destaque.

No programa Ensaio da TV Cultura (1982), Geraldo Filme conta a história do samba ‘Silêncio no Bexiga’. Wálter Gomes de Oliveira, o Pato N´água, foi um dos maiores apitadores do samba paulistano. Desde o cordão do Vai-Vai, passou pelo Bexiga, pela Vila Santa Isabel que hoje é a Escola de Samba Acadêmicos do Tatuapé, Peruche, Camisa Verde. Apitadores são os atuais diretores de bateria.

Fera no apito, Pato N’água era um típico malandro dos anos 60, negro, alto, forte e valente na tiririca. Num dia de 1969, acertou com um taxista da capital de circular pela cidade. Visitou amigas, um cafezinho aqui, um papo acolá. Lá pelas tantas, o motorista, desconfiado, avisou a polícia. O corpo de Pato N’água foi encontrado numa lagoa às margens do rio Tietê aqui em Suzano. "O laudo dava infarte. Mas de susto não morreu porque era bravo. Afogado também não porque era Pato N´água", disse Geraldo Filme. Seus contemporâneos suspeitaram de perfuração com baioneta ou punhal.

Sobre essa história, Plínio Marcos (1935-1999) escreveu: "A notícia chegou no Bexiga à tardinha, na hora da Ave-Maria, e logo correu pelos estreitos, escamosos e esquisitos caminhos do roçado do bom Deus. E por todas as quebradas do mundaréu, (...) o povão chorou a morte do sambista Pato Nágua. E o Geraldão da Barra Funda, legítimo poeta do povo, chorou por todos num bonito samba chamado Silêncio no Bexiga". (Folha de São Paulo, 13/fev/1977)

Silêncio / O sambista está dormindo / Ele foi mas foi sorrindo / A notícia chegou quando anoiteceu;
Escolas / Eu peço silêncio de um minuto / O Bixiga está de luto / O apito de Pato N'água emudeceu;
Partiu / Não tem placa de bronze / Não fica na história / Sambista de rua morre sem glória / Depois de tanta alegria que ele nos deu;
Assim / Um fato repete de novo / Sambista de rua, artista do povo / E é mais um que foi sem dizer adeus.
Silêncio...

José Candido é a expressão política desse povo que, mesmo enfrentando muita dificuldade, é capaz de dizer algo tão lindo em forma de samba. E deixar marcas profundas na nossa vida com a defesa de políticas públicas que transformam a vida para melhor, na organização da luta popular por justiça e igualdade, na superação do preconceito e do racismo. Vamos neste mês de maio fazer silêncio aos negros e negras que foram (para não dizer que ainda são) vítimas de genocídio. E também celebrar a abolição da escravatura, a resistência negra e a luta pelos direitos humanos.

Viva José Candido, Geraldo Filme e Pato N’água.





http://www.diariodesuzano.com.br/noticia.php?id=257863