Pior que está não fica?
Florentina Florentina, / Florentina de Jesus… / Não sei se tu me amas / E pra quê tu me seduz?
Francisco Everardo Tiririca Oliveira Silva é cearense de Itapipoca. Tiririca nasceu no dia 1º de maio, dia dos trabalhadores. Trata-se de uma data comemorativa internacional dedicada aos trabalhadores sendo feriado em muitos países. Mas por que um dia aos trabalhadores e trabalhadoras? Bem, vamos lá…
Grandes massas de trabalhadores reivindicavam melhores condições de trabalho em muitas cidades dos Estados Unidos. Não era para menos: a jornada de trabalho chegava a 17 horas por dia. Durante a manifestação em 1/maio/1886 o movimento foi reprimido pelas forças policiais na cidade de Chicago. Muitos trabalhadores foram presos e mortos em consequência das lutas. A luta faz a lei: direitos trabalhistas foram conquistados.
Aos 8 anos de idade, Tiririca começou sua carreira circense como Palhaço em pequenos espetáculos no interior do Ceará. Em 1996, a canção Florentina deu visibilidade nacional em execuções exaustivas nas rádios e aparições na TV aberta numa espécie de vale tudo pela audiência. Tiririca já respondeu por racismo e violência doméstica.
Florentina Florentina, / Florentina de Jesus… / Não sei se tu me amas / E pra quê tu me seduz?
Durante a campanha eleitoral de 2010, Tiririca perguntava ao eleitorado paulista: "O que é que faz um deputado federal? não sei. Mas vote em mim que eu te conto". E, “vote no Tiririca. Pior que está, não fica”. Tiririca tornou-se o Deputado Federal pelo estado de São Paulo com 1.348.295 votos. Esse fenômeno eleitoral foi interpretado como voto de protesto. Em 2014 foi reeleito com 1.016.796 votos e em 2018 com 445.521 mil votos, sempre pelo Partido da República. Dos 513 Deputados Federais, 1 é Tiririca.
Florentina Florentina, / Florentina de Jesus… / Não sei se tu me amas / E pra quê tu me seduz?
Pior que está não fica? Pode piorar, sim. Veja: Jair foi um Deputado Federal inexpressivo entre 1991 e 2018. Isso mesmo: 7 mandatos inexpressivos. No parlamento, suas palavras não causavam tanto estrago, era uma voz num universo de 513. Catalizando todo um ressentimento de classe produzido no Brasil, desde pensamentos mesquinhos a sentimentos tacanhos, o Messias tornou-se presidente. Sua pequenez compromete a grandeza do Brasil. Nosso país está aprendendo, pela dor, que estupidez e ignorância podem ser letais. Um homem que cultua a morte não consegue, mesmo que deseje, formular políticas públicas que resultem vida melhor para brasileiros e brasileiras. Faz um governo medíocre e incompetente. E a pandemia deixa explícito que o atual presidente não está à altura da maioria do povo brasileiro, não tem condição de liderar nada, que aposta no quanto pior melhor. Sua lógica é a da guerra, uma espécie de reedição do “ame-o ou deixe-o”, “quem não está comigo está contra mim”. Uma lógica em que adversários são inimigos e inimigos, numa guerra, são mortos ou presos.
Cloroquina Cloroquina, / Cloroquina tem no SUS… / não sei se funciona / mas a gente deduz!
ACOMPANHEIRAR-SE: Paulo Freire fala de sua vida
Paulo Freire fala de sua vida pessoal e profissional.
Realizado no Departamento do Instituto de Artes e Faculdade de Educação.
1985
Arquivo TV Unicamp
Zilda:
Queremos que essa gravação seja a primeira de uma série. Nesta primeira gravação vamos enfocar a parte da ligação de toda uma teoria sobre a prática do trabalho do Paulo Freire e do trabalho de todos aqueles que continuam ainda hoje. Para iniciar, pedimos ao Paulo que se apresente um pouco...
PAULO FREIRE
Interessante, eu sempre tenho dificuldade de falar de mim mesmo, de me apresentar. Sou Paulo Freire, nasci no Recife numa família de classe média bem comportada, me sentia bem e feliz dentro da família, na relação com meu pai, com minha mãe, com meus irmãos e os parentes. Nasci numa casa com quintal longo, largo, com frutas, fruteiras e passarinhos cantando. No fim dos anos 1920, nasci exatamente em 1921, minha família sofre o impacto da depressão econômica de 1929 e 1930 e essa coisa afetou a vida normal da nossa família e de tantas famílias. As implicações na minha vida e na minha história foram importantes para mim. Uma delas foi a experiência da fome. Não de uma fome demasiado agressiva como ainda temos milhões de meninos hoje, mas de qualquer maneira uma fome que maltratava. Uma fome quantitativa e qualitativa: às vezes comia pouco e quase sempre não comia bem. E essa coisa porém, sem ser masoquista, foi muito importante na minha vida.
A família sai do Recife em 1932 e vai para Jaboatão (dos Guararapes), cerca de 19 km de distância. Lá eu vivi parte da infância e a adolescência. Lá eu aprendi um monte de coisa, terminei mal um curso primário, não muito bem feito. Lá eu experimentei a dificuldade de aprender com fome, mas lá eu aprendi também a querer bem a vida, a estar contente no mundo… eu sou uma pessoa que tem momentos de tristeza mas, no geral, sou naturalmente feliz, contente, apesar de tudo. Os problemas me desafiam mas não chegam a me anular. Fiz meus estudos normais, meus estudos comuns, com dificuldade. No final da adolescência começo da juventude, retornamos a morar no Recife, minha grande paixão. Lá eu faço o meu curso ginasial, o superior, tenho umas experiências muito interessante, a partir dos 22 anos, de ensinar língua portuguesa. Essa coisa me apaixonava, e foi exatamente por causa da língua portuguesa que eu conheci a Elza, um enorme momento da minha vida. Fui professor da Elza e, por causa disso eu tenho 7 netos hoje. Esse encontro com a Elza em que eu também fui encontrado por ela (seria horrível se apenas eu a encontrasse), que fomos encontrados. Nós nos encontramos numa esquina qualquer do mundo, numa certa hora do tempo. E a Elza exerceu sobre mim uma influência enorme, no seu preponderante silêncio, na sua forma de estar sendo muito calma, de vez enquanto apenas barulhenta. Uma excelente educadora. Trabalhava sobretudo na pré-escola. Nos casamos. E o casamento com Elza me abre um caminho, inaugura uma nova fase na minha vida, de curiosidade, de estímulos e assim eu caio na educação.
Estou tentando pinçar alguns momentos na infância, a fome, a crise que afetou a família. O mundo de Casa Amarela (bairro) no Recife que se estende na experiência de Jaboatão, eu ultrapasso o quilômetro da casa onde eu morava. E não é possível ampliar muito a geografia sem se deixar tocar pela cultura e pela história. De maneira que eu fui tocado nessa ampliação da geografia em Jaboatão. Depois eu volto, termino o estudo no Recife, me faço professor de língua portuguesa...a experiência com a língua portuguesa foi marcante nos estudos que eu fiz naquela época quando eu li (fala de um título de livro mas está incompreensível) e não entendia muito… Depois o encontro com Elza que quase me pega pela mão e me traz para o campo da educação onde eu me sentia perfeitamente bem. O meu trabalho por exemplo, já com 24 pra 25 anos numa instituição que surge num desses momentos lúcidos da classe dominante brasileira, o SESI, que se cria no sentido de apascentar um pouco a consciência do trabalhador emergente. O SESI de Pernambuco se abre para mim como um campo de (...)
O SESI é um outro marco. Um organismo assistencialista evidentemente mas que me possibilita um reencontro com a classe trabalhadora. Eu havia encontrado os filhos da classe trabalhadora na minha infância e agora eu encontro os pais. E o SESI, em certo sentido, me radicaliza ao invés de me assistencializar. É exatamente do SESI a partir de 1946 que eu começo toda uma busca, toda uma pesquisa ao mesmo tempo no campo da prática, por exemplo trabalhando no campo da educação popular mesmo que não chamasse assim. De outro lado, foi um período de intensa preocupação reflexiva apoiado em leituras que me ajudavam nessa reflexão sobre a realidade brasileira. O SESI se apresenta para mim como um momento e um espaço de intenso aprendizado. As raízes mais profundas de tudo isso que se veio chamar depois de método Paulo Freire, uma designação que não me agrada muito, está lá.
O SESI é um outro marco. Um organismo assistencialista evidentemente mas que me possibilita um reencontro com a classe trabalhadora. Eu havia encontrado os filhos da classe trabalhadora na minha infância e agora eu encontro os pais. E o SESI, em certo sentido, me radicaliza ao invés de me assistencializar. É exatamente do SESI a partir de 1946 que eu começo toda uma busca, toda uma pesquisa ao mesmo tempo no campo da prática, por exemplo trabalhando no campo da educação popular mesmo que não chamasse assim. De outro lado, foi um período de intensa preocupação reflexiva apoiado em leituras que me ajudavam nessa reflexão sobre a realidade brasileira. O SESI se apresenta para mim como um momento e um espaço de intenso aprendizado. As raízes mais profundas de tudo isso que se veio chamar depois de método Paulo Freire, uma designação que não me agrada muito, está lá.
Depois vem minha participação direta no movimento de cultura popular do Recife, que se antecipou a outros tantos movimentos de cultura popular no Brasil. Todo desenvolvimento da minha prática, da minha reflexão se dá no corpo desse movimento, depois eu me estendo até a universidade e coordeno o serviço de extensão cultural. Depois vem a experiência de Angicos onde se testa pela primeira vez em grande escala o que se chamou de método de alfabetização, depois eu vou até o plano nacional com ministro Paulo de Tarso no governo João Goulart e vem o golpe de Estado. O golpe frustra toda uma geração, e eu sou afastado da minha atividade na universidade, preso. Me aposentam quando eu não tinha nem tempo de serviço nem doença, nem queria me aposentar. Fui aposentado sem consulta e hoje eu ganho até muito bem, 800 mil cruzeiros na aposentadoria na Universidade Federal de Pernambuco. Daí eu parto para o exílio e vem toda uma vida de andarilhagem que eu experimentei, nos quase 16 anos de exílio onde eu trabalhei, me aprofundei na prática e na reflexão primeiro no Chile, depois nos Estados Unidos, depois morando em Genebra na Suíça mas me estendendo pelo mundo afora. É exatamente durante o exílio que tento por no papel, em alguns livros, em alguns trabalhos, alguma coisa que me parecia poder ser a fundamentação teórica da prática que eu vinha vivendo neste tempo. Numa síntese incompleta e imperfeita, este sou eu mas sou, sobretudo, um brasileiro para quem a terra dos outros também é boa. Eu não acho que só presta o que é da gente…
Eu não me enfermei, não adoeci por andar o mundo afora. Agora, é claro que eu jamais esqueci foi a minha raiz. Por isso o Brasil foi, nos meus tempos de exílio, sempre uma pre-ocupação. Para que ele pudesse ser uma pré-ocupação eu precisei me ocupar no tempo do exílio. E me ocupei nos espaços emprestados do exílio. Se eu não tivesse me ocupado no outro espaço eu não teria me preocupado com o Brasil. E aí seria o fim! No momento que foi possível, no chamado processo de abertura, a volta para o país, eu não hesitei, não contei até 10 e aqui estou desde 1980, tendo passado por aqui em 1979 para uma visita e em seguida voltei.
Pergunta:
Paulo, nesta sua apresentação você não conseguiu se desligar da sua própria história. Então, gostaria de acrescentar mais alguma coisa nesta sua apresentação desde sua infância, desde o Sesi até os dias atuais?
PAULO FREIRE
Sobre a minha formação, acrescentar um componente: como eu vim aprendendo no meu encontro com os grupos populares a respeitar a compreensão do mundo que os grupos populares estão tendo no momento em que o educador chega, por exemplo. E dentro dessa tentativa de compreensão que eu comecei a aprender com os grupos populares com os quais eu comecei a trabalhar muito moço eu incluiria a necessidade de entender as diferenças de classe do ponto de vista da linguagem. A maneira de compreender e explicar os fatos em que a gente se envolve. Muito cedo, nas minhas primeiras experiências como educador, percebi isso. De um lado eu comecei a entender que não era possível, trabalhando em educação popular com os grupos populares, que não era possível esquecer ou botar entre parênteses as aspirações do grupo popular, por exemplo, os fantasmas do grupo popular, as dúvidas, os sonhos, a sua forma de compreender-se em relação com o mundo objetivo e a sua maneira de expressar esta compreensão de si com o mundo que é a sua linguagem. Eu comecei muito cedo a entender que não era possível trabalhar com os grupos populares a não ser partindo deste universo da compreensão e da expressão que os grupos populares tivesse de si e do mundo. Por isso mesmo que eu estou dizendo que era para mim impossível trabalhar com eles como educador a não ser partindo da compreensão que estavam tendo, por isso mesmo eu disse ‘partindo da’, eu jamais pensei também que fosse correto ficar com os grupos populares ao nível da sua compreensão do mundo. É interessante… às vezes eu fico espantado quando eu ouço certa crítica, a mim insinuando que eu pretendo com o partir da compreensão, ficar nela. É incrível porque eu nunca pude compreender que partir significasse ficar. Quero dizer, você partir de algum lugar para alcançar outro. Partir é um verbo que implica, um verbo que envolve um movimento que tem um ponto de referência no deslocamento e um ponto de referência na chegada. Eu nunca disse ficar ao nível da compreensão popular mas jamais aceitei que fosse possível chegar a uma leitura mais rigorosa do real do mundo, uma compreensão mais concreta do mundo (que nós pensamos que é a mais concreta, mais objetiva) sem partir da leitura para mim também crítica do ponto de vista dos parâmetros do grupo popular que o grupo popular faz. Essa foi uma coisa eu poderia ter anexado à minha formação. Quero dizer, essa coisa eu ponho agora dentro de quem eu sou para mostrar que no fundo eu aprendi isso, e quem me ensinou isso foi exatamente a realidade na qual eu trabalhei com os grupos populares. É por causa desse aprendizado da obviedade que eu digo hoje que, se eu estou num lado de uma rua e penso por N razões de estar no outro lado, eu não posso fazer outra coisa senão atravessar a rua. Então eu saio do lado de cá e vou para o lado de lá. Eu só entendo o lá porque tem um cá, um aqui. Se não houvesse o aqui eu jamais entenderia o lá e vice versa. O que significa então é que ninguém chega lá partindo de lá, mas sempre partindo de um aqui. Um dos equívocos que cometemos os educadores enquanto políticos e os políticos enquanto educadores, as vezes os educadores cometem mais esse equívoco é não perceber que o aqui da gente é quase sempre o lá do educando. Então eu não posso arrancar o educando do seu aqui, trazê-lo ao meu aqui que é o lá dele. Por isso, para mim, um bom educador, uma boa educadora, tem que permanentemente experimentar a andarilhagem. A andarilhagem entre o seu aqui e o lá a que pretende ir e o aqui do grupo popular que tem no seu aqui o lá dele. O educador e a educadora que pensa concretamente, que pensa dialeticamente, dinamicamente, ele tem que estar para cá e para lá constantemente. E por isso que às vezes o sujeito pode cansar de andar tanto. Esse seria o outro ponto que tem a ver um pouco com a teoria da própria prática que eu acho se incorpora a minha própria biografia. Veja, eu não quero dar a impressão que essa coisa me pertence como exclusividade. Não! eu sou um entre um sem número de educadores e educadoras que pensam e praticam isso.
Pergunta:
Tornando mais complexo, tornando mais complicadas as coisas que nós estamos vivendo no mundo. Como é que a gente complica por exemplo a relação social, por exemplo a minha relação com o favelado, por exemplo a minha relação com o entendimento do favelado, da luta dele. Como é que a gente torna complicado, sou seja, como é que a gente faz teoria?
PAULO FREIRE
Do ponto de vista da compreensão, do lado nossa, da própria ida nossa ao grupo popular... Da compreensão que nós temos ou que estamos tendo dos fatos por exemplo… tem que ver com os procedimentos que nós usamos para nos aproximar dos fatos e dos objetos no sentido de conhecê-los. Procedimentos que nos darão mais ou menos rigorosidade ou nos farão mais ou menos rigorosos na aproximação ao objeto, na tomada de distância do objeto e que, em função dessa maior ou menor rigorosidade de aproximação ao objeto nos darão maior ou menor exatidão no achado. Veja que a linguagem está mais complicada… (rs) é terrível. Você perguntou até porque que a gente complica... Mas eu acho que essa coisa está embutida na sua pergunta. A nossa ida aos grupos populares, você vê que a gente está usando aqui ida, significa que a gente está fazendo exatamente um movimento que vai de fora para dentro. A gente não está lá, a gente não é de lá. Isso tem que ver exatamente com a posição da classe em que a gente se situa, em que a gente nasceu. Para mim a questão fundamental é saber… e aí que entra agora questão da opção política que eu acho fundamental para compreender a prática do educador. É a opção dele ou dela e depois a coerência com essa opção explicitada na sua prática. Portanto, como é que eu sou coerente no momento em que opto pelas classes populares e marcho (caminho) até lá, como é que eu busco ser coerente e já no ato de marchar até lá. Como é que a minha marcha até lá já tem que ser uma marcha não de quem invade mas de quem pretende companheirar-se, de quem pretende virar companheiro. Quero dizer, a minha viagem até lá tem que ser coerente com a opção que me fez viajar até lá. Por isso mesmo que não posso invadir a área a que essa viagem me leva. Nós temos que compreender também, para ficar apenas nesse ângulo do procedimento em torno do objeto ou da compreensão do fato, nós temos que, na relação com os grupos populares nos perguntar (eu diria: procurar confirmar, constatar, averiguar) como é também que os grupos populares se aproximam dos fatos? Quero dizer:
Pergunta:
Paulo, nesta sua apresentação você não conseguiu se desligar da sua própria história. Então, gostaria de acrescentar mais alguma coisa nesta sua apresentação desde sua infância, desde o Sesi até os dias atuais?
PAULO FREIRE
Sobre a minha formação, acrescentar um componente: como eu vim aprendendo no meu encontro com os grupos populares a respeitar a compreensão do mundo que os grupos populares estão tendo no momento em que o educador chega, por exemplo. E dentro dessa tentativa de compreensão que eu comecei a aprender com os grupos populares com os quais eu comecei a trabalhar muito moço eu incluiria a necessidade de entender as diferenças de classe do ponto de vista da linguagem. A maneira de compreender e explicar os fatos em que a gente se envolve. Muito cedo, nas minhas primeiras experiências como educador, percebi isso. De um lado eu comecei a entender que não era possível, trabalhando em educação popular com os grupos populares, que não era possível esquecer ou botar entre parênteses as aspirações do grupo popular, por exemplo, os fantasmas do grupo popular, as dúvidas, os sonhos, a sua forma de compreender-se em relação com o mundo objetivo e a sua maneira de expressar esta compreensão de si com o mundo que é a sua linguagem. Eu comecei muito cedo a entender que não era possível trabalhar com os grupos populares a não ser partindo deste universo da compreensão e da expressão que os grupos populares tivesse de si e do mundo. Por isso mesmo que eu estou dizendo que era para mim impossível trabalhar com eles como educador a não ser partindo da compreensão que estavam tendo, por isso mesmo eu disse ‘partindo da’, eu jamais pensei também que fosse correto ficar com os grupos populares ao nível da sua compreensão do mundo. É interessante… às vezes eu fico espantado quando eu ouço certa crítica, a mim insinuando que eu pretendo com o partir da compreensão, ficar nela. É incrível porque eu nunca pude compreender que partir significasse ficar. Quero dizer, você partir de algum lugar para alcançar outro. Partir é um verbo que implica, um verbo que envolve um movimento que tem um ponto de referência no deslocamento e um ponto de referência na chegada. Eu nunca disse ficar ao nível da compreensão popular mas jamais aceitei que fosse possível chegar a uma leitura mais rigorosa do real do mundo, uma compreensão mais concreta do mundo (que nós pensamos que é a mais concreta, mais objetiva) sem partir da leitura para mim também crítica do ponto de vista dos parâmetros do grupo popular que o grupo popular faz. Essa foi uma coisa eu poderia ter anexado à minha formação. Quero dizer, essa coisa eu ponho agora dentro de quem eu sou para mostrar que no fundo eu aprendi isso, e quem me ensinou isso foi exatamente a realidade na qual eu trabalhei com os grupos populares. É por causa desse aprendizado da obviedade que eu digo hoje que, se eu estou num lado de uma rua e penso por N razões de estar no outro lado, eu não posso fazer outra coisa senão atravessar a rua. Então eu saio do lado de cá e vou para o lado de lá. Eu só entendo o lá porque tem um cá, um aqui. Se não houvesse o aqui eu jamais entenderia o lá e vice versa. O que significa então é que ninguém chega lá partindo de lá, mas sempre partindo de um aqui. Um dos equívocos que cometemos os educadores enquanto políticos e os políticos enquanto educadores, as vezes os educadores cometem mais esse equívoco é não perceber que o aqui da gente é quase sempre o lá do educando. Então eu não posso arrancar o educando do seu aqui, trazê-lo ao meu aqui que é o lá dele. Por isso, para mim, um bom educador, uma boa educadora, tem que permanentemente experimentar a andarilhagem. A andarilhagem entre o seu aqui e o lá a que pretende ir e o aqui do grupo popular que tem no seu aqui o lá dele. O educador e a educadora que pensa concretamente, que pensa dialeticamente, dinamicamente, ele tem que estar para cá e para lá constantemente. E por isso que às vezes o sujeito pode cansar de andar tanto. Esse seria o outro ponto que tem a ver um pouco com a teoria da própria prática que eu acho se incorpora a minha própria biografia. Veja, eu não quero dar a impressão que essa coisa me pertence como exclusividade. Não! eu sou um entre um sem número de educadores e educadoras que pensam e praticam isso.
Pergunta:
Tornando mais complexo, tornando mais complicadas as coisas que nós estamos vivendo no mundo. Como é que a gente complica por exemplo a relação social, por exemplo a minha relação com o favelado, por exemplo a minha relação com o entendimento do favelado, da luta dele. Como é que a gente torna complicado, sou seja, como é que a gente faz teoria?
PAULO FREIRE
Do ponto de vista da compreensão, do lado nossa, da própria ida nossa ao grupo popular... Da compreensão que nós temos ou que estamos tendo dos fatos por exemplo… tem que ver com os procedimentos que nós usamos para nos aproximar dos fatos e dos objetos no sentido de conhecê-los. Procedimentos que nos darão mais ou menos rigorosidade ou nos farão mais ou menos rigorosos na aproximação ao objeto, na tomada de distância do objeto e que, em função dessa maior ou menor rigorosidade de aproximação ao objeto nos darão maior ou menor exatidão no achado. Veja que a linguagem está mais complicada… (rs) é terrível. Você perguntou até porque que a gente complica... Mas eu acho que essa coisa está embutida na sua pergunta. A nossa ida aos grupos populares, você vê que a gente está usando aqui ida, significa que a gente está fazendo exatamente um movimento que vai de fora para dentro. A gente não está lá, a gente não é de lá. Isso tem que ver exatamente com a posição da classe em que a gente se situa, em que a gente nasceu. Para mim a questão fundamental é saber… e aí que entra agora questão da opção política que eu acho fundamental para compreender a prática do educador. É a opção dele ou dela e depois a coerência com essa opção explicitada na sua prática. Portanto, como é que eu sou coerente no momento em que opto pelas classes populares e marcho (caminho) até lá, como é que eu busco ser coerente e já no ato de marchar até lá. Como é que a minha marcha até lá já tem que ser uma marcha não de quem invade mas de quem pretende companheirar-se, de quem pretende virar companheiro. Quero dizer, a minha viagem até lá tem que ser coerente com a opção que me fez viajar até lá. Por isso mesmo que não posso invadir a área a que essa viagem me leva. Nós temos que compreender também, para ficar apenas nesse ângulo do procedimento em torno do objeto ou da compreensão do fato, nós temos que, na relação com os grupos populares nos perguntar (eu diria: procurar confirmar, constatar, averiguar) como é também que os grupos populares se aproximam dos fatos? Quero dizer:
quais são os procedimentos que eles seguem, que eles usam para achar coisas?
Quais são as suas complicações?
No fundo isso: como é que se elabora esse saber?
Pergunta:
Paulo, tu falaste em acompanheirar-se. E isso que parece ser uma tônica importante do trabalho do educador com o grupo popular, do educador que não é do grupo popular. Talvez fosse importante a gente refletir um pouco o que significa esse acompanheirar-se uma vez que tu fala em situação de classe…. o que isso significa? em que consiste essa solidariedade em relação a esse objeto que está sendo discutido que vem a ser a transformação do mundo?
PAULO FREIRE
Muito bom… Amilcar Cabral que foi o grande líder na Guiné Bissau, mas sobretudo um líder africano… dificilmente não se encontraria Amilcar Cabral na história dos movimentos africanos de libertação independente de ter passado pelo país A, B ou C. Pelas cinco ex-colônias de Portugal não há dúvida que Amilcar portou com toda a luta, com a sua presença teórica, sua amorosidade, sua lucidez. Mas ele diz num de seus textos, quase vou repetir aqui textualmente… ele diz, analisando o que ele chamava de pequena burguesia nacional africana, ele diz que só há um caminho para a pequena burguesia nacional africana de um país A, B ou C, cumprir uma tarefa rigorosamente revolucionária, portanto a serviço do seu povo. Ele inclusive usa a palavra povo apesar da… para ele está muito claro quem é apesar do que possa haver de ambíguo no conceito. Para Amilcar, só há um caminho: é o do suicídio de classe por parte dos chamados intelectuais da pequena burguesia. Diz ele: eles terão que suicidar como classe para renascer como trabalhador revolucionário. Ora, eu não tenho dúvida nenhuma de que, simultaneamente a Amilcar sem porém ter lido Amilcar (eu li Amilcar depois de ter escrito a Pedagogia do Oprimido) mas na Pedagogia do Oprimido eu faço referência a isso que ele chamou de suicídio de classe, chamando de páscoa. Obviamente eu não tenho porque negar aí uma marca da minha formação cristã etc… mas eu desenvolvo até isso num certo momento da Pedagogia do Oprimido quando eu digo que nós temos que morrer enquanto classe dominante (não sei se eu usava classe dominante) para renascer. Isso é a páscoa como travessia etc. Essa experiência que Marx fez, que Guevara fez, que Fidel fez e continua fazendo, que os revolucionários verdadeiros que vieram da classe burguesa e pequeno burguesa tiveram que fazer…. essa experiência não é realmente fácil, é profundamente demandante. É no núcleo disso que eu situei, que eu usei o acompanheirar-se. Eu não estou dizendo que o intelectual deixe o seu bairro de classe média e vá morar na favela para acompanheirar-se. Eu acho que essa solidariedade não é necessariamente assim. Inclusive às vezes fazendo-se isso perde-se a possibilidade de uma maior atuação política. Mas o tornar-se companheiro do companheiro que está lá, para mim demanda, exige esse suicídio a que Cabral se referia. Essa superação, esse estar com a massa popular e não apenas para ela, e nunca sobre ela. Isso vai exigir então uma enorme coerência. Eu acho que um intelectual que não se esforça no sentido de compreender a linguagem metafórica popular, um intelectual que chega à área popular convencido de que o corpo individual e social da área popular é o corpo vazio de saber e que se desconhece que o fato mesmo de que as classes populares têm uma certa prática é suficiente para lhes dar uma certa sabedoria, e que esquecendo então como se gesta esta sabedoria e desrespeitando a validade dessa sabedoria pretende impor, em nome da salvação da classe popular que se dá pela revolução, a teoria para ele acabada da revolução, para mim (apesar de ter seus méritos porque há muito sacrifício também entre os que fazem isso) eu acho que os que fazem isso não chegaram a acompanheirar-se. Eu acho que a solidariedade não é que o intelectual de repente diga: eu sou igual aos outros. Não, ele tem uma função diferente, e uma função organizadora da cultura. O Gramsci está absolutamente certo. Mas o que não é possível é primeiro desconhecer que os grupos populares também são intelectuais. Eles podem não ter tarefas intelectuais. Então é neste sentido que eu colocava o acompanheirar-se.
Pergunta:
Continuando um pouco dentro dessa reflexão, quando se fala na relação educador-educando, esse acompanheirar-se vai acontecendo na medida em que ambos vão se reeducando. Quando se fala em termos de cultura popular, como tu poderia explicitar um pouco melhor esse aprender do intelectual que tu dizes ter uma papel e uma função inclusive organizativa. Acho essa questão importante porque a gente como educador vai até o meio popular, em que consiste o nosso aprendizado uma vez que a nossa tarefa é de organização?
PAULO FREIRE
Esse é um problema fundamental. É interessante observar como diante desta questão que tu colocas a gente pode ter, grosso modo, duas respostas falhas e falsas. Ambas com nome próprio. A primeira seria aquela segundo a qual a verdade organizativa, a verdade da sabedoria, a verdade das opções está exclusivamente nas bases populares. Olhe, quando a gente se põe diante desta indagação que tu fizeste, em uma posição excludente… eu acho que a gente pifa. Então veja: se eu olho… porque esta pergunta tua tem que ver com o papel do intelectual e o papel do grupo popular. Então, se eu me defino, porque a verdade toda está na base popular, coerentemente eu tenho que negar a mais mínima contribuição da teoria, eu tenho que negar a mais mínima, e veja que isso já é inviável… ninguém pode praticar sem teorizar, ninguém pode praticar sem que não haja na prática uma teoria embutida… ela pode não estar sendo vista, percebida. Mas se eu opto por isso, se eu me inclino para esta posição do reforço, da ênfase, da exclusividade da base popular, eu nego a teoria acadêmica por exemplo; eu digo:
Pergunta:
Paulo, tu falaste em acompanheirar-se. E isso que parece ser uma tônica importante do trabalho do educador com o grupo popular, do educador que não é do grupo popular. Talvez fosse importante a gente refletir um pouco o que significa esse acompanheirar-se uma vez que tu fala em situação de classe…. o que isso significa? em que consiste essa solidariedade em relação a esse objeto que está sendo discutido que vem a ser a transformação do mundo?
PAULO FREIRE
Muito bom… Amilcar Cabral que foi o grande líder na Guiné Bissau, mas sobretudo um líder africano… dificilmente não se encontraria Amilcar Cabral na história dos movimentos africanos de libertação independente de ter passado pelo país A, B ou C. Pelas cinco ex-colônias de Portugal não há dúvida que Amilcar portou com toda a luta, com a sua presença teórica, sua amorosidade, sua lucidez. Mas ele diz num de seus textos, quase vou repetir aqui textualmente… ele diz, analisando o que ele chamava de pequena burguesia nacional africana, ele diz que só há um caminho para a pequena burguesia nacional africana de um país A, B ou C, cumprir uma tarefa rigorosamente revolucionária, portanto a serviço do seu povo. Ele inclusive usa a palavra povo apesar da… para ele está muito claro quem é apesar do que possa haver de ambíguo no conceito. Para Amilcar, só há um caminho: é o do suicídio de classe por parte dos chamados intelectuais da pequena burguesia. Diz ele: eles terão que suicidar como classe para renascer como trabalhador revolucionário. Ora, eu não tenho dúvida nenhuma de que, simultaneamente a Amilcar sem porém ter lido Amilcar (eu li Amilcar depois de ter escrito a Pedagogia do Oprimido) mas na Pedagogia do Oprimido eu faço referência a isso que ele chamou de suicídio de classe, chamando de páscoa. Obviamente eu não tenho porque negar aí uma marca da minha formação cristã etc… mas eu desenvolvo até isso num certo momento da Pedagogia do Oprimido quando eu digo que nós temos que morrer enquanto classe dominante (não sei se eu usava classe dominante) para renascer. Isso é a páscoa como travessia etc. Essa experiência que Marx fez, que Guevara fez, que Fidel fez e continua fazendo, que os revolucionários verdadeiros que vieram da classe burguesa e pequeno burguesa tiveram que fazer…. essa experiência não é realmente fácil, é profundamente demandante. É no núcleo disso que eu situei, que eu usei o acompanheirar-se. Eu não estou dizendo que o intelectual deixe o seu bairro de classe média e vá morar na favela para acompanheirar-se. Eu acho que essa solidariedade não é necessariamente assim. Inclusive às vezes fazendo-se isso perde-se a possibilidade de uma maior atuação política. Mas o tornar-se companheiro do companheiro que está lá, para mim demanda, exige esse suicídio a que Cabral se referia. Essa superação, esse estar com a massa popular e não apenas para ela, e nunca sobre ela. Isso vai exigir então uma enorme coerência. Eu acho que um intelectual que não se esforça no sentido de compreender a linguagem metafórica popular, um intelectual que chega à área popular convencido de que o corpo individual e social da área popular é o corpo vazio de saber e que se desconhece que o fato mesmo de que as classes populares têm uma certa prática é suficiente para lhes dar uma certa sabedoria, e que esquecendo então como se gesta esta sabedoria e desrespeitando a validade dessa sabedoria pretende impor, em nome da salvação da classe popular que se dá pela revolução, a teoria para ele acabada da revolução, para mim (apesar de ter seus méritos porque há muito sacrifício também entre os que fazem isso) eu acho que os que fazem isso não chegaram a acompanheirar-se. Eu acho que a solidariedade não é que o intelectual de repente diga: eu sou igual aos outros. Não, ele tem uma função diferente, e uma função organizadora da cultura. O Gramsci está absolutamente certo. Mas o que não é possível é primeiro desconhecer que os grupos populares também são intelectuais. Eles podem não ter tarefas intelectuais. Então é neste sentido que eu colocava o acompanheirar-se.
Pergunta:
Continuando um pouco dentro dessa reflexão, quando se fala na relação educador-educando, esse acompanheirar-se vai acontecendo na medida em que ambos vão se reeducando. Quando se fala em termos de cultura popular, como tu poderia explicitar um pouco melhor esse aprender do intelectual que tu dizes ter uma papel e uma função inclusive organizativa. Acho essa questão importante porque a gente como educador vai até o meio popular, em que consiste o nosso aprendizado uma vez que a nossa tarefa é de organização?
PAULO FREIRE
Esse é um problema fundamental. É interessante observar como diante desta questão que tu colocas a gente pode ter, grosso modo, duas respostas falhas e falsas. Ambas com nome próprio. A primeira seria aquela segundo a qual a verdade organizativa, a verdade da sabedoria, a verdade das opções está exclusivamente nas bases populares. Olhe, quando a gente se põe diante desta indagação que tu fizeste, em uma posição excludente… eu acho que a gente pifa. Então veja: se eu olho… porque esta pergunta tua tem que ver com o papel do intelectual e o papel do grupo popular. Então, se eu me defino, porque a verdade toda está na base popular, coerentemente eu tenho que negar a mais mínima contribuição da teoria, eu tenho que negar a mais mínima, e veja que isso já é inviável… ninguém pode praticar sem teorizar, ninguém pode praticar sem que não haja na prática uma teoria embutida… ela pode não estar sendo vista, percebida. Mas se eu opto por isso, se eu me inclino para esta posição do reforço, da ênfase, da exclusividade da base popular, eu nego a teoria acadêmica por exemplo; eu digo:
- não tenho nada que ver com a academia, a academia é toda ela uma maluquice, um blablablá.
Eu nego um intelectual como o professor Roberto Romano por exemplo… Eu diria, se a minha perspectiva é essa da base, num encontro ou num seminário de fim de semana para discutir a prática da educação popular, eu não posso admitir a presença do professor Gadotti, nem do professor Romano porque eles não têm nada o que fazer, nada a dizer, são excelentes professores lá na universidade. Eu admito aqui o Brandão porque além de ser um excelente antropólogo e professor da unicamp, um excelente intelectual, ele também vez por outra se dá às intimidades com os brasileiros então este eu aceito. Veja que essa posição é absolutamente falsa, absolutamente errada. Essa posição é a que nega o papel da reflexão teórica… eu não tenho dúvida que o professor Romano sem ter ido a favela pode dar uma excelente contribuição a um grupo de educadores populares que o apresentem um problema teórico e sobre o qual ele pense e reflete. O que pode haver é uma dificuldade do professor Romano é de traduzir. Dificuldade que nós temos e que começamos a diminuir quando vocês, por exemplo, sendo bons intelectuais se metem na área popular. Então a dificuldade do Romano poderia ser de traduzir mais popularmente certos conceitos que explicitam uma aproximação rigorosa ao objeto. Mas não pode é negar a contribuição que ele pode dar. Então essa seria a primeira possibilidade de um enorme equívoco.
A segunda é a de negar a validade de tudo o que se faz na área popular, a de negar a validade e a importância do senso comum. A segunda seria a dicotomia, a negação do senso comum e a única aceitação da rigorosidade acadêmica. Então, essa postura… enquanto a primeira é uma postura basista que conduz a um certo espontaneísmo, um certo populismo e que distorce a prática popular, a segunda é elitista. Ambas são autoritárias no meu entender. Um autoritarismo elitista do lado de certos teóricos que terminam sendo mals teóricos, principalmente porque cortam, porque não descobrem que a teoria é histórica e por isso tem historicidade… a teoria não é um à priori do mundo, um à priori da história, não: ela se dá na história, ela se dá na medida em que o ser humano primeiro praticou o mundo, primeiro alterou e cambiou o mundo. E então no transformar o mundo vem embutida uma certa explicação que ilumina o próprio ato. Então eu acho que o grande problema da gente como intelectual que adere a transformação radical da sociedade é saber até que ponto, na nossa caminhada, nós vivemos a experiência da coerência. De um lado negando, fugindo ao perigo e à tentação das explicações e das práticas basistas; do outro lado, de como correr também para longe das tentações elitistas. Então, para concluir a tua pergunta e de certa maneira bater um pouco no que Adriano colocava antes, eu acho…. e nisso Gramsci também, nisso que eu vou dizer, ele é muito claro…. no fundo eu acho que o que a gente teria que fazer era juntar à sensibilidade popular diante do concreto, a nossa capacidade de apreensão crítica do concreto. Eu acho que, nem a sensibilidade só (que é tipicamente popular) explica o fato, e a tentativa de compreensão do fato a nível de apreensão crítica que negue a sensibilidade… eu diria agora: a criticidade que não se molha da sensibilidade, para mim distorce o seu achado. Eu acho que um dos trabalhos nossos, exatamente o de como viver essa tensão permanente entre o conhecimento que fica ao nível da sensibilidade do fato que é preponderantemente o que se dá na área popular, que oferece (eu penso que é), que explica dar vez que seja…. Quero dizer: como conciliar, como viver a tensão entre esse tipo de conhecimento que para mais ou menos ao nível da sensibilidade para alcançar o conhecimento que, sendo histórico, nos entrega as razões de ser atuais pelo menos do fato.
Tereza: Seria como se o intelectual tivesse que colocar sua teoria em risco?
PAULO FREIRE
Ótima pergunta, obrigado.
Eu diria mais o seguinte: eu acho que não há criatividade sem risco, nem há desenvolvimento intelectual sem risco. Para mim uma das coisas terríveis da educação que nós estamos vivendo no Brasil é que ela vem sendo sobretudo uma educação da resposta e não uma educação da pergunta, da pergunta fundamental. Eu acho que para uma filósofa essa coisa bate muito. A impressão que eu tenho é que nós estamos entrando nas salas com respostas cujas perguntas fundamentais se perderam no tempo, e a gente nem sabe quais foram elas mas a gente chega dá as respostas ao educando. E o educando pensa: eu nem perguntei. E essa ação da resposta castra a curiosidade necessária do educando que teria que se expressar na pergunta. Agora, veja: o ato de perguntar que faz parte fundamentalmente do ato de conhecer não pode ser assumido sem risco. Pra mim não é possível conhecer sem arriscar-se.
Adriano.
Uma parte da nossa tradição universitária faz com que a gente coloque teoria e prática lado a lado e separadas às vezes. É muito comum a gente ouvir na universidade: se aprende para poder aplicar depois. Você vai, estuda e vem aqui aplicar. Pelo o que tu está dizendo, eu estou vendo o explodir do político, o emergir da política. Quando a gente desvela ciência naquilo que fazemos, e estou supondo fazendo como os intelectuais comprometidos com os grupos populares... Então quando a gente desvela, garimpa a ciência dentro daquilo que fazemos, (por isso eu chamei de explosão) a gente está estudando as decorrências políticas, daí emerge o político, porque a gente vai ver que aquilo que fizemos está grávido de conceito e tem repercussões que, uma vez faladas, são maiores do que a simples enunciação. Porque desvelar supõe, como tu dizias há tempos já, decodificação, e decodificação é o ato político porque supõe explicitada a relação.
Quero acrescentar ao Adriano… você poderia, ao narrar alguma experiência de educação, explicitar ou falar um pouco mais daquilo que a gente vê acontecer sempre quando as pessoas, os educadores, as educadoras tentam vivenciar essa educação. Em grupos populares, em educação popular, mesmo quando você fala… e hoje a gente vive, por exemplo, muito forte a ideia de consciência do grupo…. a criatividade fica muito forte. O político é muito presente. E o gostar, o interessar, esse conhecer esse mundo ou trabalhar nesse mundo com muito entusiasmo, humor e alegria. Não sei se relaciona com a sua vida… você poderia explicitar um pouco isso narrando alguma prática concreta sua.
PAULO FREIRE
Eu faria uma contraproposta. Como estamos numa reunião muito informal em que a gente espera ser útil ou criar um produto que possa ser útil depois... Eu entendi perfeitamente a tua questão e eu teria alguma coisa pra dizer como eu vejo a questão. Mas quem sabe posteriormente, mesmo que pela própria natureza desta reunião, eu deva ser em certos momentos uma espécie de centro das perguntas mas talvez fosse interessante se alguém aqui… coincidentemente você me fez algumas referências sobre isso antes de começarmos essa conversa aqui. Talvez fosse interessante que alguém aqui, vocês que tem muita experiência, vocês que tem vivido isso, dissessem como vocês têm experimentado essa posição, essa atitude de grupos populares que participam de um trabalho educativo, que parte deles e não de nós. E eu digo depois como eu vejo essa questão…
Para para trocar a fita, encerra esta gravação.
-------------------------------------------------------------
Participaram da entrevista:
- Zilda Santesso, orientação do serviço de apoio ao estudante na Unicamp. Tem trabalho popular num dos bairros da periferia de Campinas
- Debora Mazza, assessora da secretaria de promoção social da prefeitura de campinas para assuntos relacionados com Educação. Mestranda em ciências sociais aplicadas a educação na unicamp
- Gina, orientadora educacional no serviço de apoio ao estudante. Trabalha também num bairro periférico de Campinas
- Adriano, educador. Assessorando dois trabalhos em educação popular, acompanha o trabalho do Paulo na Unicamp.
- Elisabete, trabalha na área da periferia de Campinas.
- Maria Tereza Papaleu, de Porto Alegre. Como educadora no ensino secundário e um trabalho de periferia em Canoas. Dentre suas paixões estão a filosofia e a educação.
A segunda é a de negar a validade de tudo o que se faz na área popular, a de negar a validade e a importância do senso comum. A segunda seria a dicotomia, a negação do senso comum e a única aceitação da rigorosidade acadêmica. Então, essa postura… enquanto a primeira é uma postura basista que conduz a um certo espontaneísmo, um certo populismo e que distorce a prática popular, a segunda é elitista. Ambas são autoritárias no meu entender. Um autoritarismo elitista do lado de certos teóricos que terminam sendo mals teóricos, principalmente porque cortam, porque não descobrem que a teoria é histórica e por isso tem historicidade… a teoria não é um à priori do mundo, um à priori da história, não: ela se dá na história, ela se dá na medida em que o ser humano primeiro praticou o mundo, primeiro alterou e cambiou o mundo. E então no transformar o mundo vem embutida uma certa explicação que ilumina o próprio ato. Então eu acho que o grande problema da gente como intelectual que adere a transformação radical da sociedade é saber até que ponto, na nossa caminhada, nós vivemos a experiência da coerência. De um lado negando, fugindo ao perigo e à tentação das explicações e das práticas basistas; do outro lado, de como correr também para longe das tentações elitistas. Então, para concluir a tua pergunta e de certa maneira bater um pouco no que Adriano colocava antes, eu acho…. e nisso Gramsci também, nisso que eu vou dizer, ele é muito claro…. no fundo eu acho que o que a gente teria que fazer era juntar à sensibilidade popular diante do concreto, a nossa capacidade de apreensão crítica do concreto. Eu acho que, nem a sensibilidade só (que é tipicamente popular) explica o fato, e a tentativa de compreensão do fato a nível de apreensão crítica que negue a sensibilidade… eu diria agora: a criticidade que não se molha da sensibilidade, para mim distorce o seu achado. Eu acho que um dos trabalhos nossos, exatamente o de como viver essa tensão permanente entre o conhecimento que fica ao nível da sensibilidade do fato que é preponderantemente o que se dá na área popular, que oferece (eu penso que é), que explica dar vez que seja…. Quero dizer: como conciliar, como viver a tensão entre esse tipo de conhecimento que para mais ou menos ao nível da sensibilidade para alcançar o conhecimento que, sendo histórico, nos entrega as razões de ser atuais pelo menos do fato.
Tereza: Seria como se o intelectual tivesse que colocar sua teoria em risco?
PAULO FREIRE
Ótima pergunta, obrigado.
Eu diria mais o seguinte: eu acho que não há criatividade sem risco, nem há desenvolvimento intelectual sem risco. Para mim uma das coisas terríveis da educação que nós estamos vivendo no Brasil é que ela vem sendo sobretudo uma educação da resposta e não uma educação da pergunta, da pergunta fundamental. Eu acho que para uma filósofa essa coisa bate muito. A impressão que eu tenho é que nós estamos entrando nas salas com respostas cujas perguntas fundamentais se perderam no tempo, e a gente nem sabe quais foram elas mas a gente chega dá as respostas ao educando. E o educando pensa: eu nem perguntei. E essa ação da resposta castra a curiosidade necessária do educando que teria que se expressar na pergunta. Agora, veja: o ato de perguntar que faz parte fundamentalmente do ato de conhecer não pode ser assumido sem risco. Pra mim não é possível conhecer sem arriscar-se.
Adriano.
Uma parte da nossa tradição universitária faz com que a gente coloque teoria e prática lado a lado e separadas às vezes. É muito comum a gente ouvir na universidade: se aprende para poder aplicar depois. Você vai, estuda e vem aqui aplicar. Pelo o que tu está dizendo, eu estou vendo o explodir do político, o emergir da política. Quando a gente desvela ciência naquilo que fazemos, e estou supondo fazendo como os intelectuais comprometidos com os grupos populares... Então quando a gente desvela, garimpa a ciência dentro daquilo que fazemos, (por isso eu chamei de explosão) a gente está estudando as decorrências políticas, daí emerge o político, porque a gente vai ver que aquilo que fizemos está grávido de conceito e tem repercussões que, uma vez faladas, são maiores do que a simples enunciação. Porque desvelar supõe, como tu dizias há tempos já, decodificação, e decodificação é o ato político porque supõe explicitada a relação.
Quero acrescentar ao Adriano… você poderia, ao narrar alguma experiência de educação, explicitar ou falar um pouco mais daquilo que a gente vê acontecer sempre quando as pessoas, os educadores, as educadoras tentam vivenciar essa educação. Em grupos populares, em educação popular, mesmo quando você fala… e hoje a gente vive, por exemplo, muito forte a ideia de consciência do grupo…. a criatividade fica muito forte. O político é muito presente. E o gostar, o interessar, esse conhecer esse mundo ou trabalhar nesse mundo com muito entusiasmo, humor e alegria. Não sei se relaciona com a sua vida… você poderia explicitar um pouco isso narrando alguma prática concreta sua.
PAULO FREIRE
Eu faria uma contraproposta. Como estamos numa reunião muito informal em que a gente espera ser útil ou criar um produto que possa ser útil depois... Eu entendi perfeitamente a tua questão e eu teria alguma coisa pra dizer como eu vejo a questão. Mas quem sabe posteriormente, mesmo que pela própria natureza desta reunião, eu deva ser em certos momentos uma espécie de centro das perguntas mas talvez fosse interessante se alguém aqui… coincidentemente você me fez algumas referências sobre isso antes de começarmos essa conversa aqui. Talvez fosse interessante que alguém aqui, vocês que tem muita experiência, vocês que tem vivido isso, dissessem como vocês têm experimentado essa posição, essa atitude de grupos populares que participam de um trabalho educativo, que parte deles e não de nós. E eu digo depois como eu vejo essa questão…
Para para trocar a fita, encerra esta gravação.
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Participaram da entrevista:
- Zilda Santesso, orientação do serviço de apoio ao estudante na Unicamp. Tem trabalho popular num dos bairros da periferia de Campinas
- Debora Mazza, assessora da secretaria de promoção social da prefeitura de campinas para assuntos relacionados com Educação. Mestranda em ciências sociais aplicadas a educação na unicamp
- Gina, orientadora educacional no serviço de apoio ao estudante. Trabalha também num bairro periférico de Campinas
- Adriano, educador. Assessorando dois trabalhos em educação popular, acompanha o trabalho do Paulo na Unicamp.
- Elisabete, trabalha na área da periferia de Campinas.
- Maria Tereza Papaleu, de Porto Alegre. Como educadora no ensino secundário e um trabalho de periferia em Canoas. Dentre suas paixões estão a filosofia e a educação.
Bate forte o tambor
Amazonas é o maior estado brasileiro em extensão territorial. Sua capital é Manaus. Parintins é a segunda cidade mais populosa do estado. É mundialmente conhecida pelo Festival Folclórico de Parintins.
Bate forte o tambor / Que eu quero é tic tic tic tic tac / É nesta dança que meu boi balança / E o povão de fora vem para brincar / É nesta dança que meu boi balança / E o povão de fora vem para brincar...
Bate forte o tambor / Que eu quero é tic tic tic tic tac / É nesta dança que meu boi balança / E o povão de fora vem para brincar / É nesta dança que meu boi balança / E o povão de fora vem para brincar...
Toada de Boi é tradição que traz muita gente para a festa de Parintins. Não foi o caso de nosso personagem. Ele não foi ao Amazonas para a festa de Parintins. Ele carregava a festa dentro de si. Por muito tempo guardou no peito um desejo incontido de conhecer a região Norte do Brasil. Esse desejo foi, durante os anos de espera, se materializando em leituras, estudos, conversas com toda a gente que trouxesse elementos, histórias, experiências amazônicas. Tinha especial interesse pela floresta e seus mistérios, pelos rios em sua imensidão de água, pela gente da floresta e pelos povos indígenas. Pela geografia enfim. Desconfiava que o suposto des-envolvimento do Brasil, marcadamente econômico e supostamente social seriam, por assim dizer, um grande equívoco. Porque a exploração desenfreada e gananciosa dos recursos naturais produzem um modo de viver “sem vida”, desvitalizam, agridem a Mãe Terra, esse frágil planeta azul. Geram destruição: poluem as águas e o ar, envenenam o solo. Ele queria mesmo é comer peixe de rio, fresco, que nada rio acima e rio abaixo procurando comida. Ele queria comer açaí do pé, tomar suco da fruta. Estava cansado da gastronomia dos congelados, da proteína criada em confinamento e à base de ração de soja, dos sucos de polpa ou de caixinha.
As barrancas de terras caídas / Faz barrento o nosso rio mar / As barrancas de terras caídas / Faz barrento o nosso rio mar
De Manaus partiu para o interior. Pegou a primeira “estrada”, no caso o Rio Negro já no contato com o Solimões. Primeira grande descoberta: a diferença gritante de coloração. Não se conteve, mergulhou. Precisava sentir com o corpo inteiro aquilo que conhecia pelos livros. Percebeu a diferença de temperatura, de densidade e se certificou que ambos não se misturam. As águas do Negro e do Solimões fluem lado a lado por quilômetros. Na esquina do Rio Amazonas com o Madeira, virou à direita e durante horas olhou, do barco, as barrancas de terra caída, a floresta, as casas em palafitas e canoas atracadas, gente roçando mandioca.
Amazonas rio da minha vida / Imagem tão linda / Que meu Deus criou / Fez o céu a mata e a terra / Uniu os caboclos / Construiu o amor
Amazonas rio da minha vida / Imagem tão linda / Que meu Deus criou / Fez o céu a mata e a terra / Uniu os caboclos / Construiu o amor
É como se devorasse tudo com a boca, os olhos, os sentidos, o corpo enfim. Sentia a exuberância de vida que pulsava nas águas e na floresta. Sobretudo a gente do interior do estado. Gente simples, gente humilde, gente boa. Que sabe esperar, sabe receber. E que ensina nosso personagem que o envolvimento é o caminho para que a vida seja mais viva. Porque no limite, principalmente em tempo de pandemia, o que temos de verdade é uns aos outros. E bate forte o tambor.
Tic tic tac é uma toada de boi composta pelo pescador Braulino Lima.
Tic tic tac é uma toada de boi composta pelo pescador Braulino Lima.
Escolarizando o mundo - (transcrição)
Documentário: Escolarizando o Mundo
EUA, Índia, 2010, 65 min. -
Direção: Carol Black
Ladakh índia
Texto das legendas, tradução dos diálogos no
documentário.
“A minha filha mais nova se mudou para cidade
para frequentar a escola. A mais velha também se foi com o seu marido para
mandar seus filhos para a escola em Leh. Eu fico aqui sozinha para cuidar da
casa... Regar as plantações, cuidar das vacas... Não é como era antes. Estão
todos ‘educados’ agora. Então eles não ficam aqui. Era mais feliz quando
estávamos todos aqui juntos... Mas eles dizem que temos que mandá-los para a escola”.
Uma pintura de 1872, chamada “Progresso
Americano” mostra uma mulher branca flutuando sobre as planícies do oeste norte-americano.
Colonos brancos a seguem... Enquanto índios animais selvagens fogem. Em sua
testa ela veste a estrela do império. Em sua mão direita ela traz um livro
escolar. Conforme os Estados Unidos toma o oeste, milhares de crianças nativas
são retiradas à força de suas famílias e enviadas para internatos administrados
pelo governo. O objetivo é evidente: é destruir o seu modo de vida.
“Para civilizar os índios... Insira-os em nossa
civilização e quando nós os tivermos nela... Segure-os lá até que estejam
completamente imersos.”
– General Richard Pratt, fundador da Escola
Indígena da Carlisle.
“Deixe tudo que for indígena dentro de você
morrer.”
- Discurso de inauguração da Escola Indígena de
Carlisle.
Na Índia, os ingleses também estão
escolarizando uma nação.
“Nós devemos no momento fazer o nosso melhor
para formar... Uma classe de pessoas indianas de sangue e cor... mas inglesas
em gosto, em opiniões, em moral, em intelecto.”
- Lorde Macaulay em “Minuta sobre Educação
Indiana.”
Os próximos a serem educados são os cubanos e
os filipinos. O exército americano invade as Filipinas; Mais de 500.000 civis
são mortos. Um exército de professores é enviado para educar os sobreviventes.
Um desenho do período mostra um homem branco carregando uma figura de pele
escura para uma escola. Com o titulo: “O fardo do Homem Branco”. “A bandeira
americana não foi fincada em solo estrangeiro para adquirir mais território...
mas sim para o bem da humanidade.”
ESCOLARIZANDO
O MUNDO O ÚLTIMO FARDO DO HOMEM BRANCO
Tradicionalmente nós criamos nossas crianças de
acordo com os ensinamentos de Buda. Mas agora, com o desenvolvimento, todos
mandam suas crianças para a escola... E os antigos valores de bondade e
compaixão estão começando a declinar. Agora as pessoas estão pensando: “eu
tenho que ser um médico ou um engenheiro.” E as formas tradicionais de
compaixão, bondade, e ajuda estão lentamente desaparecendo. Através de nossa
“miopia cultural” achamos que educamos nossas crianças, enviamos nossas
crianças para escola, nós temos uma forma de enculturar crianças em nossa
sociedade, que é a educação. E povos que não seguem aqueles mesmo padrões de
educação, de alguma forma, não educam seus filhos. E com certeza, isto é um
absurdo.
Antes da escolarização moderna, nossa educação
focava ensinamentos espirituais... Mas agora a ênfase é no sucesso material.
Pessoas vão a escola para que possam ganhar muito dinheiro, ter uma grande
casa, dirigir um bom carro... Toda ideia de aprendizagem foi transformada para
significar: “Como eu posso ganhar muito dinheiro?”
Hoje, a escolarização ocidental é responsável
por introduzir uma monocultura humana ao redor do mundo todo. Praticamente um
mesmo currículo está sendo ensinado e está treinando pessoas para empregos
muito escassos. Mas para empregos em uma cultura urbana e de consumo. A
diversidade de cultura, assim como a diversidade de indivíduos únicos, está
sendo destruída dessa forma.
Os
antigos missionários
(Escola Missionária Moráviana Leh)
Essa escola que foi estabelecida, chamada
Escola Missionária Moráviana era secular no sentido de serem dados alguns
ensinamentos cristãos. Como parte da propagação evangélica feita pelos
Morávianos. (Reverendo Elijah Gergen, Diretor da Escola Missionária Moráviana).
O diretor: A Escola Missionária Moráviana foi
fundada por missionários alemães. É considerada uma das melhores escolas de
Ladakh. Em 1887, quando a escola abriu
pela primeira vez, haviam certas percepções que eram erradas, por exemplo...
Uma escola iniciada por missionários... Em uma esquina... Deve ter algum
interesse por trás. De conversão. De ensinamentos que estão em conflito com os
ensinamentos da sociedade tradicional, em conflito com a religião.
As crianças: “Pai nosso que estais no céu,
santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino, Seja feita a vossa
vontade, assim na terra como no céu...”.
O diretor: Me disseram que as crianças tinham
que vir a força para a escola, e as pessoas simplesmente não mandavam as
crianças para escola.
As crianças: “E perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido...”
O diretor: Eu acredito firmemente que a
existência de um sistema de educação secular e uma sociedade cosmopolita não
deveria ser o custo de perder as características culturais de Ladakh.
As crianças: “E não nos deixe cair em tentação,
mas livrai-nos do mal, pois Teu é o reino, e o poder, e a glória para sempre.
Amém”.
O diretor: Se você perdeu sua história você perdeu
tudo.
Uma
cultura tradicional
É um ecossistema, uma rede complexa de relações
entre humanos e a terra onde eles vivem. Cada elemento está interligada com
outros e como qualquer ecossistema mudanças repentinas tem efeitos
imprevisíveis.
“Nós somos a juventude da nação”...........
Seis
mil vozes
“A grande lição da antropologia é a ideia de que o mundo no qual você nasceu não
existe em um senso absoluto. É apenas um modelo de realidade. A consequência de
um conjunto particular de escolhas de adaptação que seus antepassados fizeram,
de alguma forma com sucesso, há muitas gerações atrás. E as outras pessoas do
mundo não são tentativas falhas de ser você. Ou no nosso caso, tentativas
falhas de modernidade. Elas são por definição, facetas únicas de imaginação
humana. E quando perguntadas sobre o significado de ser-humano, elas respondem
com seis mil vozes diferentes. E essas vozes coletivamente tornam-se o repertório
humano para lidar com os desafios que irão nos confrontar nos próximos
milênios. Nós sempre tivemos essa ideia de que nossa sociedade não é uma
cultura, mas sim o mundo real. E essas outras culturas de fora, elas sim são as
culturas. Esse tipo de miopia cultural
que realmente não podemos mais ter. E nós não somos a real inexorável onda da
história. Nós somos apenas outro conjunto de possibilidades. Nós somos apenas
outra realidade cultural com escolhas que nós fizemos. E é por isso que todo o
aspecto de criar uma criança e educa-la nos responsabiliza em olhar os modelos
de enculturação, de iniciação, de trazer as crianças para o universo adulto que
outras sociedades celebraram e desenvolveram ao longo de milhares de anos de
experiência”.
Wade Davis Etnobotânico, explorador residente
National Geographic Society.
“Não há duvidas de que se nós olharmos
honestamente as formas tradicionais de educação e compará-las ao sistema de
educação atual veremos que as formas tradicionais de conhecimento promoveram sustentabilidade.
Todas essas culturas não foram perfeitas. Mas elas conheciam seu próprio e
específico clima, solo, água, e elas conseguiram sobreviver independentemente,
responsáveis por suas próprias vidas, por geração após geração Na economia
moderna e com o sistema educacional moderno, as crianças não aprendem nada
daquilo, mas ao invés disso elas aprendem basicamente como usar produtos
corporativos em uma cultura urbana de consumo. Então uma vez educadas em
escolas modernas, elas literalmente não sambem como sobreviver em seu próprio
meio-ambiente.”
Helena Norberge-Hodge - Sociedade Internacional
pela Ecologia e pela Cultura
Os que saem para ir para a escola não sabem
fazer nada aqui. Eles não sabem como levar os animais para pastar, como cuidar
das plantações. Eles não conseguem fazer nada.
“Educação não é simplesmente a transmissão de
informação, é por definição a transmissão, e de fato a enculturação, ou poderia
ser dito mais duramente, a doutrinação de uma criança para uma certa forma de
saber, de aprender, de ser. E novamente, quando nós projetamos nossas noções de
que educação é ou o que uma forma de ser é em outros continentes na vida de
outras pessoas, nós esquecemos que nós estamos projetando apenas algo que nós
mesmos inventamos. E uma das coisas que vejo no meu trabalho é que diferentes
formas de saber, diferentes formas de ser e diferentes formas de aprender,
realmente criam diferentes seres humanos. Se você foi criado no Colorado para
acreditar que uma montanha é uma pilha inerte de pedras esperando para ser
minada, você terá uma relação muito diferente com aquela montanha do que uma
criança do sul do Peru que acredita piamente que uma montanha é um espírito
Apu, uma deidade protetora, que irá direcionar seu destino ao longo da vida.
Mas a observação interessante não é nem que a montanha seja de fato um espírito
ou apenas uma pilha de terra. A observação interessante é como o sistema de
educação que define o que a montanha é, cria um diferente ser humano com uma
diferente relação com a terra. Eu fui criado nas florestas da Colúmbia
Britânica a acreditar que aquelas florestas existiam para ser cortadas. Aquela
foi a base ideológica da ciência florestal que me foi ensinada na escola e que
eu pratiquei como madeireiro nas florestas. Foi baseado na ideia que nós
tínhamos que eliminar todo o crescimento mais antigo para conseguir o
crescimento de plantações saudáveis, porque afinal, o incremento adicional de
celulose seria maior em uma planta... Enfim isso foi toda uma construção. Mas
de maneira drástica, aquele sistema de crenças me fez um ser humano muito
diferente com uma relação muito diferente com a floresta do que meus amigos das
comunidades nativas que acreditavam que aquela floresta era a moradia de Hokuk
e o beiral do paraíso. E por causa da minha ideologia e da minha educação, aquelas
florestas não existem mais.”
Wade Davis Etnobotânico, explorador residente
National Geographic Society.
“A escola forçosamente arranca as crianças de
um mundo repleto de artesanatos de Deus... é um mero método de disciplina que
se recusa a levar em consideração o indivíduo... uma fábrica para gerar
resultados uniformes. Eu não fui uma criança da direção escolar: o Ministério
da Educação não foi consultado quando eu nasci neste mundo.”
Rabindranath Tagore, Vencedor do Prêmio Nobel
da Poesia de 1927.
Filhos de Macaulay
“Uma educação geral pelo Estado é uma mera
invenção para modelar as pessoas para serem exatamente umas iguais às outras: e
como o molde em que são plasmadas é o que agrada a força dominante no governo..
ele estabelece um despotismo sobre a mente que, por uma tendência natural,
conduz a um despotismo sobre o corpo”.
John Stuart Mill, “Sobre a Liberdade”.
“Eu acho que a maneira pela qual a educação
ocidental tem crescido ao longo dos últimos séculos, especialmente com o
crescimento da industrialização, foi basicamente, não para criar seres humanos
totalmente preparados para lidar com a vida e todos os problemas dela, cidadãos
independentes capazes de exercitar suas decisões e viver suas responsabilidades
em comunidade, mas sim elementos para alimentar um sistema de produção
industrial. Eles eram produtos, com conhecimento parcial. Nós migramos da sabedoria
para o conhecimento, e agora estamos migrando do conhecimento para a
informação; E essa informação é tão parcial, que estamos criando seres humanos
incompletos”.
“Se olharmos para trás, para o inicio da
chamada ‘educação’, veremos que o plano era muito claro. Havia uma elite que
queria treinar pessoas para servir suas necessidades, para essencialmente criar
uma economia extrativista que servisse a poucos ao custo de muitos. Há muita
literatura explícita sobre isso: era muito claro que a educação estava lá para
treinar uma classe de pessoas para servir as necessidades da elite. Quando
Macaulay veio para a Índia...
...Não sei quantos de vocês sabem, mas Macaulay
criou o que é chamado de ‘crianças de Macaulay’. Ele dizia que as ‘crianças de Macaulay’
seriam marrons por fora mas brancos por dentro. E que eles saberiam basicamente
uma coisa só: como comandariam a Índia como se eles mesmos fossem Europeus.
Vandana Shiva Navdanya
- Fundação de Pesquisa pela Ciência, Tecnologia
e Ecologia.
Se você voltar aos anos 60 e analisar a
literatura sobre a modernização, fica bem claro que o idioma local, a tradição
local e os costumes locais são uma barreira para a modernização. E para
comunidades progredirem nos tipos de estágios de desenvolvimento,essas coisas
precisam ser eliminadas.
Manish Jain Shikshantar
- Instituto dos Povos para Repensar a Educação
e o Desenvolvimento
99% de todas as atividades que acontecem sob o
rótulo de ‘educação’ vem desse plano bem específico que se estendeu além da
expansão colonial europeia ao redor do mundo. E agora, em diferentes países do
chamado Terceiro Mundo, o plano fundamental básico é o mesmo: puxar as pessoas
para a dependência de uma economia moderna e centralizada. E empurrá-las para
fora de suas independências, de suas próprias culturas e auto-respeito.
“A modernização... Segue um ritmo limitado
dentro de uma sociedade ainda caracterizada pelos métodos tradicionais de baixa
produtividade e pela antiga estrutura social e valores...”
“A maioria da população deve estar preparada
para aceitar o treinamento para um sistema econômico... Que cada vez mais
confia o indivíduo em grandes disciplinadas organizações que a designa tarefas
limitadas e especializadas.”
Walt Rostow.
Os estágios do Crescimento Econômico – 1960
“Nossas escolas são, em certo sentido,
fábricas, nas quais as matérias primas – crianças - são moldadas e modeladas em
produtos.
“As especificações para a produção vêm das
demandas da civilização do século 20, e é o dever da escola construir seus
alunos de acordo com as especificações dadas.”
Ellwood P. Cubberly, Dean
Universidade de Educação de Stanford 1898.
“Em nossos sonhos, as pessoas se rendem com
perfeita docilidade às nossas mãos modeladoras”.
John D Rockefeller
Bancada de Educação Geral 1906.
Educação
para todos
Na verdade, há um grande programa global que
está acontecendo neste momento, chamado “Educação para Todos”. E todas as
pessoas que eu conheci que estão associadas a isso, basicamente não questionam
o plano ou a intenção desse programa, o que é algo bem perturbador. É um
programa sancionado por todos os governos do mundo, é um programa que o Banco
Mundial e a ONU apoiam, é um programa que grandes corporações, como McDonalds e
tantas outras também estão por trás. E o plano do programa é colocar toda
criança na escola. A alegação é de que, indo para a escola, comunidades serão
capazes de se desenvolver e serão capazes de fazer parte da sociedade de massa.
Mas acho que temos que questionar o que significa tornar-se parte da sociedade
de massa hoje. E isso para mim está muito mais ligado a um claro plano de
tornar-se parte da economia global, e trocar a economia local, a cultura local
e os recursos locais, tanto pessoais quanto coletivos, para estar a serviço da
economia global.
Então encontrará primeiros ministros e
presidentes de países, constantemente dizendo: “Nós temos que mudar nosso
sistema de educação para nos tornarmos mais competitivos na economia global”.
Isso quer dizer que terão que treinar os seus jovens para que eles satisfaçam
as necessidades de corporações gigantes e móveis.
Os
novos missionários
“A iniciativa da ‘Educação para Todos’ é uma
tentativa de reparar o que foi visto como um sério desequilíbrio no
financiamento para educação primária. A intenção é realmente colocar toda
criança na escola.
A
missão anunciada pelo Banco Mundial é de ‘reduzir a pobreza global’.
Eu acho que vemos a educação como crucial. É
uma condição absolutamente necessária para a continuação da redução de pobreza.
Mas
muito vieram a questionar aos interesses de quem o Banco realmente serve.
Agora, a demanda por educação não está vindo
apenas de pessoas como o Banco Mundial e pessoas de fora, está vindo de homens
de negócios, que estão descobrindo que eles não conseguem desenvolver suas
fábricas, porque eles não conseguem desenvolver seus negócios, porque há uma
escassez de trabalhadores qualificados.
Mas
quem realmente se beneficia quando toda criança do planeta é educada da mesma
forma?
Temos que ser muito cuidadosos para não sermos
paternalistas com as chamadas culturas tradicionais. Nós podemos ajudá-las e
certamente não arruinar ou tentar estragar suas próprias culturas. Mas por
outro lado, eu acho que nós deveríamos ser cuidadosos ao tentar preservar suas
culturas em um tipo de ‘congelamento’. Se eles não querem isso, nós deveríamos
estar lá para ajudá-los.
“A
bandeira americana não foi fincada em solo estrangeiro para adquirir mais
território... Mas sim para o bem da humanidade”.
Se visitar uma área tribal na Índia e fizer
perguntas... Você senta com um grupo de mulheres, e diz a elas:
- Por que a educação é importante para suas
crianças?
Elas olham para você como se você fosse
completamente estúpido: “é claro que é importante para nossas crianças.”
Então você diz: Por quê? Me diz o porquê ?
- “Porque nós não queremos que elas vivam como
nós vivemos.”
Julian Schweitzer
- Banco mundial, Diretor de desenvolvimento
humano para região Sul da Ásia.
Então
viva como nós vivemos.
Distúrbio de déficit de atenção.
16 milhões de crianças nos EUA sofrem de
depressão e outros problemas emocionais;
1,6 milhões estão atualmente sob duas ou mais
drogas psiquiátricas;
69 mil garotas entre 13 e 19 anos se
autoflagelam regularmente;
78 crianças no EUA foram mortas ou machucadas
em tiroteios em escola nos últimos oito anos;
120 mil tentaram cometer suicídio nos últimos
12 meses;
55,5% dos alunos de ensino médio dos EUA
acreditam que o governo não deveria ser capaz de censurar jornais; 32,5%
acreditam que o governo deveria censurar jornais; 12 % não sabem.
Alunos de escolas públicas americanas que NÃO
CONSEGUIRAM FINALIZAR O ENSINO MÉDIO: Nova Orleans 46,6%; Detroit 78,3%; Dallas
53,7%; Pittsburgh 35,9%; Cidade de Nova Iorque 61,1%; Cidade de Kansas 54,3%;
Atlanta 54%; Chicago 47,8%; Los Angeles 55,8%;
13.247.845 crianças nos EUA vivem na pobreza.
“Enquanto
a massa da população não é educada, é iletrada, eles... se manterão atrasados,
e seguirão superstições velhas e religiosas”.
- Livro
de economia de Ladakhi
Atrasados
e primitivos
“Enquanto
a maioria das pessoas é iletrada e atrasada, seus padrões de vida são baixos
quando comparados com seus semelhantes que estão bem educados e avançados”.
– Livro
de economia de Ladakhi.
Quando a educação ocidental moderna é
introduzida nas culturas tradicionais ao redor do mundo, ela cria um imenso
sentimento de inferioridade. Os livros escolares falam sobre uma cultura
ocidental urbana como sendo o progresso, como se fosse a única forma de
existência. E o resultado final é que as crianças acabam sentindo que sua
própria cultura, seu idioma e sua maneira de fazer as coisas são atrasados,
primitivos e vergonhosos.
Eu ouvi da minha avó que antes do
desenvolvimento, as mulheres não costumavam ir à escola, elas apenas ficavam em
casa... Iam com as vacas para as montanhas. Elas voltavam à noite e faziam
comidas e outras coisas. Uma das coisas que eu vi que a educação realmente
criou foi o senso de inferioridade em muitos níveis. Um em nível dos idosos. Eu
visitei muitas vilas querendo aprender com os idosos todos os tipos de práticas
tradicionais e a primeira resposta é sempre: ‘Eu não sei nada, vá fale com meu filho. Ele esta na décima série. Eu
não sei nada, eu não entendo nada’. Na minha vida, isso foi provavelmente
uma das coisas mais dolorosas que eu ouvi repetidamente nas vilas.
No passado, as mulheres costumavam gostar e
respeitar o trabalho na terra. Agora como o desenvolvimento, elas pensam que
educação é apenas ler e escrever. Elas dizem ‘Eu não sou educada, eu não sei nada’.
Um filho se mudou com suas crianças para Leh, o
mais novo está em Jammu, outro está em Délhi. Agora na minha casa é só meu
marido e eu. Uma vez que os filhos vão para a escola, eles não podem mais ficar
aqui. Eles precisam ganhar dinheiro. Eu seria mais feliz se eles estivessem
aqui mas eles precisam ganhar dinheiro.
Pobreza
Hoje existe uma crença que é através da
educação moderna que vamos tirar as pessoas da pobreza. Mas se prestarmos
atenção no que está acontecendo, veremos que foi advento do colonialismo,
desenvolvimento, e a ideia de “ajuda” que criou a pobreza. Nos sistemas e
economias pré-modernas, ou pré-desenvolvimento, você não encontrará o tipo de
pobreza que se encontra nas favelas de Calcutá, Cidade do México e Pequim.
Hoje, nas maiorias das vilas tradicionais seja na China, Índia ou África, as
pessoas são levadas a acreditar que o futuro é essa cultura moderna, urbana e
consumista. E elas estão se endividando, vendendo suas casas para dar educação
aos seus filhos. A grande esperança é que elas vão conseguir um bom emprego
como engenheiros ou médicos na economia moderna. Menos de 10% estão obtendo
sucesso. 90% acabam como fracassados. Elas talvez conseguirão um emprego como
faxineiras ou mecânicos de carro, mas não é a vida gloriosa que as pessoas
esperavam.
Falas de alguns jovens:
As maiorias dos alunos de Ladakh não se dão
muito bem. De 10, 2 se darão bem, mais do que bem. Mas aproximadamente oito não
serão melhores.
Muitos alunos não estão conseguindo trabalho
depois que se formam, e eles ficam depressivos, frustrados e revoltados.
Uma das coisas que é mais perturbadora para
mim, em termos de justiça e moralidade, é que você tem uma instituição presente
no mundo todo, que está classificando milhões e milhões de pessoas inocentes
como fracassadas. Pessoas muito brilhantes, maravilhosas, e talentosas estão
sempre se apresentando pra mim na Índia como? ‘eu sou repetente da oitava série’ ou ‘eu sou repetente da décima série’... É assim que eles se apresentam.
O que é incrível é que as pessoas que dizem estar preocupadas com justiça
social não conseguem ver o gigantesco tipo de hierarquia e desigualdade social
que é criada através da educação moderna. É incompreensível para mim como as
pessoas não enxergam isso. Uma outra questão é em termos de perda da riqueza
imaginativa e dos recursos culturais que as pessoas poderiam trazer, porque eu
acho que aqueles que são classificados como fracassados, na verdade possuem uma
variedade de capacidades de pensar de diferentes maneiras. E isto está sendo
perdido e suprimido, e as pessoas que só conseguem pensar de maneira muito
fragmentada e unidimensional, estas estão sendo recompensadas. Qualquer um que
se diz preocupado com justiça social, precisa sentar e ter uma conversa séria
sobre este assunto.
Eu venho da região central do Himalaia, que é
chamada Garhwal. As mulheres de Garhwal trabalhavam arduamente para terem
certeza de que seus filhos tivessem uma escolarização. Mas uma escolarização
institucional do tipo que não ensina nada sobre a sua ecologia local, a sua
cultura local, a sua economia local, ou sua habilidade de ser produtivo. Ela te
ensina basicamente a ser um semi-alfabetizado para outro sistema, ao qual você
não tem acesso, porque você não pertence à classe certa, ao privilégio certo,
etc. Agora eu volto àquelas mesmas vilas e as mulheres dizem que o pior erro
que elas cometeram foi pensar que aquele tipo de educação iria ajudar. Nós
temos um ditado hindú: “É o cachorro do lavadeiro que não pertence nem ao lugar
onde a lavação é feita, nem ao lar”. Elas são pessoas excluídas, e elas estão
caindo pelas rachaduras de um mundo excludente.
Ajuda
mental
É tão triste ver quantos ocidentais vem para
culturas e economias remotas, relativamente intactas e sustentáveis, e se
apaixonam pelo lugar. Eles querem ficar, querem voltar, eles adoram as pessoas,
acham as pessoas incrivelmente felizes, incrivelmente generosas, incrivelmente
prestativas. E então eles querem ajudar, desenvolver, trazendo a escolarização
ocidental para ‘melhorar’ a vida
dessas pessoas.
“Bem, meu nome é Heidi. Eu venho do sul da
Alemanha, a Baviera. Como eu moro na Baviera eu sou boa em montanhismo e foi
por esse motivo que eu quis ir ao Himalaia. Como eu era professora e estava
ensinando ética anglo-germânica, que é um tipo de religião, ou estava
interessada em escolas. E então acabei conhecendo a Escola Lamdon.”
(A
escola Modelo de Lamdon é considerada uma das melhores escolas seculares
privadas de Ladakh.)
“E eu aprendi tanto sobre as pessoas daqui,
sobre suas crenças religiosas, sua mentalidade, o caminho de compaixão,
tolerância que eu pensei: bem, eu preciso fazer algo por essa escola. Passo a
passo eu fui tentando encontrar patrocinadores, levantar dinheiro... Por
exemplo: eu tenho orgulho de por lá existir um albergue, um albergue para meninas,
para cem alunas. E isso foi construído principalmente com o dinheiro que eu
consegui levantar.”
(Graças a Heidi, centenas de Crianças de vilas
de todas Ladakh podem deixar suas famílias e lares para a Escola de Lamdon.)
Na
sala de aula, o professor diz: aqui está uma lista de razões possíveis para se
usar um espelho. Primeiro para verificar a aparência, para verificar a
aparência? Vocês fazem isso? Olhar para checar? E para ficar bonita. Para checar
a aparência, sim? Você checa sua aparência. Você checa a aparência não só pra
ver como você está, mas também como está vestida, ok? Certo? Como você está
vestida. E então, para ficar bonita. Qual importante é isto? Vaidade, beleza, todos
se importam com sua aparência, ok? Tipo como você se aparenta, sua aparência é
importante.
(Heidi) Mesmo se eles ficam aqui por um ou dois
anos e às vezes eles têm que voltar forçados por seus pais a trabalhar nos
campos e cuidar das crianças mais novas, eles ganham alguma coisa para a vida
deles. Alguns vão para as forças armadas. Então eles são bons comerciantes,
eles abrem lojas e vendem todos aqueles colares, suéteres e essas coisas. Ou
eles aprendem profissões especiais. E agora, principalmente, como eu sei e como
eu espero, em computação. Então eles vão para Índia e tem uma boa chance.
Então, eu acho que eles superaram a real pobreza aqui. E algumas pessoas dizem:
‘Bem, por que você não vai para o Congo ou algo assim?’, mas eu acho que eles
ainda precisam de ajuda. Não é só jogá-los na água e deixá-los nadar. Eles
precisam de tudo, de roupa a ajuda mental.”
“Se nós devemos adequar e treinar as crianças
para o futuro, elas não podem ser deixadas como são. E, apesar dele mesmo, o
nativo deve ser ajudado”.
“Você está no processo de ser doutrinado. Nós
ainda não desenvolvemos um sistema de educação que não seja um sistema de
doutrinação”.
“O que você está sendo ensinado aqui é um
algema do atual preconceito e das escolhas dessa cultura em particular”.
“O menor olhar sobre a história mostrará quão
impermanente elas devem ser” Doris Lessing - Vencedora do Prêmio Nobel de
Literatura em 2007
Ligando
os pontos
Quando eu vejo o número de pessoas realmente
bem intencionadas que estão tentando ajudar e outras pessoas com um pacote de
escolarização e ajuda, eu realmente acho que não há uma má intenção por trás
disso. Eu acho que é puramente de coração e boa vontade em ajudar outras
pessoas. Só que elas simplesmente não ligam os pontos. Elas normalmente não ficam
tempo suficiente para realmente perceber o impacto geral. E elas simplesmente
não vêem de forma abrangente suficiente.
Falas dos jovens:
“Eu estudei na Escola Missionária Moráviana que
fica em Leh, eu acho ser a melhor escola de Ladakh.”
“No começo eu estudei na Escola Modelo de
Lamdon, até a sexta série”.
“Eu fiz o ensino médio em Delhi mesmo. Eu
estive em Delhi durante os últimos oito, nove anos”.
“Quando eu estava na idade em que fiz minha
primeira aula. Eu me mudei pra cá. Eu me mudei para Mussoorie, depois para
Dehradun e então para Delhi.”
“Eu não sei muito sobre minha cultura. Nós não
temos muito conhecimento sobre a nossa tradição e tudo mais.”
“Basicamente, quando os estudantes vêm para
Delhi para estudar, eles ficam expostos a um ambiente que é muito diferente de
Ladakh. E eles tendem a esquecer a sua própria cultura. Às vezes eles nem
sequer sabem falar o seu próprio idioma. Eles esquecem suas tradições. Eu acho
que não é um bom sinal para Ladakh”.
“Ninguém fala Ladakhi fluentemente, que era o
original antes.”
“Nós estamos aqui e seguimos a tradição global,
nós estamos tentando competir com eles”.
“Nós só estamos atrás de dinheiro, dinheiro,
dinheiro...”.
O
inglês comanda o mundo
No ano em que você nasceu, haviam seis mil
línguas faladas na Terra. Uma língua não é só gramática e vocabulário, uma
língua é um lampejo do espírito humano. É um veículo pelo qual a alma de toda
cultura vem ao mundo. Eu sempre digo que cada língua é como uma floresta nativa
da mente, um ecossistema de pensamentos, uma bacia hidrográfica de
possibilidades espirituais e sociais. Enquanto estamos sentados aqui metade
daquelas línguas não estão sendo ensinado às crianças.
(Diretor da Escola Missionária Moráviana) Em
algumas áreas nós somos muito rigorosos. Por exemplo: falar em inglês.
Fala de criança: “Minha escola é de currículo
britânico, todas as crianças estão falando em inglês. E quando elas estão no
playground também estão falando em inglês. Em classe também, em todos os
lugares da escola temos que falar em inglês”.
(diretor) Exigimos que as crianças falem em
inglês com os professores na classe e entre elas.
(Criança) “Se alguém falar outra língua,
Ladakhi ou Hindú, o professor dá uma punição.” “O que acontece quando alguém é punido?” “Dinheiro. Sim, é uma
multa em dinheiro, de 5 rúpias”
(diretor) Mas essa disciplina inculca um hábito
de inglês. E inglês é uma língua que comanda o mundo hoje, seja o mundo
virtual, internet, negócios, qualquer coisa... Você tem que aprender inglês na
Índia.
(criança) “Quando vamos para outros países,
temos que falar inglês. Se não falarmos inglês não poderemos ir a outros
países. Falar inglês é muito bom, e quando eu me formar eu irei para outros
países. (onde você pensa em estudar?) em Delhi. (sua mãe vai sentir sua falta quando
você mudar para Delhi?) Sim, sentirei saudades da minha mãe.”
(outro jovem) “Sinto saudade da minha cidade,
de verdade. E dos meus pais. Porque eu estou aqui, não aqui exatamente, mas
fora da minha cidade há... 10 ou 12 anos. E sobre um lugar chamado Ladakh...
você viu, é paradisíaco, realmente é um paraíso. Sinto muita saudade de Ladakh,
porque lar é lar, certo?”
Natureza
+ Humana
“O grande propósito da escola pode ser melhor
realizado em lugares feios, escuros e sem ar... É para dominar o ser físico...
para transcender a beleza da natureza... A escola deve desenvolver o poder de
afastar-se do mundo exterior”
William Torrey Harris. Ministro da Educação dos
EUA 1889 - 1906.
Uma das grandes tragédias da escolarização é
como ela arrancou as pessoas da natureza e as trancou em salas durante 8 horas
por dia. E eu acho que o profundo dano que está nos fazendo só será reconhecido
gerações adiante. Então olharemos para trás e diremos: “Como pudemos ter feito
esse tipo de coisa às pessoas? E pensar que criando prisões de concreto e
trancando pessoas lá, e as dando livros que falam sobre natureza, é uma melhor
forma de pensar sobre a vida do que realmente passar tempo na natureza.
(Professora na sala de aula com jovens) Porque
isso é chamado – porque isso tem esse nome? Vocês podem me dizer? Vocês tem
alguma ideia do porque chamamos isso por esse nome? Se soletra “xe-ró-fi-ta”. É
xerófita. Por que chamamos por esse nome? Vegetação xerófita. O tipo de
vegetação que temos aqui em Ladakh é xerófita. Agora, vocês podem citar por que
razões chamamos esse tipo de vegetação xerófita? Alguém na sala?
Alguém? Alguém?
Nós temos chuvas pesadas aqui? Não. Nós temos
pouca chuva aqui. Então por essa razão, nós, como havíamos discutido não temos
um bom tipo de vegetação aqui. Não podemos esperar que tenhamos florestas, boas
florestas, não podemos esperar que tenhamos uma grande vegetação aqui. Eu
apenas queria acrescentar que com o distinto tipo de plantas, animais e
meio-ambiente, o ser humano também está incluso no ecossistema. Entendem? Agora como o ser humano está incluso? Porque
dizemos que o ser humano é uma parte integral no ecossistema? Como vocês acham
que os seres humanos estão envolvidos no ecossistema? Alguém da classe?
Alguém, Alguém?
“É, de fato, nada menos que um milagre... que
os métodos modernos de instrução... ainda não estrangularam por completo a
sagrada curiosidade da pesquisa; pois esta delicada plantinha, independente de estimulação...
existe principalmente pela necessidade de liberdade”. Albert Einstein
“Educação... faz uma vala de corte reto de um
livre e sinuoso riacho”. Henry David Thoreau.
(falas das indianas) Tradicionalmente, os pais
ensinaram seus filhos a manter a água limpa. Nós aprendemos a nunca sujar as
nascentes ou córregos... Já que as pessoas precisam de água limpa para beber,
ou para fazer oferendas às divindades.
Tendo aprendido isso quando éramos bem jovens,
permaneceu em nossas mentes para sempre. Agora, talvez seja o desenvolvimento,
ou o progresso... Ou os pais que não estão dizendo boas coisas aos seus filhos,
ou as crianças não os estão escutando. Em todo lugar as pessoas estão jogando
coisas na água e poluindo todo meio ambiente á sua volta.
A terra é nossa verdadeira mãe. Esta terra é
nosso banco, a terra é algo que podemos manter a salvo por gerações e gerações.
Quando falamos de educação, precisamos passar nosso conhecimento sobre a terra
e como plantar comida para nossas crianças. Muitas pessoas deixam Ladakh para
estudar fora voltam e dizem: ”O que existem Ladakh? Não há nada aqui”. As
pessoas dizem que os turistas e estrangeiros são sortudos, eles são tão ricos,
e não precisam trabalhar duro. Mas na verdade, nós temos nossa própria terra...
Nós temos nossas próprias casas... Nós temos nossa própria comida, tradições e
cultura. Para onde o desenvolvimento levou as pessoas?
Muitas
ciências
A coisa mais incrível, se você parar pra
pensar, é que os biólogos finalmente provaram ser verdade o que os filósofos
sempre sonharam que fosse verdade, que é o fato de que nós somos todos irmão e
irmãs, somos todos, por definição, frutos da mesma árvore genética. Isso
significa que todas as populações humanas, todas as culturas, em geral dividem
a mesma capacidade mental, capacidade intelectual, acuidade mental, etc...
E isso quer dizer que, se um povo coloca seus
gênios na inovação tecnológica, como tem sido a tradição no ocidente, ou, em
contraste, no caso dos Budistas Tibetanos, em passar 2500 anos tentando entender
a natureza da existência, no que chamamos sempre de uma ciência da mente. E por
que usamos a palavra “ciência”? o que é ciência senão a busca da verdade? E o
que é o Budismo senão a busca empírica da verdade? Como Matthieu Ricar, um
monge tibetano e antigo biólogo molecular do instituto Pasteur de Paris, sempre
diz: “A ciência ocidental é uma imensa resposta para minúsculas necessidades.”
Nós passamos todas nossas vidas tentando ter certeza que viveremos para ter cem
anos sem perder nossos dentes ou cabelo, e no Tibet as pessoas passam suas
vidas tentando entender a natureza da existência. Ele diz que todos os nossos (ocidentais)
outdoors propagandeiam com jovens crianças em roupas íntimas. Em seus
(indianos) “outdoors”, que são muitas paredes, estão gravadas em pedras as
orações para o bem-estar de todos os seres sencientes.
“A liberdade real virá quando nós nos
libertarmos da dominação da educação ocidental, da cultura ocidental, do modo
de vida ocidental”. Mahatma Gandhi.
Uma das coisas que sempre foi surpreendente
para mim é o entendimento que as pessoas possuem de Gandhi. Por todo o mundo as
pessoas afirmam ser grandes fãs de Gandhi, e se você realmente observar o que
ele escreveu notará que ele era extremamente crítico quanto à educação moderna.
E particularmente do conhecimento ocidental, que era algo que Gandhi estava
questionando abertamente: “Qual é realmente a grande contribuição do
conhecimento ocidental para o bem- estar da vida no planeta?”.
E então as pessoas o entenderam errado, elas
pensavam que Gandhi era contra os britânicos e na verdade, ele disse: “Eu não
tenho problemas com os britânicos, mas eles precisam entender que este sistema
que foram criados por todo o mundo são fundamentalmente desempoderadores,
desumanizantes e destrutivos. Não só para os seres humanos, mas também para
toda a vida existente no planeta. E eles não podem se sustentar.” Ele disse
isso em 1909. E ele disse: “Nós não estamos apenas tentando nos livrar dos
britânicos e manter os seus sistemas”. E ele usava uma boa frase: “Essa luta
por liberdade não é o ato de se livrar do tigre, mas manter a natureza do
tigre”.
“Educação é uma ação compulsória e forçada de
uma pessoa sobre outra... Cultura é a relação livre entre pessoas...”.
“A diferença entre educação e cultura está
apenas na coerção, a qual a educação se julga no direito de exercer”.
“Educação é a cultura sob limitação. Cultura é
livre”
Leon Tolstói.
E nós não nos vemos como uma cultura, portanto
quando nós exportamos algo, como o nosso modelo econômico, não vemos isso pelo
que é, que é apenas uma opção, uma maneira de organizar o comportamento
econômico. E ainda quando você pensa nisso, todos os índices do paradigma do
desenvolvimento não dizem quase nada sobre qualidade de vida. As pessoas falam
sobre renda per capita ter quadruplicado. E o que isso quer dizer? Pode
significar que algum agricultor saiu de uma economia agrária não monetária para
entrar numa fábrica que explora os empregados numa favela em Delhi. Sua
qualidade de vida melhorou porque sua renda foi quadruplicada? Essa é uma outra
parte da nossa “miopia cultural”. Nós vendemos essa ideia, que eu penso ser uma
mentira descarada, que se as pessoas aderirem à ditadura do nosso paradigma
econômico, elas de alguma forma mágica alcançarão a riqueza que nós desfrutamos
no ocidente. Não vai acontecer! Só para ter os recursos energéticos necessários
seria preciso 4 planetas Terra para trazer toda população para nosso nível de
consumo. Então nós projetamos essa visão de mundo para outros continentes com a
ilusão de que se pessoas aderirem a isso, eles alcançarão o que nós (ingleses)
temos. E então você tem que parar e dizer: “Bem, o que é que nós temos que nos
faz tão espetaculares?” Muitas coisas incríveis. Acredite, se eu me envolver em
um acidente de carro, e meus braços forem cortados, eu não quero ser levado
para um herbalista africano, eu quero ser levado para um pronto-socorro. Eu não
estou desprezando nossa cultura; mas por outro lado, se analisarmos a maneira como
nós ganhamos dinheiro, a maneira com que nós tiramos nosso ganha-pão, é baseada
num paradigma econômico que, segundo qualquer definição cientifica, está
mudando a bioquímica da biosfera. Isso não é trivial. E certamente não sugere
que nosso modo de vida é um protótipo do potencial humano.
O que
É
Conhecimento?
O que
É
Saúde?
O que
É
Ignorância?
O que
É
Pobreza?
O caminho para as culturas sobreviverem no
mundo de hoje não é se isolando ou se excluindo. Na verdade, eu acredito que
mais do que nunca que nós precisamos de um diálogo mais profundo entre o
ocidente e as partes do mundo não industrializado. Nós precisamos desse diálogo
porque a mídia e a educação convencional estão perpetuando basicamente uma
mentira sobre uma forma de atingir sucesso e como todos nós podemos atingir
esse glorioso, rico e luxuoso estilo de vida. Nós precisamos urgentemente
sentar e conversar uns com os outros, e comunicar o fato de que este modelo não
está funcionando nem mesmo no EUA, que é o centro desse sonho.
E é realmente importante notar que quando nós
pensamos nossas diferentes culturas, há uma espécie de ideia de que esses
outros povos, embora singulares e coloridos, talvez de alguma maneira,
estão destinados a desaparecer. Enquanto o “mundo real”, que seria o nosso
mundo, segue em frente. Essas culturas não são fracas e frágeis. Pelo
contrário, elas são povos vivos e dinâmicos, sendo levados à inexistência por
forças identificáveis. Por que isso é tão importante? É importante porque a
cultura não é trivial. A cultura não é decorativa, não é penas e sinos, não é
dança, nem mesmo rituais. Cultura é o
coberto de valores morais e éticos com que o individuo é coberto.
E se você quer saber o que acontece quando uma
cultura é perdida e ainda o individuo sobrevive, quando uma sombra de seu ser
anterior, incapaz de voltar para o conforto da tradição e suas raízes, se lança
à deriva em um mundo alienígena, onde geralmente, o destino é simplesmente o
mais baixo degrau da escada econômica que não dá em lugar algum, basta olhar
para o mar de miséria que são os centros demográficos do Terceiro Mundo.
A
estrada para o inferno
Houve muitos casos na história em que atos
evidentes de violação dos direitos humanos, como o deslocamento de povos, têm
sido absolutamente motivado por interesses econômicos e políticos das elites e
das estruturas de poder. Não há dúvidas quanto a isso. Eu acho que, de uma
maneira estranha, as maiores ameaças surgiram através das boas intenções
daqueles que não entendem que estas boas intenções podem não ser apropriadas
pode refletir apenas uma projeção de nossa própria ideologia. Se alguém vai
para uma outra cultura e diz: “Eu estou aqui para educar suas crianças”, isso é
uma das coisas mais ultrajantes e audaciosas que você pode imaginar. Se você
vai àquela cultura e diz: “nós temos algumas habilidades que vocês
provavelmente poderiam usar”. Para mim, essa é a partilha de informação que deveria ser tanto recíproca quanto
honrosa. Mas é muito diferente de eu ir e dizer: “os seus caminhos não são mais
aceitáveis... sigam o programa, eduquem seus filhos nesta escola, livrem-se de
suas ideias supersticiosas e aceitem algumas das minhas”.
Há uma suposição de que a educação ocidental, o
conhecimento ocidental, é universalmente aplicável, é algo superior. Existe uma
ideia de que evoluímos para um nível de existência mais elevado, e que essas
pessoas, tão amáveis, irão se beneficiar deste conhecimento superior.
A situação mais triste é a das ong’s que
realmente pensam que estão se inserindo e ajudando comunidades, ao auxiliá-las
na perda de sua língua nativa e na perda de sua autossuficiência. Amarrando
elas à economia global e trazendo para elas mais dinheiro, que por fim as levará
à perda de controle de suas próprias vidas. Muitas dessas ong’s são muito bem
intencionadas, pessoas boas, que acham que realmente estão fazendo o bem para
as crianças e para as comunidade. Mas eu acho que elas não entenderam o jogo
maior no qual elas são os peões.
Em resumo, estamos passando por um período de
transição que simplesmente nos obriga a prestar atenção. Foi como disse
Margaret Mead antes de morrer, seu maior medo era que, enquanto nós
escorregássemos cegamente em direção a esse, levemente sem forma, mundo
genérico, nós acordaríamos um dia como se acordássemos de um sonho, tendo
esquecido de que haviam ainda outras possibilidades de vida. Esses povos, essas
visões, não são tentativas falhas de serem como nós. Elas são preciosas
respostas para uma questão fundamental: o que significa ser humano e estar
vivo? E muitas destas pessoas, quando respondem a esta questão, elas respondem
de maneira que as possibilitaram viver de maneira sustentável no planeta por
gerações. Nossa espécie está aqui há um bom tempo. Quando podemos dizer que
começou como uma forma social, há 150 mil anos atrás? A revolução neolítica que
deu início à agricultura começo há apenas 10 mil anos atrás. A sociedade
industrial moderna como a conhecemos dificilmente possui seus 300 anos de
idade. Isso não deveria sugerir que
temos todas as respostas para todos os desafios que iremos enfrentar enquanto
espécie no próximo milênio.
Canção final.
“Pequenas caixas na encosta, pequenas caixas feitas
de material padrão / pequenas caixas na encosta, toda iguais / tem uma rosa e
uma verde uma azul e uma amarela. E elas todas são feitas de material padrão e
elas todas parecem exatamente iguais.
E as pessoas nas casas foram todas para a
universidade, onde foram colocadas em caixas e saíram todas iguais. E há
médicos e advogados, e executivos de negócio. E eles são todos feitos de
material padrão e eles todos parecem exatamente iguais. Eles todos jogam no
campo de golfe e bebem seus Martines secos, e todos eles tem crianças bonitas e
as crianças vão para a escola, e as crianças vão para o acampamento de verão ou
então vão para universidade onde são colocadas em caixas feitas de material
padrão e elas todas parecem exatamente iguais.
Os meninos entram para os negócios e se casam e
constituem famílias em caixas feitas de material padrão. E elas todas parecem
exatamente iguais tem uma rosa uma verde e uma azul e uma amarela. E elas são
todas feitas de material padrão e elas todas parecem exatamente iguais.
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