Existência

Se Deus existe....
Ele está no trabalho
E na alegria que nasce dessa dedicação

Se Deus existe...
Ele está na canção
E no olhar vivo de cada adultocriança

Se Deus existe....
Ele está na esperança
E no sonho de vida melhor neste mundo

Se Deus existe...
Ele está no mundo
Nas cores tatuadas do arco-iris do céu

Se Deus existe...
Ele está no céu, no mar,
Nos raios de sol, na noite de luar

Olha:
Se Deus existe...
Ele está na arte
A vida exige a arte
A arte existe porque a vida não basta. (como disse uma amiga que disparou esta escrita)

Aprendendo com o Girassol



“O girassol que inquieto procura a luz, ao ver o sol se enche de cor” 

Vários seres do reino animal desenvolveram a capacidade de enxergar no escuro. O bicho Homem não. Homens e mulheres não enxergam no escuro. Dentre outros motivos, o bicho homem talvez observando o sol e o fogo, inventou a luz. De imediato pensamos na iluminação como tornar algo visível. Acender uma lâmpada, um fósforo, o farol do carro que ilumina a estrada durante a noite e nos permite seguir um caminho. Pois bem, também associamos a escuridão àquilo que é inexorável: a morte. Neste sentido, podemos entender a ressurreição como uma nova vida, uma oportunidade para viver uma vida outra, um renascimento. Uma espécie de segunda chance (terceira, quarta, quinta...). Penso que são tantas as vidas que vivemos dentro de uma vida. Pois toda vida, nasce com uma certeza: a certeza da morte. 

Podemos aprender com os seres do reino vegetal. O Girassol, por exemplo, recebe esse nome porque sua flor acompanha a trajetória do sol, do nascente ao poente. Esta é sua necessidade vital. Girassol é um dos símbolos pascais menos conhecidos em algumas regiões. Segundo os cristãos, os seres humanos devem estar voltados para o Sol-Cristo garantindo luz e felicidade. 

Vamos aprender com o Girassol e seguir a luz na tentativa de busca permanente pelo conhecimento e na renovação da vida, uma vida outra, uma nova vida nesta mesma vida. 

(texto para Revista da Paróquia Matriz São João Batista - Rio Claro/SP)

Sistema político brasileiro: sobre a República

APRESENTAÇÃO
Recebemos o convite para colaborar com a Revista da Paróquia São João Batista que chegou pelas mãos gentis de uma representante da Pastoral da Comunicação. Alegria e expectativas produziam uma boa mistura... Devagarinho a expectativa ganhava forma de pergunta: qual seria o tema?
E a resposta veio apimentada: Sistema Político Brasileiro. Isso mesmo.
Não se tem muito a ensinar sobre um assunto tão complexo e tão presente. Cada um com o seu olhar, com sua história de vida, sua formação, suas leituras, cada um à sua maneira pensa e fala sobre a política... porque ser humano é ser político. Contudo, pensar sobre isso nos ajuda a separar o joio do trigo, sobretudo neste tempo de intensa circulação de informações, este tempo que nos convoca a opinar sobre tudo. Você não se sente meio atordoado/a às vezes?
Pois bem, aceitamos o convite com o propósito de pensar a Política neste país complexo, colorido e potente.
Quem nunca viu um novelo de lã com fios enrolados? Dá um trabalho danado para desenrolar: você começa puxando um fio do novelo, e puxa, e percebe que se puxar muito aperta um nó. Então você desata esse nó e consegue soltar mais um pouco do fio. E aquilo que era apenas um fio vai se tornando uma linha. Então você tira outro fio, que vira uma linha e o novelo vai se transformando em linhas, que se bem utilizadas podem ganhar outras formas: tecendo linhas de lã, minha avó Maria Witzel Jordão faz meias de frio que; tecendo linhas de carinhos e cuidado, aquecem pés e corações das filhas, netas/os, bisnetas/os e tataraneta.
Pensamentos são como linhas. Nosso desejo para esta ‘coluna’ é desfazer um pouco do novelo e esticar pequenas linhas de pensamento sobre o sistema político brasileiro.

Sobre o sistema político brasileiro
O Brasil é uma República Federativa Presidencialista, formada pela União, 27 Estados, o Distrito Federal e 5.570 municípios. O Estado de São Paulo, por exemplo, possui 645 municípios, dentre eles, Rio Claro.
O exercício do poder é atribuído a órgãos distintos e independentes, submetidos a um sistema de controle para garantir o cumprimento das leis e da Constituição.
O Brasil é uma República porque o chefe de estado é eleito pelo povo, por período de tempo determinado. É Presidencialista porque o presidente da República é Chefe de Estado e também Chefe de governo. É Federativa porque os estados têm autonomia política.

A União está divida em três poderes, independentes e harmônicos:
- Executivo, que atua na execução de programas ou prestação de serviço público e, para tanto, executa o orçamento público;
- Poder Judiciário, que soluciona conflitos entre cidadãos, entidades e o estado.
- Legislativo, que elabora leis;
No nível federal, o legislativo é composto por: câmara e senado. Os senadores representam os interesses dos Estados. Os deputados federais representam os interesses da população de cada estado. Quanto maior o eleitorado de um estado, maior será sua bancada de deputados.

Curiosidades
Minas Gerais possui 853 municípios;
Roraima possui 15 municípios;
A câmara federal é composta por 513 deputados. São Paulo, o estado mais populoso e com maior eleitorado, possui a maior bancada com 70 deputados. Acre, Amazonas, Amapá, o DF, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins possuem 8 deputados cada.
O Senado brasileiro: 81 senadores sendo 3 por estado.
Senadores têm mandato de 8 anos.
Deputados Federais tem mandato de 4 anos.


(para a Revista da Paróquia Matriz São João Batista - Rio Claro/SP)

O texto baba. Transcrição da fala de Suely Rolnik





Por que que a gente inventou esse nome de texto baba?
A palavra texto baba foi inventada para dar conta de alguma coisa que estava querendo produzir... mais do que uma coisa que agente estava querendo produzir, é um lugar desde o qual a gente pensa. E a palavra baba veio porque uma vez conversando com Pierre Fédida, (analista da Lygia Clark), um psicanalista muito interessante porque se ligava muito na questão dos afetos, e ele disse: as palavras são excreções do corpo, elas são baba e aos poucos ela vai encontrando as roupinhas com as quais elas vão se apresentar.
As palavras, elas tem o conteúdo delas o significado que a gente apreende com a nossa capacidade cognitiva (nossa capacidade cognitiva é integralmente estruturada na linguagem, no repertório cultural de que a gente dispõe), então as palavras estão dentro de uma cartografia de representações, de significado. Mas as palavras são vivas nas inscrições do corpo. Que corpo? essa capacidade que tem um corpo, que é muito diferente da sua capacidade cognitiva, que é de ser afetado pelo corpo vivo do mundo é nossa condição. Uma coisa é nossa experiência subjetiva como sujeito integrado na cultura e etc; e outra coisa é nossa capacidade subjetiva como ser vivo. A experiência que a capacidade subjetiva faz como ser vivo, que é como o mundo (o cosmo e não só a Terra) que é um imenso corpo feito de forças de todas as espécies em relações que vão variando, afeta nosso corpo. Palavra afecto com c (porque não é afeto de carinho), é afecto de ser afectado, de ser tocado, de ser perturbado, de ser contaminado. E isso produz uma experiência que não tem imagem, não tem palavra, mas que ela cria uma outra maneira de ver e de sentir. E é essa experiência que, na sua tensão com o nosso campo todo de representações, significados e etc, é ela que funciona como um alarme que força o desejo a agir. O desejo entra em ação pra conseguir dar um corpo para essa experiência de maneira que ela passe a participar da realidade, das nossas imagens e etc... E que muda, muda o mapa ali. Então, essa experiência, essa ação do  desejo é que é o pensamento.

Então o pensamento tem uma função ética, porque ele tá a serviço da vida pras demandas da vida;
O pensamento tem uma função cultural, porque ele produz algo novo que muda a cartografia cultural do presente;
O pensamento tem uma função política, porque através dessa experiência (e o pensamento sobre o que fazer com essa experiência) que a gente cria escolhas e cria o que é necessário criar para que a vida individual e social volte a respirar, volte a pulsar.

E o nosso texto baba é um exercício pra poder conquistar essa capacidade de se reconectar com isso que eu chamo de saber do corpo que nós, caras pálidas, estamos destituídos desta conexão, (isso é uma das características fundamentais da subjetividade na cultura moderna-ocidental-colonial-capitalista-burguesa etc etc etc….) inclusive na subjetividade de esquerda. A esquerda é a melhor que nós temos a democracia burguesa que é o que zela, que visa a uma melhor distribuição das riquezas materiais e imateriais.

Na nossa tradição de cara pálida o pensamento, ao contrário (como a gente está desconectado com isso), ele serve pra nos apaziguar da turbulência que essa experiência nos traz e do medo que a gente  fica de se desagregar, do mundo cair, de acabar o mundo. Porque como a gente não tem essa outra capacidade, a gente só se baseia apenas na capacidade cognitiva, o mundo que é tal como é, parece que é O MUNDO e não esse mundo. Então, quando isso fica desestabilizado com essas  novas experiências, essa subjetividade reduzida ao sujeito ela fica apavorada.
E no pensamento acadêmico como é que se traduz? eu crio uma coisa, uma espécie de alucinação de completude, de verdade, que me acalma. Qual é a consequência disso? isso é  gravíssimo!
  • do ponto de vista ético, você tá interrompendo um processo de criação vital absolutamente necessário para vida estar bem, o tal do viver bem dos indígenas (que agora entrou na moda, entrou para esse sentido da perspectiva de quem está desconectado). Então, do ponto de vista ético é uma interrupção do processo vital;
  • do ponto de vista político é uma conservação de status quo;
  • do ponto de vista cultural também, é a manutenção do campo de representações.
A ideia é a gente praticar isso juntos: nós, os alunos, porque eu também... os professores…(haaaa, os professores já sabem…???!!!) mas isso é a luta de uma vida. E o  que é uma vida pra valer? é quando você está o tempo inteiro, do começo ao fim, cada vez conquistando mais possibilidades de dar espaço para isso. Então o nosso objetivo é compartilhar um exercício do pensamento desta maneira para agente ir avançando junto. Nossos seminários convidam as pessoas a apresentarem o que estão pensando nessa forma do texto baba, e ao mesmo tempo os grupos de trabalho vão trabalhando nisso e avançando junto…..

produção do texto baba:
Como é que a gente combina o texto baba? como são as consignas?
Primeiro você entre em contato com aquilo que está mais te inquietando, você sabe que tá no teu corpo, é uma experiência que tá tendo ou que acabei de ter, uma experiência que é real, e que você não tem palavra, não tem imagens... então o texto baba é pra tentar achar as palavras pra dizer, e a gente pede pra fazer só um parágrafo, é mais fácil do que escrever um monte pra dar nome pra essa inquietação, né?
Essa inquietação que é a experiência do mundo enquanto ser vivo ou o modo como o mundo enquanto o corpo vivo nos afecta, cria novas experiências, novas maneiras de ver e sentir que não tem palavra, não tem gesto, que não tem imagem. Então o exercício do pensamento consiste em encontrar essas palavras.
E uma dica que a gente dá é: se você começa a se agarrar nas palavras de autores que a gente adora (e a gente adora porque encontra essa ressonância lá - não se trata de imitar as ideias dele - é que encontra porque o autor está fazendo esse esforço e a gente fica mais fortalecido), então na hora que vem essa palavra você tem que ver que experiência você está nomeando com aquela palavra. Às vezes você botou uma palavra de um autor e quando você vai escrever saem duas palavras, saem duas frases sai um parágrafo, sai um livro às vezes... Então esse é o esforço…
E a gente pede também pra buscar em algum autor que você encontre uma ressonância, não que eu ele esteja pensando que você quer pensar, mas que leve em conta que o autor está nesse esforço e que as palavras dele estão vivas porque elas são (palavras) portadoras dessa experiência. Porque a palavra ela não é só o significado, isso é, o que a gente decifra com nossa capacidade cognitiva. As palavras são vivas porque são portadores de experiências vivas. Então quando a gente sente que tá pulsando isso lá a gente se sente acompanhado,  não para imitar, a gente se sente acompanhado para fazer o próprio caminho, o próprio processo, a própria criação.
Então a gente perde: encontra algum parágrafo de alguém (ou pode ser um pedacinho de filme) onde você sente que está. E só. Porque quanto mais conciso, mais a gente vai ter que batalhar para estar só nessas palavras não escapar. Porque aí o grupo de trabalho vai ajudar todo mundo a ver aquilo, desenvolver aquilo, ver aonde aquilo escapou. Porque em geral, como eu dizia, escapa porque baixa o superego acadêmico eu sou burro, como é que vou falar com minhas palavras, eu tenho que falar com as palavras do Foucault, do Deleuze, do Marx, (do raio que o parta, depende do meu repertório), porque caso contrário serei mal visto. Ainda vão dizer: isso aí é subjetivo! Porque como o cara pálida tá acostumado a usar só uma parte da experiência subjetiva que é o sujeito com sua capacidade cognitiva, com sua vontade, com sua consciência, totalmente estruturado no mapa cultural, a gente costuma achar que tudo o que fala a partir da experiência subjetiva é o sujeito, mas não é. É justamente nosso esforço de conquistar essa outra experiência da subjetividade que é essencial para assumir, tomar nas mãos, tomar a responsabilidade da vida... porque não tem outro lá no Céu. Porque essa responsabilidade é nossa!!!

Referências
Suely Rolnik e o texto baba. Seminário Novos Povoamentos, 2016. Disponível em: . Acesso em: 17/set/2016.

Desafios da Educação - Jorge Larrosa Bondia

Desafios da educação -  Jorge Larrosa Bondia / Espanha

Entrevista concedida a Ernesto Granetto


A primeira coisa que gostaria de dizer é que os discursos que falam de educação são cada vez mais homogêneos no mundo inteiro. Não sei o que aconteceu ultimamente no mundo acadêmico que contribuiu para isso, mas eu tenho a impressão que se fala das mesmas coisas em Bogotá, em Singapura, em Paris e em São Paulo. Tenho cada vez mais essa sensação. Então eu creio que um dos discursos que estão sendo feitos agora sobre essa questão que você me pergunta é a crise da escola: a velha ideia europeia da escola pública está sendo questionada em muitos pontos de vista e sobre isso só se fala de duas ou três coisas. Uma delas é a falta de motivação dos jovens, sobretudo porque a escola mantém procedimentos de ensino e aprendizagem em relação com os textos que estariam, diz-se, um pouco atrasados em relação ao mundo pós alfabético em que vivemos. Portando uma das coisas que se repetem constantemente, é que a escola está atrasada em relação a uma ideia de tempo, que eu não sei muito bem quem define, mas seria essa ideia: há uma falta de motivação pelas atividades escolares, porque a escola está separada do mundo pós- alfabético e fundamentalmente baseado na imagem. A outra questão que se repete constantemente é a distorção na relação entre o sistema educativo e o mundo do trabalho. É possível que a formação profissional e as questões de empregabilidade estejam em lugares diferentes da educação pública tradicional. E tem algo assim também como a escola encarnar alguns valores que socialmente são valores que já são inexistentes como, por exemplo, o esforço, a disciplina, a hierarquização, a obediência, etc. Eu creio que esses são os discursos dominantes: quando se fala dos desafios da educação se fala da falta de motivação; das distorções entre o mundo da educação e o mundo do trabalho; e da assim chamada crise de valores que faz com que a escola represente alguns valores que na sociedade estão se desvirtuando a toda velocidade. Sem dúvida me parece que a principal questão que deveria nos ocupar na atualidade em relação à educação é a destruição do público. Vivemos tempo em que o público, o que tem ver com o interesse de todos e não com o interesse privado de algumas partes, está sendo progressivamente destruído, e a velha escola pública tem uma coisa muito interessante do meu ponto de vista, que é que entendia a educação como um assunto de todos, e recebia os alunos a partir do ponto de vista da igualdade, não da desigualdade, mas do ponto de vista da igualdade. Então, na Espanha, com a crise econômica, com os cortes em educação, saúde e em todos os serviços públicos, mas também com a destruição da mesma ideia de que a política tem algo a ver com as coisas comuns e não com interesses partidários, eu creio que o principal problema que estamos enfrentando, é justamente como defender uma ideia pública de educação em um mundo em que o público não interessa mais a ninguém. Mas eu cada vez mais tenho a sensação que a educação e o social estão sendo apropriados cada vez mais pelas corporações e cada vez menos pelo Estado, e essa ideia do “público” está se quebrando a toda velocidade.

É isso... E ser privatizada não depende de sua titularidade, não depende que o titular da universidade seja o Estado, ou o Governo Federal, ou quem seja. A privatização depende das suas lógicas de funcionamento. Pois quando a educação está a serviço da empresa, do futuro, do empreendimento, do investimento, etc., se privatiza ainda que a titularidade continue sendo pública. Para mim esse é o grande desafio: a educação está sendo pensada em função de interesses particulares e não de interesses comuns, e isto é um tema grave nesta época.

Não, o que acontece é que a partir da sociedade civil, de muitos movimentos populares, a decadência do público tem se convertido num tema prioritário da agenda. Então entendo que aí é um território de luta, de confronto, e que tudo vai depender de quem ganhe a batalha. Mas é uma batalha pela manutenção do público, pela manutenção da ideia do comum, então não há saída para isso que dependa das decisões oficiais, pois tudo tem a ver com um contrapeso e essas tendências privatizadoras; um contrapeso que vem das pessoas que trabalham com educação: professores, pais, entidades populares, e os que trabalham na área.

Veja, a ideia da escola pública tem a ver com a escola para todos, não só isso, mas com a mesma escola para todos. E a minha geração e dedicou a criticar tudo, que tinha a ver com a homogeneização. Víamos mal a homogeneização, víamos mal a uniformização, víamos mal essa ideia de um mesmo modelo para todos. Mas quando a pluralização começou a funcionar, estabelecendo hierarquia e desigualdades, de repente percebemos que criticando a homogeneização, não estávamos muito certos, digamos, e que essa ideia de uma mesma escola para todos não era uma ideia má.

E educação... mais que a educação, a escola... a escola pública é uma das poucas instituições que recebe as pessoas do ponto de vista da igualdade. Quer dizer, dentro da sala de aula, não existem ricos ou pobres, nem brancos ou negros, nem deficientes ou normais, nem inteligentes ou menos inteligentes. Todos são iguais. Creio que é uma das poucas instituições que recebia as crianças do ponto de vista da igualdade. E agora, sem dúvida, recebe do ponto de vista da desigualdade. Porque o mundo da mercantilização é um mundo hierarquizado, em termos de talento, de competências... Vivemos num mundo da competitividade, da competitividade empresarial, da competitividade pelas capacidades, pelos empregos, etc...

Então a escola entrou nessa lógica da competitividade, e se entra na lógica da competitividade, perde a ideia de igualdade.

Para mim parece que... já sei que o que digo soa... mais que inovador, soa como reacionário... A essa questão de que seria melhor jogar por terra os valores da escola pública no século XIX, nós carregamos algumas coisas importantes, acabamos com algumas coisas importantes, e só agora começamos a ter consciência disso.

Não, não... Mas pelo critério sim, pelo critério da igualdade sim.

A formação dos professores, está, mudando a toda velocidade por duas razões: primeiro pela psicologização da ideia da educação. Mas para o psicológico que para o pedagógico sim... e isso tem a ver com formar professores com novas formas de avaliar, de aprender , de ensinar , a questão das novas tecnologias. Definitivamente tudo o que dá dinheiro hoje em dia, tudo que é negócio hoje em dia. A educação é um gigantesco negócio. Há muitas coisas para vender ali, é um gigantesco negócio. Então eu tenho a sensação de que a formação dos professores está cada vez mais voltada ao que interessa vender à escola num momento determinado. Veja não quero fazer aqui um discurso assim meio anticapitalista, porque não sei se tem muito sentido...

Sim? Não sei, não sei... ou melhor, sim...É isto que estou dizendo sim.

Mas a formação de professores na Espanha está dominada neste momento pelas questões didáticas, quer dizer, pelos métodos de ensino e pelas questões tecnológicas. Porque é aí onde está o negócio. Por que é aí onde tem coisas para vender, tanto em questões metodológicas, como em questões tecnológicas. Por exemplo, existe gigantescos lobbyes interessados em transformar a sala de aula num centro de conexões. E todo esse discurso que imagino que aqui no Brasil também esteja presente de entender a aula como um entorno da aprendizagem, onde a relação com a aprendizagem, é uma relação individual e portanto, privatizada tem a ver com a tecnologização da sala de aula. Eu creio que a sala de aula como espaço tridimensional, onde se constrói uma conversação com um grupo, quando se converte num centro de conexões, isso desaparece. E sala de aula está desaparecendo. Na universidade já desapareceu completamente. Uma aula é um centro de conexões. Creio que é um caminho errado sim.

Eu já sei que custa a me fazer entender ... Mas como bom reacionário que sou ...bem, porque quando as pessoas não se vendem constantemente, não se vendem completamente à ideia da inovação e de que o futuro é melhor que o presente, parece que é um reacionário, e eu já me converti num reacionário a contragosto, e como reacionário que sou, penso que o assunto estaria em como manter um a ideia séria de educação em um contexto novo. Mas creio que a ideia de educação não deveria mudar muito. A ideia da educação...o que é educação, sobre isso vou falar um pouquinho amanhã ... sobre o que é a educação, tenho a sensação de que estamos perdendo o sentido comum nisso. Estamos perdendo o sentido comum em muitas coisas em nossa época, mas nas questões de educação, estamos perdendo o sentido comum a toda velocidade. Então ninguém, quase ninguém tem claro o que é educação.

Se eu te perguntasse, você poderia dizer o que é educação? Eu creio que eu poderia responder, não em três frases, mas creio que poderia responder, e isso é independente um pouco dos contextos. Por exemplo, amanhã , vou tentar articular uma ideia de educação que está em um texto clássico de 1958, de Hannah Arendt, onde Hannah Arendt disse que a educação tem a ver com uma dupla responsabilidade. A educação, disse Hannah Arendt, é o lugar onde decidimos se amamos o mundo o bastante a ponto de assumir uma responsabilidade por ele, se assim transmiti-lo a nossos descendentes. E se amamos os nossos filhos o bastante a ponto não abandoná-los aos seus próprios recursos, e prepará-los para renovar um mundo comum. Aí existe uma ideia de educação bastante clara. A educação tem a ver com a preservação da infância... “ ... se amamos nossos filhos o bastante para não abandoná-los a seus próprios recursos e prepará-los para a tarefa de renovar o mundo comum”. Aí a educação tem a ver com o amor à infância e com a renovação do mundo. Tem a ver com essas duas coisas. E aí é muito claro. O que significa escola a partir desta perspectiva é muito claro. E se pode fazer igual com essa tecnologia e sem tecnologias, em um contexto pré – alfabético, ou pós - alfabético e assim por diante...mas se trataria disso, eu creio que não há nenhuma ideia diretriz de educação, como também não há uma ideia diretriz de justiça, ou uma ideia diretriz do comum. Creio que essas ideias já não existem. Por isso o mundo está perdendo um pouquinho o sentido comum, e por isso a escola é tão frágil quando as forças dominantes de hoje em dia tentam se apropriar dela, porque não têm como resistir. Se existe uma ideia de justiça, as pessoas têm algo com o que resistir... mas se a ideia de justiça desaparece, o que fazemos?

Está desaparecendo sim, ou está pluralizando-se de tal modo que já não é praticamente reconhecível.

Isso tem a ver também com o que você perguntava antes, sobre a formação dos professores. Teria que ver também com a maneira como a formação dos professores, e dos pedagogos e educadores na Espanha , todas as disciplinas que têm a ver com o pensamento estão sendo destruídas. Porque são inúteis, porque não são profissionais, porque não desenvolve nenhuma competência profissional específica, porque não são úteis, etc. Quer dizer que no campo da educação, a reflexão sobre que educação queremos está sendo progressivamente colocada de lado, substituída por competências técnicas e práticas concretas, pela didática para entender a nós mesmos, e pela psicologia para entender a nós mesmos

Isso mesmo. Para mim parece que isso acontece, está acontecendo em muitos lugares profissionais. A ideia diretriz que orienta uma função pública, não importa definitivamente a ninguém, não importa a ninguém. Mas veja, a defesa da velha escola pública que fiz no início, muito reacionária, muito do século dezenove e o que quer que seja, e sem matizes porque é preciso definir matizes para muitas coisas aí, pois essa velha ideia da escola pública a quem interessa hoje em dia? Aos pais não! Os pais estão interessados em qual serão os salários que a escola vai dar a seus filhos. Os pais quando levam seus filhos à escola estão comprando uma mercadoria e querem comprá-la ao preço mais barato possível, para vendê-la ao preço mais caro possível, não é? Estão interessados basicamente na rentabilidade profissional e extraescolar da educação que estão dando. Exatamente. Que estão dando para seus filhos. Se você ler a bibliografia norte- americana, que é um pouco a que está sendo colocada no mundo todo, essa lógica é clara, praticamente desde o nascimento. Ou seja, quando as crianças nascem e já se fala em estimulação precoce, de como conseguir que vão às escolas não –sei – quê estão pensando definitivamente em dizer que se a criança nasce é para chegar a Harvard e obtenha boas credenciais. Portanto, os pais privatizam a educação, tanto que a submetem a seus interesses particulares, legítimos, mas particulares. E o Estado está a serviço das corporações. Ou seja, o Estado... Em que lugar do mundo o Estado ainda defende o comum e o público às corporações? Em nenhum lugar do mundo. O Estado está a serviço das corporações, na Espanha isso é mais claro que água. Ou seja, já não sei muito bem para que votamos a cada ano , pois as pessoas para as quais votamos para que governem, não governam. Governam os mercados, as instituições multinacionais, etc. Enquanto o Estado também não tem nenhum interesse nessa ideia de escola pública. Os professores seguramente também não. Por isso creio que não interessa muito a ninguém Somente interessaria... O professor talvez sim. Talvez o professor seja o único militante da ideia da educação. Por isso eu acredito cada vez mais que a educação não é uma coisa que já esteja nas instituições que se criam para isso, mas é algo que o professor faz, quando o professor constrói uma relação com o espaço, com o tempo, com a matéria de estudo, uma relação com os estudantes do ponto de vista da igualdade. É um acontecimento , algo que se fabrica e se constrói a cada dia. É isso sim. O professor está se convertendo cada vez mais em uma espécie de... Sim, num resistente, em nome do quê não se sabe bem. Há pressões que chegam para ele de todos os lados. Agora começa a haver uma questão salarial porque a redução salarial está sendo grande nos últimos anos, mas até agora era uma questão menor. A questão salarial até agora na Espanha era uma questão menor. A profissão de professor era uma profissão relativamente bem paga e relativamente bem valorizada socialmente, coisa que aqui não ocorre.

Não é assim, mas veja que quando o professor perde sua iniciativa e sua capacidade de decisão e se converte em um mero transmissor de políticas e de maneiras de fazer que foram desenhadas em outro lugar, esse professor é completamente intercambiável. Por que devemos pagar bem se não tem nenhum responsabilidade profissional, se a única coisa que faz é administrar práticas e modos de fazer e procedimentos que foram desenhados em outro lugar? É um pouco... Existe quem esteja estudando agora que uma das coisas que estão acontecendo nos últimos anos tem a ver com a desqualificação da maioria das profissões. Quer dizer que os médicos não fazem outra coisa a não ser aplicar protocolos e procedimentos que lhes são dados. Então um médico deixaria de ser um profissional responsável por suas decisões e que tem um saber que só ele tem e que tem a ver com a experiência, com seu talento e sua maneira de ser. Isso o transforma em uma pessoa intercambiável, quando um serve. Nessa desqualificação, acredito que os professores estão entrando muito rapidamente , nessa desqualificação, e portanto manter um certo nível salarial não tem sentido, porque como tal é uma profissão que não requer nada especial, só é preciso ser obediente. E ser obediente...


Não, acredito que não. Não, o que acontece é que o presente não me agrada muito. Vivemos em tempos de decadência, uma época muito decadente. Quer dizer, vou explicar essa palavra decadente. Vivemos em uma época em que os valores e os modos de fazer que articularam a modernidade europeia durante anos, estão sendo destruídos a toda velocidade e o que vem, não sabemos muito o que é. Ou melhor, não acreditamos muito no que vem. É a isso que me refiro quando digo decadente. Decadente quer dizer que vivemos na ruína de uma época, e de uma série de ideias que vieram e orientaram a educação e outras coisas, mas vivemos na ruína de algumas ideias e de algumas formas de fazer. E as que estão substituindo , o que está emergindo nessa espécie de território arruinado, não sabemos muito bem o que é. Mas tudo brilha muito, se vendem bem, com muita publicidade, muito discurso... Exatamente, brilha muito. Mas isso é o que chamo de decadente.

Para mim está nos professores e na relação que os cidadãos sejam capazes de manter com os poderes públicos, se é capaz de exigir que os poderes públicos sigam com a educação estruturada a partir do ponto de vista da igualdade, da igualdade de oportunidades, escola para todos, etc.

Apesar dos políticos. Sim porque essa ideia de que... bem, a ideia de democracia! O que é democracia? A democracia é uma invenção muito estranha, que inventaram os gregos há muito tempo, que significa que todo mundo poderia participar dos assuntos comuns. Mas os comuns. Os comuns não são nem os seus nem os meus. Não são nem os interesses dos jornalistas, os interesses dos professores, os interesses das empresas. Não são interesses particulares. São os que têm a ver com todos. Com os assuntos de todos. Isso é a democracia, não é verdade? E ademais a democracia acolhe as pessoas a partir do ponto de vista da igualdade. O voto de um analfabeto vale o mesmo que o voto de alguém que tenha três doutorados. E do ponto de vista da democracia, não há nem brancos nem negros, nem ricos nem pobres, nem nada disso. Todos os cidadãos são idealmente iguais. Não digo realmente iguais, mas todos são idealmente iguais. Eu creio que a ideia da escola pública constitutivamente tem um pouco as mesmas características que a democracia. Essa ideia de que todos são idealmente iguais, frente a alguma coisa que é o processo educativo, que tem a ver com o público , tem a ver com todos , não é um assunto que esteja ligado a interesses particulares , mas é um assunto que é do interesse de todos, todos. E é por isso que você dizia antes “ apesar dos políticos” , me parece que, essa ideia do comum...quem mantém essa ideia do comum? Essa ideia de que existe algo que tem a ver não com os interesses particulares, não com estabelecer um equilíbrio de interesses particulares, mas tem a ver com isso, com o que é de todos. Quando eu tentar desenvolver amanhã a ideia de que a educação tem a ver com a responsabilidade pelo mundo, tentarei manter um pouca essa ideia de que o mundo é uma responsabilidade de todos.

Quando conheci José Candido no jardim Revista


            Conheci José Candido em 2000, quando estivemos em sua casa no Jardim Revista. Naquela oportunidade, recém-graduado no curso de Geografia, transitávamos pelo Brasil com olhos e ouvidos bem abertos para a diversidade de culturas, lugares, paisagens e etc. Nosso primeiro contato com o Jardim Revista foi de surpresa. Toda uma porção de terra à margem direita do rio Tietê com relevo, uma terra elevada. Alguns se referem ao bairro como o morro do Revista. De fato, transitar pelas ruas ainda de terra com declividades acentuadas, não era tarefa das mais fáceis. As ruas principais, consideradas assim devido ao fluxo do transporte coletivo de passageiros, possuíam pavimentação asfáltica.
            Em 2005 pedimos ao Candido para organizar uma conversa com os moradores mais antigos do bairro. Investigávamos as origens do bairro e, principalmente, o nome do córrego no fundo do vale onde aconteciam épicas peladas (de futebol), campeonatos do bairro onde se destacava um tal goleiro de baixa estatura, considerado o Pelé debaixo das traves. Enfim, procurávamos o nome do córrego, alguma referência histórica que nos ajudasse nessa busca. Bem, na conversa e nas andanças com o Candido pelo bairro, conhecemos dona Mariinha. Uma senhora pequenina, linda, bem velhinha então que dizia morar no bairro desde antes do bairro existir. Ela nos contou passagens maravilhosas do início daquele povoamento. Sobre o nome do córrego, ela afirmou: “chama-se corguínho. Agora, quando chovia, nóis chamava de córgo.” Mariinha disse que as mulheres desciam e subiam o morro por uma trilha muito estreita, com as latas de roupa na cabeça, em direção ao córrego para lavar. Esse trajeto exigia muito esforço, mas era facilmente vencido pelas mulheres que moravam nas poucas e distantes casas entre si, e muitas crianças à volta, todas cantando dentre outras canções, esta:

Lava, lava
Lavadeira
Lava roupa o dia inteiro
De manhã tá na cozinha
À tardinha, passar um café.

Contou também que durante a lavação da roupa, as crianças brincavam na água fazendo uma algazarra. Era uma alegria... Tudo isso para nos dizer que o córrego estava ali à disposição de todos com água boa para beber, lavar roupa, cozinhar, para a alegria das crianças. A paisagem descrita por dona Mariinha e seus amigos e amigas remete à década de 1950-60. As poucas casas ficavam na parte alta do morro do jardim Revista com largos espaços entre elas. Poucos moradores que ela lembrava por sobrenome. Tudo era mato e algumas trilhas levavam para o rio e para as conexões com a cidade. Interessante perceber uma característica de Suzano: os moradores se remetem à região central, ao núcleo urbano no entorno da estação da CPTM como “Suzano”. Parece uma compreensão de periferia como não cidade, como uma outra coisa que não Suzano. Portanto, ao partir dos bairros para o centro da cidade, a pessoa parte para Suzano.
            A família Candido chegou a Suzano, especificamente ao convívio no bairro de dona Mariinha, no ano de 1973. Segundo ela, Candido chegou com o bairro já crescido.

Em vários pontos da cidade uma história se repetia, contada por gerações diferentes: o sapato na sacolinha de mercado. As pessoas saíam da casa calçando um sapato velho, um chinelo por exemplo. E numa sacola carregavam o sapato de sair. Com o sapato velho ou chinelo, seguiam por ruas não pavimentadas, cheio de barro no tempo da chuva ou poeira na estiagem. Chegando ao ponto de ônibus que, este sim, circulava por ruas pavimentadas com asfalto, os sapatos eram substituídos. Quando o sapato velho estava muito sujo, dentro da sacolinha ele ficava escondido por perto do ponto de parada aguardando para a saga do retorno entre o ponto e a casa. Tudo isso para, segundo a contação da história, não chegar com os pés sujos, o que revelava uma certa vergonha pública. Como se, na esteira do raciocínio de outrem, o limpo representando uma suposta objetividade, uma transparência, como se não existisse a subjetividade, a opacidade aqui representada pelo sujo. Como se a periferia da cidade, apesar de sua potência inovadora, representasse o sujo e os lugares nobres da cidade representassem o limpo. Quando o sujeito desloca no chão da cidade, transitam, circulam neste movimento ligam esses lugares e dimensões. Cidade e sujeito compreendidos como obra aberta.
Esta breve história coletada na realidade concreta da cidade (feminina) e do urbano (masculino) nos provocam a pensar tantas analogias. E neste movimento aparecem aberturas para produção de sentidos outros, conceitos outros, novas possibilidades de olhar para a cidade, de perspectiva-la, e de produzir-se.

Pois bem, a casa da família Candido era muito comprida. Não era grande. Como muitas casas nas periferias urbanas, várias construções distribuídas num mesmo terreno, este com forte desnível. E um longo corredor intercalando piso plano e lances de escada. Posicionada numa quadra cujo arruamento definia um triângulo fechado no cruzamento principal que garantia acesso à padaria, no pequeno centro comercial, e à parada de ônibus. Enfim, para acessar o alto do morro do Revista, uma volta grande com forte inclinação precisava ser vencida pelos pedestres. Então, contamos o que chamou muito a nossa atenção: como o corredor da casa dos Candido ligava as duas ruas, e as escadarias facilitavam o trânsito morro acima e morro abaixo, os portões entreabertos durante o dia e a casa funcionava como passagem dos moradores do entorno. Uma espécie de comunidade se estabelecia. Porta e janela da cozinha ficavam abertas permanentemente. Dona Laura, esposa do seu Candido, trabalhava na cozinha entre cumprimentos e conversas com todos que trafegavam pelo corredor. Candido, ao telefone, interrompia suas conversas para receber os vizinhos que, passando pelo corredor, ao ouvirem sua voz, paravam para um café e um dedinho de prosa. Inusitado não menor pela fruteira. Logo cedo, frutas passavam da cozinha para o corredor e eram consumidas pelos transeuntes, especialmente pelas crianças. Assuntos mais importantes eram discutidos na sala, entre brincadeira das crianças e o ruído da televisão. Uma intensa relação de vizinhança se estabelecia no fluxo do corredor que ligava a parte baixo e alta neste trecho do morro do Revista. Se nossa memória não falha muito, foi mais ou menos assim uma manhã inesquecível do ano de 1998 quando nos colocamos a pensar sobre a diluição da fronteira entre público e privado. Uma espécie de comunidade se criou ao redor de um casal, seu Candido e dona Laura, acolhedor, solidário, popular. O corredor da casa dos Candido era a brecha no Jardim Revista.

Bem, voltemos ao Candido. Mestre Candido como era chamado. Um sujeito inesquecível em sua simplicidade, carisma e sabedoria.

            Mestre Candido, uma brecha na política.



104º Bate Papo Cultural - "Corpo em movimento: uma pedagogia da cidade"


Apresentamos aqui algumas linhas de nossa pesquisa de pós-graduação em Educação a partir da experiência vivida em Suzano/SP entre 2005 e 2008 durante o governo Marcelo Candido com a política do Orçamento Participativo. A convite do Arquivo Público de Rio Claro/SP, tal apresentação compôs o 104 Bate Papo Cultural.

Educação e democracia


Há momentos na vida em que a questão de
saber se podemos pensar diferentemente do
que pensamos, e perceber diferentemente do que
vemos, é absolutamente necessária se quisermos
continuar de algum modo a olhar e refletir.
Michel Foucault


A leitura de Gert Biesta nos convida a pensar na relação entre educação e democracia. Este autor tem nos ajudado nessa empreitada em nossos estudos sobre a pedagogia social desde 2014. Neste breve texto vamos trabalhar um pouco a partir de questões que disparam nosso pensamento sobre o tema. Seria a escola o lugar de preparar as crianças e jovens para futura participação na democracia? Queremos superar a ideia da escola como preparação e pensar a escola como o lugar onde indivíduos podem agir. E agindo se produzem enquanto sujeito. Assim, ao superar a produção de indivíduos democráticos, a questão educacional chave é como os indivíduos podem ser sujeitos, tendo sempre em mente que ser sujeitos é em ação, ou seja, agindo com outros seres.
  • que tipo de escola precisamos para que estudantes possam agir?
  • quanta ação é realmente possível nas escolas?
  • é possível ser uma pessoa democrática na escola hoje?
Um aspecto importante nesse nosso exercício de pensamento é o ambiente. É necessário um ambiente educacional onde estudantes tenham oportunidade real de tomar iniciativa. Este ambiente (1) requer que a linguagem não seja apenas uma habilidade que estudantes devem adquirir mas seja compreendida como uma maneira de se introduzir no mundo: a  linguagem media as relações entre EU e OUTRO. (2) Requer ainda mais educadores com real interesse pelas iniciativas de estudantes. E (3) requer menos atenção aos resultados expressos em tabelas classificatórias; mas a busca de um novo equilíbrio entre criança e currículo de forma que haja tempo disponível e condições para tais iniciativas empreenderem algo inesperado por nós. Estamos falamos de um escola centrada na ação.
Quanto mais ações possíveis na escola, melhor. Porque a prática de um grêmio estudantil, por exemplo, ou decisões tomadas em assembleia, não configuram necessariamente uma escola democrática. A deliberação é apenas uma possibilidade que os indivíduos possam se tornar sujeitos agindo no mundo. Há tantas outras possibilidades a serem experimentadas na escola e ainda inúmeras a serem inventadas.
Ainda nesse exemplo do grêmio como uma forma de participação dos estudantes na escola, a legislação em vigor assegura a organização livre dos grêmios estudantis em nossa rede municipal de ensino fundamental. A mesma legislação assegura que compete exclusivamente aos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à organização dos grêmios. Mais do que isso, tanto eleição de seus  membros quanto aprovação do Estatuto são atribuições específicas dos alunos da respectiva unidade escolar. Como podemos ver numa rápida análise da legislação local específica, há garantias jurídicas que permitem à escola muita ação com/entre alunos. Destacamos que utilizamos a figura do grêmio estudantil como um exemplo de espaço institucionalizado para ação de um segmento específico da escola em seu dia a dia. Poderíamos citar o Conselho de Escola e ainda outros.
E temos uma excelente notícia: não existe uma fórmula pronta que transforme da noite para o dia uma escola tradicional em uma escola democrática. Tais iniciativas devem ser experimentadas permanentemente, porque uma iniciativa que se aplica bem num determinado tempo e numa determinada escola, não é necessariamente exitosa numa outra escola ou noutro tempo.
Pensando a democracia, haveria uma fronteira rígida separando escola e sociedade? Consideremos a sociedade como ela é e cujas transformações são possíveis na medida mesma da participação democrática dos indivíduos. Não podemos esperar o dia em que a escola seja a ideal, não podemos esperar a sociedade ideal para uma participação democrática. A única maneira de aperfeiçoar a qualidade democrática da sociedade é tornar a sociedade mais democrática, isto é, providenciar mais oportunidades para a ação – que é sempre ação num mundo de pluralidade e diferença. Se nosso trabalho acontece num mundo real repleto de contradições e incoerências, é nele que devemos atuar inclusive para transformá-lo. Portanto, o professor tem muito trabalho. De acordo com as investigações deste pesquisador,

as abordagens tradicionais da educação democrática perguntam como os indivíduos podem aprender a se tornar uma pessoa democrática. Se a subjetividade democrática só existe na ação, se consiste em vir ao mundo pelas maneiras como os outros respondem e adotam nossas iniciativas, então a questão de aprender não consiste em como se tornar um sujeito mas em aprender com o fato de ser e ter sido um sujeito. (Biesta, p 186)

Então, o que pode ser aprendido com o fato de ser/ter sido um sujeito? Aprendizagem compreendida com e sobre o significado da ação, do vir ao mundo, confrontando a outridade e a diferença em relação aos demais inícios e ações. É saudável inclusive perceber, a partir da ação, que outras pessoas não agiram e portanto, ainda não entraram no mundo da ação, porque se uma experiência de ação bem sucedida tem impactos na produção do sujeito, essa experiência de frustração impacta mais profundamente. Ser um sujeito tem a dimensão de estar sujeito ao que é imprevisível, diferente e outro. Nesta condição, a subjetividade pode aparecer e a democracia pode se tornar real.
O que as escolas podem fazer é tornar possível a ação e, desta maneira, criar as condições para que estudantes experimentem o que é e o que significa ser um sujeito. Porque a aprendizagem nesta experiência não é aquela que produz cidadãos democráticos. A aprendizagem que está em jogo é aquela que resulta de ter sido (ou não ter sido) um sujeito.
O desafio que está diante de nós, cada vez mais visível, é oferecer os apoios e a sustentação necessária aos movimentos de participação nas escolas, seja nos espaços existentes como o grêmio estudantil, conselho de escola ou tantos outros, ou mesmo nos espaços a serem inventados na ação possível em cada escola.
Finalizamos essa breve reflexão com um convite a partir da epígrafe escolhida para este texto: ser diferente do que somos e agir diferentemente do que agimos.
Está combinado?
Tá combinado

Podemos ver o mundo juntos,
sermos dois e sermos muitos,
nos sabermos sós sem estarmos sós.  
Abrirmos a cabeça para que afinal floresça
o mais que humano em nós.
(Caetano Veloso)



Bibliografia utilizada

BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013 (coleção Educação: experiência e sentido)

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Lei municipal 6372/03 de 21 de agosto de 2003, publicada no jornal boletim do município nr. 1574 em 29 de agosto de 2003. Dispõe sobre a livre organização de grêmios estudantis na Rede Municipal de Ensino Fundamental. Disponível em <http://www.sjc.sp.gov.br/legislacao/leis/2003/6372.pdf> Acesso em: 03/maio/2016.