Anunciação, brumas, Brumadinho

Na bruma leve das paixões que vem de dentro / Tu vens chegando prá brincar no meu quintal / No teu cavalo peito nu cabelo ao vento / E o sol quarando nossas roupas no varal

Anunciação é uma canção de Alceu Valença, gravada pela primeira vez no álbum Anjo Avesso de 1983. Pernambucano de São Bento do Una, Alceu é atento ao sentido das palavras. Vejamos o título desta canção em uma palavra: ‘Anunciação’ pode ser compreendida como ação ou efeito de anunciar. Na teologia, é a notícia, levada pelo anjo Gabriel à virgem Maria, de que ela seria a mãe do filho de Deus.

Tu vens tu vens / Eu já escuto os teus sinais

Esta canção me fazia pensar na deliciosa sensação que precede o encontro com alguém, uma pessoa muito querida que está por vir. Pensar também na sensação da espera pelo beijo, quando o coração acelera, a mão transpira. E vai por aí...

A voz do anjo sussurrou no meu ouvido / E eu não duvido já escuto os teus sinais / Que tu virias numa manhã de domingo / Eu te anuncio nos sinos das catedrais
Dizem que a canção nasceu quando o compositor esperava a chegada do filho: Alceu ouvia os gritos da mãe durante o trabalho de parto quando, à espera do primeiro choro que anuncia a chegada do bebê, ouve sinos de uma igreja das redondezas. Essa mistura de sons foi compondo as melodias da canção na cabeça do artista. São, então, duas novidades: uma vida nova vem ao mundo, uma bela criação vem ao mundo.

Tu vens tu vens / Eu já escuto os teus sinais

Abordei o sentido que esta canção produz em mim. Contudo, um episódio recente iniciou uma nova significação: ‘bruma’ pode ser compreendida como neblina, nevoeiro, algum embaçamento que, ao dificultar a visão, exige do observador muita atenção. Brumadinho é diminutivo de bruma. Brumadinho é, também, um município no estado de Minas Gerais cujo nome vem exatamente das brumas comuns naquela região de montanhas. Em 2019 o município ficou conhecido pelo acidente ambiental devido ao rompimento de uma barragem da empresa Vale S.A. Não foi a primeira vez. Vale lembrar Mariana/MG: em 2015 ocorreu o maior acidente ambiental da mineração brasileira com o rompimento da barragem do Fundão pela Samarco, empresa controlada pela Vale. Ao tratar como um acidente, parece que não há uma empresa privada explorando o minério e administrando todo seu processo produtivo. Mas isso vale para quem? para a multiplicidade de espécies animais e vegetais devastadas pela lama? para a multiplicidade de culturas devastadas? muita vida não pulsa mais. Vale a morte?

Podemos tratar o caso Mariana como crime ambiental. No caso de Brumadinho, 157 pessoas mortas e 182 pessoas desaparecidas (dados de 8/fev). Talvez estejamos diante de um crime contra a humanidade.

Ao tratar como acidente estamos preservando a empresa, estamos higienizando a marca Vale. Segundo o site da empresa, “a Vale é uma mineradora global que transforma recursos naturais em prosperidade”. Prosperidade inclui seus crimes? inclui toda a vida sentenciada de morte?

Mariana anunciou. Brumadinho anuncia. Triste Anunciação.

Ivan Rubens Dário Jr
geógrafo, doutorando em Educação.

Máscara Negra

Tanto riso, oh quanta alegria / Mais de mil palhaços no salão / Arlequim está chorando pelo amor da Colombina / No meio da multidão (...)


Calor naquele samba dominical em Rio Claro quando recebi o convite para esta coluna. Falávamos da vida cotidiana quando uma questão nos ocorreu: será que existe uma canção a respeito deste (ou daquele) tema? para tudo já existe uma canção? Então, pensei: se procurar bem, garimpar, vasculhar o cancioneiro popular, encontraremos sinais, pensamentos, ideias e reflexões, encontraremos os sentimentos e elaborações, os acontecimentos cotidianos mais elementares da existência humana. Nesse fluxo, me lembrei de um silencioso José.


Canções populares como ‘Máscara Negra’, ‘A voz do morro’, ‘Diz que fui por aí’, ‘Opinião’, imortalizadas na voz de grandes intérpretes da música brasileira, são composições de José Flores de Jesus, o Zé Keti.


Eu sou o samba / A voz do morro sou eu mesmo sim senhor / Quero mostrar ao mundo que tenho valor / Eu sou o rei do terreiro / Eu sou o samba / Sou natural daqui do Rio de Janeiro / Sou eu quem levo a alegria / Para milhões de corações brasileiros (...)


Nascido no subúrbio Rio de Janeiro em 1921, Zé Keti cantou o samba, as favelas, a malandragem, seus amores. Seu avô, flautista e pianista, costumava promover reuniões musicais em sua casa, frequentada por bambas como Pixinguinha por exemplo. Mais tarde mudou-se para Bento Ribeiro onde passou a frequentar a quadra da Portela. Um menino quieto, um José, um Zé quieto como era chamado na infância. Quieto virou kéti, daí seu nome artístico. Zé Keti foi peixeiro. Em 1960 abriu uma barraca de peixes na Praça Quinze no RJ.


Podem me prender / Podem me bater / Podem, até deixar-me sem comer / Que eu não mudo de opinião / Daqui do morro / Eu não saio, não


Além de suas canções, um episódio marcou a história da MPB: o Teatro Opinião. No contexto do golpe de militar de 1964, a canção ‘Opinião’ foi traduzida para o teatro e dirigida por Augusto Boal. Zé Keti interpretava um favelado, João do Vale fazia um nordestino das caatingas do Maranhão e Nara Leão, uma garota da alta sociedade carioca, estudante da PUC. Com alguns problemas de saúde, Nara foi substituída pela baiana Maria das Graças, ainda com 17 anos de idade. Para chegar ao Rio de Janeiro a convite de Boal, a menina contou com a ajuda do irmão Caetano Veloso. Assim, entra na cena cultural brasileira a artista Maria Bethânia. Mas essa história fica para outro dia....


No início dos anos 1970, Zé Keti foi para São Paulo onde trabalhou na reforma de prédios, trabalhou como funcionário público e representante de laboratório farmacêutico. Passou os últimos anos de sua vida na casa dos filhos entre SP e RJ. Nunca deixou de compor. Em 1999 recebeu uma homenagem pelos 60 anos de carreira. Em agosto do mesmo ano, com a morte de sua ex-mulher, entrou em profunda depressão. Morreu em 1999 aos 78 anos de idade.


Se alguém perguntar por mim / diz que fui por aí…


José Flores de Jesus é Zé Keti. Um negro suburbano carioca. Um artista brasileiro.


Ivan Rubens, estudante.

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 29/01/2019

Eleições 2018: alguns dados...


Vivemos tempos de eleições. Em outubro, diante da urna eletrônica, o povo brasileiro escolherá Presidente da República, Governador/a nos 27 estados da federação, Senadores/as, Deputados/as Federais e Deputados/as Estaduais. Por meio do voto vamos definir dois poderes em dois níveis, a saber: o poder Legislativo e o poder executivo, tanto no nível federal quanto no nível dos Estados Federados. Ou seja, escolheremos quem nos representará em Brasília e em São Paulo. Deputados e deputadas Federais, Senadoras e Senadores, deputados e deputadas estaduais; e para o poder executivo escolheremos quem, em nosso nome, governará o Estado de São Paulo, portanto o governador ou governadora, e o Brasil ou a União, portanto Presidente ou Presidenta. Bem, para colaborar com os/as (e)leitores/as, vamos colocar o processo de votação na ordem correta:

1. Primeiro voto é para deputado/a federal. Votaremos para escolher nosso representante para a Câmara Federal. Serão 4 dígitos na urna eletrônica mais a tecla confirma. Nesse caso, cada eleitor/a escolherá um/a representante, mas a Câmara Federal é composta por 513 deputados que representam os interesses do povo do seu estado. Então, o eleitorado paulista será representado por 70 deputados, o limite máximo segundo a legislação, compondo a maior bancada. O limite mínimo são 8 deputados representando a população dos estados de menor eleitorado como o Acre por exemplo.

2. Segundo voto é para Deputado/a Estadual. Votaremos para escolher nosso/a representante para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Serão 5 dígitos na urna eletrônica mais a tecla confirma. Neste caso, cada eleitor/a escolherá um/a representante, mas no total serão eleitos 94 deputados à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

3 e 4. Terceiro voto é para Senador/a. Votaremos para escolher nosso/a representante para o Senado. Serão 3 dígitos na urna eletrônica mais a tecla confirma. No Senado Federal, diferente da Câmara dos Deputados, a representação é federativa, ou seja, cada Senadora ou Senador representa seu estado. Por isso, são três representantes para cada um dos vinte e seis Estados e do Distrito Federal totalizando 81 senadoras/es. Apenas no Senado o mandato é de oito anos, mas a renovação é de quatro em quatro anos alternadamente. Ou seja, em 2018 elegeremos dois senadores. O terceiro e o quarto voto serão para Senadora e Senador.

5. O quinto voto será para Governador do estado de SP. 

6. E o sexto voto será para escolher a Presidente da República.

Seis votos no total. Se considerarmos a quantidade de dígitos por votação mais os ‘confirma’, serão vinte e cinco toques na urna eletrônica, número que pode aumentar em caso de correção ou diminuir se a opção for votar na legenda, por exemplo. Mas isso será no dia 7 de outubro. Até lá, é importante pesquisar bem para decidir em quem confiar o voto. Veja os materiais de campanha, veja o programa eleitoral, pesquise a biografia dos candidatos, quais compromissos políticos assume, que grupos de interesse representa. As informações estão aí. Seja crítico, questione, tire suas dúvidas. Exija compromissos públicos. Converse sobre isso, reflita. Esse é o jeito de exigir mais qualidade dos/as candidatos/as. Afinal, os resultados disso serão sentidos por todos nós durante os 4 (ou 8) anos do mandato.

Ivan Rubens – educador.
24/set/2018

a boa política de segurança pública

Durante o debate entre os candidatos a governador do estado de São Paulo em 16/agosto/2018, Marcelo Candido falou das possibilidades de reduzir a violência com políticas sociais. Aqui um bom exemplo:

Ser neta de Maria W. Jordão. por Ivanessa Jordão Dário Chill

Dos meus quase 40 anos vividos, vivi também outros 50 anos da vó Quinha. Pensando que ela tinha tanta lembrança anterior a mim, tive o privilégio de ouvir muuuiiiitttooossss causos, presenciei muitos aconselhamentos, e também certas aflições da vida….

Algumas lembranças da infância dela e do que vivemos me vieram à memória enquanto lia um texto que meu amado irmão escreveu para este dia primeiro de julho de 2018 quando comemoramos aniversário de 90 anos. Vou falar de alguns episódios, incluindo alguns “grandes delitos” que ela cometeu:
para poder ler romance escondido de sua mãe, a bisa Maria, que a proibia desse tipo de leitura, ela usava suas artimanhas de garota: subia nos galhos mais altos das árvores do quintal. E, mais perto das nuvens no céu, voava nas asas da literatura brasileira;
- A ânsia de esperar seu pai chegar do trabalho para mimá-la e embebedar-se de sua mansidão;
- O prazer de ornamentar, com as flores de papel que fazia, o fio do lustre da casa;
- Subir o mais alto nas árvores;
- Do mais, ter podido ser apenas uma criança que foi muito desejada e amada….

Eu penso que a palavra que resume a minha vó é “cuidado”. Ela é, desde sempre, muito atenta tanto aos detalhes quanto aos grandes atos. Detalhes que poderiam nos parecer menores mas que, com o tempo, percebemos a grandeza dos detalhes. Os detalhes, os pequenos gestos, porque é na simplicidade que estão as grandes revelações. Assim ela sempre nos revelou os valores que nos transmitia: cuidado com a casa, com os amigos (que cultivou muitos), com os problemas e defeitos de todos nós. Ela nos ensinou que não se é humano. Porque ser humano não é algo dado, fixo, pronto e acabado. Não !!! Ser humano é sempre um vir a ser humano. É um esforço paciente, cotidiano, cuidadoso de tornar-se humano. E para tornar-se humano, mais humano, o desafio permanente é o de cuidar de si, estar atento a si e ao próximo, é cuidar dos encontros que acontecem e nos acontecem ao longo da vida. É cuidar da casa. E são tantas casas: o corpo é a casa do espírito, a igreja é a casa, a cabeça é a casa do pensamento e da imaginação, a cidade é casa de uma sociedade inteira, o Brasil é casa, o mundo é casa. O livro é casa, a poesia é casa, a música é casa. E que todas essas casas são habitações de Deus.
É tentar ser melhor a cada dia. Ela sempre teve um olhar muito humano com todos à sua volta e com os que estavam longe (mas aquecidos por seus sentimentos de amor e carinho).

Impossível não lembrar:
- daquele pão quentinho cedo?
- da campainha que tocava na casa da vizinha para avisar e ser um socorro? isso mesmo: havia um interruptor que dona Auzira acionava da casa ao lado em caso de emergência.
- do lanche para levar na escola esperando no portão antes das 7h da manhã? (isso é de uma delicadeza e de um carinho indescritível)
- Impossível não lembrar:
- das revoadas de pássaros, no início e no final de cada dia, sem dizer: os pássaros da vó !
- do carinho com que recebia, e recebe até hoje, as amigas para o círculo bíblico;
- As jogatinas intermináveis de buraco?…. Sábado era sagrado!
- a ritualística dos nossos dias de aniversário;
- As trocas das toalhinhas da casa a cada ocasião especial......
Impossível não lembrar das noites de cantoria! são tantas as canções antigas que fazem parte de nosso repertório musical que aprendemos na sua voz afinada e doce;

A brincadeira de observar as placas dos carros na estrada durante nossas viagens; qual é a música? e….. olhar pela janela do carro e observar a mesma árvore, o ipê amarelo, aquela baixada, o rio, a ponte…. assim aprendemos a perceber as estações do ano, a seca, a temporada de chuva… com essa prática ela, sem anunciar, nos mostrava que o mundo é encantador. Ela despertava em nós uma curiosidade com o planeta e nos ensinava, sem grandes alardes, a urgência de cuidar da Terra, mesmo que aqui numa pequena parte de sua imensidão.

Ela nos ensinava a perceber a vida pulsante da natureza e em nossa dimensão humana: Veja a vida! Não deixe ela apenas passar….

Dentre tantos ensinamentos, aprendi crochê, tricô, costura, produzir coisas com as próprias mãos para embelezar ou presentear. Quem não passava o ano todo escolhendo o cardápio do almoço do próprio aniversário? E ela se dedicava em fazê-lo, preparava a comida com um carinho especial.

Por não estar na idade adequada, fiz o antigo pré primário duas vezes. ´meio que típico dos irmãos não perderem uma oportunidade de ‘zoar’. Os meus irmãos diziam que eu havia repetido o pré. Penso hoje em dia que vivi um ano particularmente especial…. tive uma oportunidade muito especial, única eu diria: a presença diária da minha avó Mariquinha. Fiquei em sua companhia um ano inteiro. Uma espécie de preparação intensiva para o início da minha vida (por assim dizer) formal. Foi um ano maravilhoso. Assim como é simplesmente maravilhoso ser neta da Mariquinha, conviver com ela, amá-la e receber seu amor.

Ivanessa Jordão Dário Chill

A infância do amor: os 90 anos de Maria Witzel Jordão

Dia desses uma vibração no meu celular causou uma certa vibração em mim. Isso mesmo: a chegada de uma mensagem me causou terremotos. Uma infância se fez em mim. Passei a brincar com o tempo como aquela criança que, brincando, parece habitar um mundo à parte, um mundo sem o tempo marcado pelo relógio, um mundo fantástico de fabulações e fantasias. Como se o relógio parasse e existisse no mundo apenas a criança, seus brinquedos e sua imaginação. Como disse o filósofo pré-socrático Heráclito de Eféso (535 – 475 dC), uma criança criançando.

No meu celular chegou uma imagem que não era uma fotografia qualquer: Maria Witzel Jordão e Aurora de Carvalho Bartiromo frente a frente. Olhares se atravessando e entre elas 90 anos. Presentes  tataravó e a recém nascida. Algumas perguntas me ocorreram na mesma velocidade em que meus olhos curiosos percorriam a imagem: o que minha avó estaria pensando? Mais do que isso, o que diria Mariquinha para a recém nascida Aurora? Me ocupei um pouco desta questão quando outra pergunta me ocorreu: o que dizer para uma mulher às vésperas de completar 90 anos de idade? Poderia encher de vãs palavras muitas páginas... mas, voltemos à fotografia.

Estava ali registrado: duas vidas, 90 anos e muitas vidas. Nos braços de Mariquinha estava Aurora, sua segunda tataraneta. Mariquinha lançava para Aurora um olhar enigmático, alegre e carinhoso. Um olhar emoldurado por um sorriso monalítico, um quase ri comunicativo. Como se dizendo alguma coisa com seu olhar penetrante e doce, forte e meigo. Basta pensar um pouco para surgir uma lista extensa de temas, de assuntos, de conselhos, de recomendações que os olhos da tataravó poderiam sugerir para a tataraneta. Palavras, frases, afirmações que, certamente, tornariam a caminhada da pequena mais leve, mais suave, mais tranquila. Mas quais seriam exatamente as palavras cuidadosamente escolhidas para compor esta frase? Fiquei pensando se uma única palavra resumiria esse diálogo silencioso, mudo de palavras e inesgotável em conteúdo, em sabedoria de vida.

Tentei saber da Mariquinha o que ela diria para Aurora. Ela me disse que seu neto Francisco, agora avô pela primeira vez, conversa com a pequenina. Que ela ouviu o infante marujo dizendo: você é linda, você é muito querida aqui, você é muito amada, e coisas desse tipo. Num primeiro momento pensei que ela esquivara da minha pergunta mas, logo percebi a grandeza de sua resposta. Francisco experimenta uma infância em ser avô e constitui uma linguagem entre ele e Aurora; eu experimento uma infância ao olhar aquela linda fotografia e tentar uma linguagem para a festa que se produz em mim; Aurora tem diante de si um mundo imenso de afecções que, neste momento é experimentado à flor da pele em frios, calores, umidades... já podem estar chegando os primeiros cheiros, as cores, os sons como aquele percebido na voz doce do avô. Daqui algum tempo chegarão as palavras, as frases, e com a linguagem também chegarão os primeiros entendimentos. Porque entender vem depois de sentir.

Aurora, sua segunda tataraneta, aquela que é como o nascer do sol, instaura em nossas vidas uma nova vida. E nós, descendentes da Mariquinha e seu amor por Juca Jordão que vive em nossos corações, 2 filhas, 3 netas e 2 netos, 4 bisnetas e 3 bisnetos, 2 tataranetas, que desde os primeiros raios de sol de nossas vidas recebemos todo amor da Mariquinha queremos, neste dia que remontam 90 anos, dizer de todo nosso sentimento por ela em apenas uma única palavra: AMOR!

publicado no jornal Diário de Rio Claro em 01 de julo de 2018

A que conduz?


a que conduz?
pergunta que ecoa.
não à toa
a cada entrada na sala de aula
a cada encontro que provoca ou acalma
com jovens e educadores
nas dores
no amadorismo dessa vocação
no metamorfismo da educação
no amor: qual o papel de um educador?

Existência

Se Deus existe....
Ele está no trabalho
E na alegria que nasce dessa dedicação

Se Deus existe...
Ele está na canção
E no olhar vivo de cada adultocriança

Se Deus existe....
Ele está na esperança
E no sonho de vida melhor neste mundo

Se Deus existe...
Ele está no mundo
Nas cores tatuadas do arco-iris do céu

Se Deus existe...
Ele está no céu, no mar,
Nos raios de sol, na noite de luar

Olha:
Se Deus existe...
Ele está na arte
A vida exige a arte
A arte existe porque a vida não basta. (como disse uma amiga que disparou esta escrita)

Aprendendo com o Girassol



“O girassol que inquieto procura a luz, ao ver o sol se enche de cor” 

Vários seres do reino animal desenvolveram a capacidade de enxergar no escuro. O bicho Homem não. Homens e mulheres não enxergam no escuro. Dentre outros motivos, o bicho homem talvez observando o sol e o fogo, inventou a luz. De imediato pensamos na iluminação como tornar algo visível. Acender uma lâmpada, um fósforo, o farol do carro que ilumina a estrada durante a noite e nos permite seguir um caminho. Pois bem, também associamos a escuridão àquilo que é inexorável: a morte. Neste sentido, podemos entender a ressurreição como uma nova vida, uma oportunidade para viver uma vida outra, um renascimento. Uma espécie de segunda chance (terceira, quarta, quinta...). Penso que são tantas as vidas que vivemos dentro de uma vida. Pois toda vida, nasce com uma certeza: a certeza da morte. 

Podemos aprender com os seres do reino vegetal. O Girassol, por exemplo, recebe esse nome porque sua flor acompanha a trajetória do sol, do nascente ao poente. Esta é sua necessidade vital. Girassol é um dos símbolos pascais menos conhecidos em algumas regiões. Segundo os cristãos, os seres humanos devem estar voltados para o Sol-Cristo garantindo luz e felicidade. 

Vamos aprender com o Girassol e seguir a luz na tentativa de busca permanente pelo conhecimento e na renovação da vida, uma vida outra, uma nova vida nesta mesma vida. 

(texto para Revista da Paróquia Matriz São João Batista - Rio Claro/SP)

Sistema político brasileiro: sobre a República

APRESENTAÇÃO
Recebemos o convite para colaborar com a Revista da Paróquia São João Batista que chegou pelas mãos gentis de uma representante da Pastoral da Comunicação. Alegria e expectativas produziam uma boa mistura... Devagarinho a expectativa ganhava forma de pergunta: qual seria o tema?
E a resposta veio apimentada: Sistema Político Brasileiro. Isso mesmo.
Não se tem muito a ensinar sobre um assunto tão complexo e tão presente. Cada um com o seu olhar, com sua história de vida, sua formação, suas leituras, cada um à sua maneira pensa e fala sobre a política... porque ser humano é ser político. Contudo, pensar sobre isso nos ajuda a separar o joio do trigo, sobretudo neste tempo de intensa circulação de informações, este tempo que nos convoca a opinar sobre tudo. Você não se sente meio atordoado/a às vezes?
Pois bem, aceitamos o convite com o propósito de pensar a Política neste país complexo, colorido e potente.
Quem nunca viu um novelo de lã com fios enrolados? Dá um trabalho danado para desenrolar: você começa puxando um fio do novelo, e puxa, e percebe que se puxar muito aperta um nó. Então você desata esse nó e consegue soltar mais um pouco do fio. E aquilo que era apenas um fio vai se tornando uma linha. Então você tira outro fio, que vira uma linha e o novelo vai se transformando em linhas, que se bem utilizadas podem ganhar outras formas: tecendo linhas de lã, minha avó Maria Witzel Jordão faz meias de frio que; tecendo linhas de carinhos e cuidado, aquecem pés e corações das filhas, netas/os, bisnetas/os e tataraneta.
Pensamentos são como linhas. Nosso desejo para esta ‘coluna’ é desfazer um pouco do novelo e esticar pequenas linhas de pensamento sobre o sistema político brasileiro.

Sobre o sistema político brasileiro
O Brasil é uma República Federativa Presidencialista, formada pela União, 27 Estados, o Distrito Federal e 5.570 municípios. O Estado de São Paulo, por exemplo, possui 645 municípios, dentre eles, Rio Claro.
O exercício do poder é atribuído a órgãos distintos e independentes, submetidos a um sistema de controle para garantir o cumprimento das leis e da Constituição.
O Brasil é uma República porque o chefe de estado é eleito pelo povo, por período de tempo determinado. É Presidencialista porque o presidente da República é Chefe de Estado e também Chefe de governo. É Federativa porque os estados têm autonomia política.

A União está divida em três poderes, independentes e harmônicos:
- Executivo, que atua na execução de programas ou prestação de serviço público e, para tanto, executa o orçamento público;
- Poder Judiciário, que soluciona conflitos entre cidadãos, entidades e o estado.
- Legislativo, que elabora leis;
No nível federal, o legislativo é composto por: câmara e senado. Os senadores representam os interesses dos Estados. Os deputados federais representam os interesses da população de cada estado. Quanto maior o eleitorado de um estado, maior será sua bancada de deputados.

Curiosidades
Minas Gerais possui 853 municípios;
Roraima possui 15 municípios;
A câmara federal é composta por 513 deputados. São Paulo, o estado mais populoso e com maior eleitorado, possui a maior bancada com 70 deputados. Acre, Amazonas, Amapá, o DF, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins possuem 8 deputados cada.
O Senado brasileiro: 81 senadores sendo 3 por estado.
Senadores têm mandato de 8 anos.
Deputados Federais tem mandato de 4 anos.


(para a Revista da Paróquia Matriz São João Batista - Rio Claro/SP)

O texto baba. Transcrição da fala de Suely Rolnik





Por que que a gente inventou esse nome de texto baba?
A palavra texto baba foi inventada para dar conta de alguma coisa que estava querendo produzir... mais do que uma coisa que agente estava querendo produzir, é um lugar desde o qual a gente pensa. E a palavra baba veio porque uma vez conversando com Pierre Fédida, (analista da Lygia Clark), um psicanalista muito interessante porque se ligava muito na questão dos afetos, e ele disse: as palavras são excreções do corpo, elas são baba e aos poucos ela vai encontrando as roupinhas com as quais elas vão se apresentar.
As palavras, elas tem o conteúdo delas o significado que a gente apreende com a nossa capacidade cognitiva (nossa capacidade cognitiva é integralmente estruturada na linguagem, no repertório cultural de que a gente dispõe), então as palavras estão dentro de uma cartografia de representações, de significado. Mas as palavras são vivas nas inscrições do corpo. Que corpo? essa capacidade que tem um corpo, que é muito diferente da sua capacidade cognitiva, que é de ser afetado pelo corpo vivo do mundo é nossa condição. Uma coisa é nossa experiência subjetiva como sujeito integrado na cultura e etc; e outra coisa é nossa capacidade subjetiva como ser vivo. A experiência que a capacidade subjetiva faz como ser vivo, que é como o mundo (o cosmo e não só a Terra) que é um imenso corpo feito de forças de todas as espécies em relações que vão variando, afeta nosso corpo. Palavra afecto com c (porque não é afeto de carinho), é afecto de ser afectado, de ser tocado, de ser perturbado, de ser contaminado. E isso produz uma experiência que não tem imagem, não tem palavra, mas que ela cria uma outra maneira de ver e de sentir. E é essa experiência que, na sua tensão com o nosso campo todo de representações, significados e etc, é ela que funciona como um alarme que força o desejo a agir. O desejo entra em ação pra conseguir dar um corpo para essa experiência de maneira que ela passe a participar da realidade, das nossas imagens e etc... E que muda, muda o mapa ali. Então, essa experiência, essa ação do  desejo é que é o pensamento.

Então o pensamento tem uma função ética, porque ele tá a serviço da vida pras demandas da vida;
O pensamento tem uma função cultural, porque ele produz algo novo que muda a cartografia cultural do presente;
O pensamento tem uma função política, porque através dessa experiência (e o pensamento sobre o que fazer com essa experiência) que a gente cria escolhas e cria o que é necessário criar para que a vida individual e social volte a respirar, volte a pulsar.

E o nosso texto baba é um exercício pra poder conquistar essa capacidade de se reconectar com isso que eu chamo de saber do corpo que nós, caras pálidas, estamos destituídos desta conexão, (isso é uma das características fundamentais da subjetividade na cultura moderna-ocidental-colonial-capitalista-burguesa etc etc etc….) inclusive na subjetividade de esquerda. A esquerda é a melhor que nós temos a democracia burguesa que é o que zela, que visa a uma melhor distribuição das riquezas materiais e imateriais.

Na nossa tradição de cara pálida o pensamento, ao contrário (como a gente está desconectado com isso), ele serve pra nos apaziguar da turbulência que essa experiência nos traz e do medo que a gente  fica de se desagregar, do mundo cair, de acabar o mundo. Porque como a gente não tem essa outra capacidade, a gente só se baseia apenas na capacidade cognitiva, o mundo que é tal como é, parece que é O MUNDO e não esse mundo. Então, quando isso fica desestabilizado com essas  novas experiências, essa subjetividade reduzida ao sujeito ela fica apavorada.
E no pensamento acadêmico como é que se traduz? eu crio uma coisa, uma espécie de alucinação de completude, de verdade, que me acalma. Qual é a consequência disso? isso é  gravíssimo!
  • do ponto de vista ético, você tá interrompendo um processo de criação vital absolutamente necessário para vida estar bem, o tal do viver bem dos indígenas (que agora entrou na moda, entrou para esse sentido da perspectiva de quem está desconectado). Então, do ponto de vista ético é uma interrupção do processo vital;
  • do ponto de vista político é uma conservação de status quo;
  • do ponto de vista cultural também, é a manutenção do campo de representações.
A ideia é a gente praticar isso juntos: nós, os alunos, porque eu também... os professores…(haaaa, os professores já sabem…???!!!) mas isso é a luta de uma vida. E o  que é uma vida pra valer? é quando você está o tempo inteiro, do começo ao fim, cada vez conquistando mais possibilidades de dar espaço para isso. Então o nosso objetivo é compartilhar um exercício do pensamento desta maneira para agente ir avançando junto. Nossos seminários convidam as pessoas a apresentarem o que estão pensando nessa forma do texto baba, e ao mesmo tempo os grupos de trabalho vão trabalhando nisso e avançando junto…..

produção do texto baba:
Como é que a gente combina o texto baba? como são as consignas?
Primeiro você entre em contato com aquilo que está mais te inquietando, você sabe que tá no teu corpo, é uma experiência que tá tendo ou que acabei de ter, uma experiência que é real, e que você não tem palavra, não tem imagens... então o texto baba é pra tentar achar as palavras pra dizer, e a gente pede pra fazer só um parágrafo, é mais fácil do que escrever um monte pra dar nome pra essa inquietação, né?
Essa inquietação que é a experiência do mundo enquanto ser vivo ou o modo como o mundo enquanto o corpo vivo nos afecta, cria novas experiências, novas maneiras de ver e sentir que não tem palavra, não tem gesto, que não tem imagem. Então o exercício do pensamento consiste em encontrar essas palavras.
E uma dica que a gente dá é: se você começa a se agarrar nas palavras de autores que a gente adora (e a gente adora porque encontra essa ressonância lá - não se trata de imitar as ideias dele - é que encontra porque o autor está fazendo esse esforço e a gente fica mais fortalecido), então na hora que vem essa palavra você tem que ver que experiência você está nomeando com aquela palavra. Às vezes você botou uma palavra de um autor e quando você vai escrever saem duas palavras, saem duas frases sai um parágrafo, sai um livro às vezes... Então esse é o esforço…
E a gente pede também pra buscar em algum autor que você encontre uma ressonância, não que eu ele esteja pensando que você quer pensar, mas que leve em conta que o autor está nesse esforço e que as palavras dele estão vivas porque elas são (palavras) portadoras dessa experiência. Porque a palavra ela não é só o significado, isso é, o que a gente decifra com nossa capacidade cognitiva. As palavras são vivas porque são portadores de experiências vivas. Então quando a gente sente que tá pulsando isso lá a gente se sente acompanhado,  não para imitar, a gente se sente acompanhado para fazer o próprio caminho, o próprio processo, a própria criação.
Então a gente perde: encontra algum parágrafo de alguém (ou pode ser um pedacinho de filme) onde você sente que está. E só. Porque quanto mais conciso, mais a gente vai ter que batalhar para estar só nessas palavras não escapar. Porque aí o grupo de trabalho vai ajudar todo mundo a ver aquilo, desenvolver aquilo, ver aonde aquilo escapou. Porque em geral, como eu dizia, escapa porque baixa o superego acadêmico eu sou burro, como é que vou falar com minhas palavras, eu tenho que falar com as palavras do Foucault, do Deleuze, do Marx, (do raio que o parta, depende do meu repertório), porque caso contrário serei mal visto. Ainda vão dizer: isso aí é subjetivo! Porque como o cara pálida tá acostumado a usar só uma parte da experiência subjetiva que é o sujeito com sua capacidade cognitiva, com sua vontade, com sua consciência, totalmente estruturado no mapa cultural, a gente costuma achar que tudo o que fala a partir da experiência subjetiva é o sujeito, mas não é. É justamente nosso esforço de conquistar essa outra experiência da subjetividade que é essencial para assumir, tomar nas mãos, tomar a responsabilidade da vida... porque não tem outro lá no Céu. Porque essa responsabilidade é nossa!!!

Referências
Suely Rolnik e o texto baba. Seminário Novos Povoamentos, 2016. Disponível em: . Acesso em: 17/set/2016.

Desafios da Educação - Jorge Larrosa Bondia

Desafios da educação -  Jorge Larrosa Bondia / Espanha

Entrevista concedida a Ernesto Granetto


A primeira coisa que gostaria de dizer é que os discursos que falam de educação são cada vez mais homogêneos no mundo inteiro. Não sei o que aconteceu ultimamente no mundo acadêmico que contribuiu para isso, mas eu tenho a impressão que se fala das mesmas coisas em Bogotá, em Singapura, em Paris e em São Paulo. Tenho cada vez mais essa sensação. Então eu creio que um dos discursos que estão sendo feitos agora sobre essa questão que você me pergunta é a crise da escola: a velha ideia europeia da escola pública está sendo questionada em muitos pontos de vista e sobre isso só se fala de duas ou três coisas. Uma delas é a falta de motivação dos jovens, sobretudo porque a escola mantém procedimentos de ensino e aprendizagem em relação com os textos que estariam, diz-se, um pouco atrasados em relação ao mundo pós alfabético em que vivemos. Portando uma das coisas que se repetem constantemente, é que a escola está atrasada em relação a uma ideia de tempo, que eu não sei muito bem quem define, mas seria essa ideia: há uma falta de motivação pelas atividades escolares, porque a escola está separada do mundo pós- alfabético e fundamentalmente baseado na imagem. A outra questão que se repete constantemente é a distorção na relação entre o sistema educativo e o mundo do trabalho. É possível que a formação profissional e as questões de empregabilidade estejam em lugares diferentes da educação pública tradicional. E tem algo assim também como a escola encarnar alguns valores que socialmente são valores que já são inexistentes como, por exemplo, o esforço, a disciplina, a hierarquização, a obediência, etc. Eu creio que esses são os discursos dominantes: quando se fala dos desafios da educação se fala da falta de motivação; das distorções entre o mundo da educação e o mundo do trabalho; e da assim chamada crise de valores que faz com que a escola represente alguns valores que na sociedade estão se desvirtuando a toda velocidade. Sem dúvida me parece que a principal questão que deveria nos ocupar na atualidade em relação à educação é a destruição do público. Vivemos tempo em que o público, o que tem ver com o interesse de todos e não com o interesse privado de algumas partes, está sendo progressivamente destruído, e a velha escola pública tem uma coisa muito interessante do meu ponto de vista, que é que entendia a educação como um assunto de todos, e recebia os alunos a partir do ponto de vista da igualdade, não da desigualdade, mas do ponto de vista da igualdade. Então, na Espanha, com a crise econômica, com os cortes em educação, saúde e em todos os serviços públicos, mas também com a destruição da mesma ideia de que a política tem algo a ver com as coisas comuns e não com interesses partidários, eu creio que o principal problema que estamos enfrentando, é justamente como defender uma ideia pública de educação em um mundo em que o público não interessa mais a ninguém. Mas eu cada vez mais tenho a sensação que a educação e o social estão sendo apropriados cada vez mais pelas corporações e cada vez menos pelo Estado, e essa ideia do “público” está se quebrando a toda velocidade.

É isso... E ser privatizada não depende de sua titularidade, não depende que o titular da universidade seja o Estado, ou o Governo Federal, ou quem seja. A privatização depende das suas lógicas de funcionamento. Pois quando a educação está a serviço da empresa, do futuro, do empreendimento, do investimento, etc., se privatiza ainda que a titularidade continue sendo pública. Para mim esse é o grande desafio: a educação está sendo pensada em função de interesses particulares e não de interesses comuns, e isto é um tema grave nesta época.

Não, o que acontece é que a partir da sociedade civil, de muitos movimentos populares, a decadência do público tem se convertido num tema prioritário da agenda. Então entendo que aí é um território de luta, de confronto, e que tudo vai depender de quem ganhe a batalha. Mas é uma batalha pela manutenção do público, pela manutenção da ideia do comum, então não há saída para isso que dependa das decisões oficiais, pois tudo tem a ver com um contrapeso e essas tendências privatizadoras; um contrapeso que vem das pessoas que trabalham com educação: professores, pais, entidades populares, e os que trabalham na área.

Veja, a ideia da escola pública tem a ver com a escola para todos, não só isso, mas com a mesma escola para todos. E a minha geração e dedicou a criticar tudo, que tinha a ver com a homogeneização. Víamos mal a homogeneização, víamos mal a uniformização, víamos mal essa ideia de um mesmo modelo para todos. Mas quando a pluralização começou a funcionar, estabelecendo hierarquia e desigualdades, de repente percebemos que criticando a homogeneização, não estávamos muito certos, digamos, e que essa ideia de uma mesma escola para todos não era uma ideia má.

E educação... mais que a educação, a escola... a escola pública é uma das poucas instituições que recebe as pessoas do ponto de vista da igualdade. Quer dizer, dentro da sala de aula, não existem ricos ou pobres, nem brancos ou negros, nem deficientes ou normais, nem inteligentes ou menos inteligentes. Todos são iguais. Creio que é uma das poucas instituições que recebia as crianças do ponto de vista da igualdade. E agora, sem dúvida, recebe do ponto de vista da desigualdade. Porque o mundo da mercantilização é um mundo hierarquizado, em termos de talento, de competências... Vivemos num mundo da competitividade, da competitividade empresarial, da competitividade pelas capacidades, pelos empregos, etc...

Então a escola entrou nessa lógica da competitividade, e se entra na lógica da competitividade, perde a ideia de igualdade.

Para mim parece que... já sei que o que digo soa... mais que inovador, soa como reacionário... A essa questão de que seria melhor jogar por terra os valores da escola pública no século XIX, nós carregamos algumas coisas importantes, acabamos com algumas coisas importantes, e só agora começamos a ter consciência disso.

Não, não... Mas pelo critério sim, pelo critério da igualdade sim.

A formação dos professores, está, mudando a toda velocidade por duas razões: primeiro pela psicologização da ideia da educação. Mas para o psicológico que para o pedagógico sim... e isso tem a ver com formar professores com novas formas de avaliar, de aprender , de ensinar , a questão das novas tecnologias. Definitivamente tudo o que dá dinheiro hoje em dia, tudo que é negócio hoje em dia. A educação é um gigantesco negócio. Há muitas coisas para vender ali, é um gigantesco negócio. Então eu tenho a sensação de que a formação dos professores está cada vez mais voltada ao que interessa vender à escola num momento determinado. Veja não quero fazer aqui um discurso assim meio anticapitalista, porque não sei se tem muito sentido...

Sim? Não sei, não sei... ou melhor, sim...É isto que estou dizendo sim.

Mas a formação de professores na Espanha está dominada neste momento pelas questões didáticas, quer dizer, pelos métodos de ensino e pelas questões tecnológicas. Porque é aí onde está o negócio. Por que é aí onde tem coisas para vender, tanto em questões metodológicas, como em questões tecnológicas. Por exemplo, existe gigantescos lobbyes interessados em transformar a sala de aula num centro de conexões. E todo esse discurso que imagino que aqui no Brasil também esteja presente de entender a aula como um entorno da aprendizagem, onde a relação com a aprendizagem, é uma relação individual e portanto, privatizada tem a ver com a tecnologização da sala de aula. Eu creio que a sala de aula como espaço tridimensional, onde se constrói uma conversação com um grupo, quando se converte num centro de conexões, isso desaparece. E sala de aula está desaparecendo. Na universidade já desapareceu completamente. Uma aula é um centro de conexões. Creio que é um caminho errado sim.

Eu já sei que custa a me fazer entender ... Mas como bom reacionário que sou ...bem, porque quando as pessoas não se vendem constantemente, não se vendem completamente à ideia da inovação e de que o futuro é melhor que o presente, parece que é um reacionário, e eu já me converti num reacionário a contragosto, e como reacionário que sou, penso que o assunto estaria em como manter um a ideia séria de educação em um contexto novo. Mas creio que a ideia de educação não deveria mudar muito. A ideia da educação...o que é educação, sobre isso vou falar um pouquinho amanhã ... sobre o que é a educação, tenho a sensação de que estamos perdendo o sentido comum nisso. Estamos perdendo o sentido comum em muitas coisas em nossa época, mas nas questões de educação, estamos perdendo o sentido comum a toda velocidade. Então ninguém, quase ninguém tem claro o que é educação.

Se eu te perguntasse, você poderia dizer o que é educação? Eu creio que eu poderia responder, não em três frases, mas creio que poderia responder, e isso é independente um pouco dos contextos. Por exemplo, amanhã , vou tentar articular uma ideia de educação que está em um texto clássico de 1958, de Hannah Arendt, onde Hannah Arendt disse que a educação tem a ver com uma dupla responsabilidade. A educação, disse Hannah Arendt, é o lugar onde decidimos se amamos o mundo o bastante a ponto de assumir uma responsabilidade por ele, se assim transmiti-lo a nossos descendentes. E se amamos os nossos filhos o bastante a ponto não abandoná-los aos seus próprios recursos, e prepará-los para renovar um mundo comum. Aí existe uma ideia de educação bastante clara. A educação tem a ver com a preservação da infância... “ ... se amamos nossos filhos o bastante para não abandoná-los a seus próprios recursos e prepará-los para a tarefa de renovar o mundo comum”. Aí a educação tem a ver com o amor à infância e com a renovação do mundo. Tem a ver com essas duas coisas. E aí é muito claro. O que significa escola a partir desta perspectiva é muito claro. E se pode fazer igual com essa tecnologia e sem tecnologias, em um contexto pré – alfabético, ou pós - alfabético e assim por diante...mas se trataria disso, eu creio que não há nenhuma ideia diretriz de educação, como também não há uma ideia diretriz de justiça, ou uma ideia diretriz do comum. Creio que essas ideias já não existem. Por isso o mundo está perdendo um pouquinho o sentido comum, e por isso a escola é tão frágil quando as forças dominantes de hoje em dia tentam se apropriar dela, porque não têm como resistir. Se existe uma ideia de justiça, as pessoas têm algo com o que resistir... mas se a ideia de justiça desaparece, o que fazemos?

Está desaparecendo sim, ou está pluralizando-se de tal modo que já não é praticamente reconhecível.

Isso tem a ver também com o que você perguntava antes, sobre a formação dos professores. Teria que ver também com a maneira como a formação dos professores, e dos pedagogos e educadores na Espanha , todas as disciplinas que têm a ver com o pensamento estão sendo destruídas. Porque são inúteis, porque não são profissionais, porque não desenvolve nenhuma competência profissional específica, porque não são úteis, etc. Quer dizer que no campo da educação, a reflexão sobre que educação queremos está sendo progressivamente colocada de lado, substituída por competências técnicas e práticas concretas, pela didática para entender a nós mesmos, e pela psicologia para entender a nós mesmos

Isso mesmo. Para mim parece que isso acontece, está acontecendo em muitos lugares profissionais. A ideia diretriz que orienta uma função pública, não importa definitivamente a ninguém, não importa a ninguém. Mas veja, a defesa da velha escola pública que fiz no início, muito reacionária, muito do século dezenove e o que quer que seja, e sem matizes porque é preciso definir matizes para muitas coisas aí, pois essa velha ideia da escola pública a quem interessa hoje em dia? Aos pais não! Os pais estão interessados em qual serão os salários que a escola vai dar a seus filhos. Os pais quando levam seus filhos à escola estão comprando uma mercadoria e querem comprá-la ao preço mais barato possível, para vendê-la ao preço mais caro possível, não é? Estão interessados basicamente na rentabilidade profissional e extraescolar da educação que estão dando. Exatamente. Que estão dando para seus filhos. Se você ler a bibliografia norte- americana, que é um pouco a que está sendo colocada no mundo todo, essa lógica é clara, praticamente desde o nascimento. Ou seja, quando as crianças nascem e já se fala em estimulação precoce, de como conseguir que vão às escolas não –sei – quê estão pensando definitivamente em dizer que se a criança nasce é para chegar a Harvard e obtenha boas credenciais. Portanto, os pais privatizam a educação, tanto que a submetem a seus interesses particulares, legítimos, mas particulares. E o Estado está a serviço das corporações. Ou seja, o Estado... Em que lugar do mundo o Estado ainda defende o comum e o público às corporações? Em nenhum lugar do mundo. O Estado está a serviço das corporações, na Espanha isso é mais claro que água. Ou seja, já não sei muito bem para que votamos a cada ano , pois as pessoas para as quais votamos para que governem, não governam. Governam os mercados, as instituições multinacionais, etc. Enquanto o Estado também não tem nenhum interesse nessa ideia de escola pública. Os professores seguramente também não. Por isso creio que não interessa muito a ninguém Somente interessaria... O professor talvez sim. Talvez o professor seja o único militante da ideia da educação. Por isso eu acredito cada vez mais que a educação não é uma coisa que já esteja nas instituições que se criam para isso, mas é algo que o professor faz, quando o professor constrói uma relação com o espaço, com o tempo, com a matéria de estudo, uma relação com os estudantes do ponto de vista da igualdade. É um acontecimento , algo que se fabrica e se constrói a cada dia. É isso sim. O professor está se convertendo cada vez mais em uma espécie de... Sim, num resistente, em nome do quê não se sabe bem. Há pressões que chegam para ele de todos os lados. Agora começa a haver uma questão salarial porque a redução salarial está sendo grande nos últimos anos, mas até agora era uma questão menor. A questão salarial até agora na Espanha era uma questão menor. A profissão de professor era uma profissão relativamente bem paga e relativamente bem valorizada socialmente, coisa que aqui não ocorre.

Não é assim, mas veja que quando o professor perde sua iniciativa e sua capacidade de decisão e se converte em um mero transmissor de políticas e de maneiras de fazer que foram desenhadas em outro lugar, esse professor é completamente intercambiável. Por que devemos pagar bem se não tem nenhum responsabilidade profissional, se a única coisa que faz é administrar práticas e modos de fazer e procedimentos que foram desenhados em outro lugar? É um pouco... Existe quem esteja estudando agora que uma das coisas que estão acontecendo nos últimos anos tem a ver com a desqualificação da maioria das profissões. Quer dizer que os médicos não fazem outra coisa a não ser aplicar protocolos e procedimentos que lhes são dados. Então um médico deixaria de ser um profissional responsável por suas decisões e que tem um saber que só ele tem e que tem a ver com a experiência, com seu talento e sua maneira de ser. Isso o transforma em uma pessoa intercambiável, quando um serve. Nessa desqualificação, acredito que os professores estão entrando muito rapidamente , nessa desqualificação, e portanto manter um certo nível salarial não tem sentido, porque como tal é uma profissão que não requer nada especial, só é preciso ser obediente. E ser obediente...


Não, acredito que não. Não, o que acontece é que o presente não me agrada muito. Vivemos em tempos de decadência, uma época muito decadente. Quer dizer, vou explicar essa palavra decadente. Vivemos em uma época em que os valores e os modos de fazer que articularam a modernidade europeia durante anos, estão sendo destruídos a toda velocidade e o que vem, não sabemos muito o que é. Ou melhor, não acreditamos muito no que vem. É a isso que me refiro quando digo decadente. Decadente quer dizer que vivemos na ruína de uma época, e de uma série de ideias que vieram e orientaram a educação e outras coisas, mas vivemos na ruína de algumas ideias e de algumas formas de fazer. E as que estão substituindo , o que está emergindo nessa espécie de território arruinado, não sabemos muito bem o que é. Mas tudo brilha muito, se vendem bem, com muita publicidade, muito discurso... Exatamente, brilha muito. Mas isso é o que chamo de decadente.

Para mim está nos professores e na relação que os cidadãos sejam capazes de manter com os poderes públicos, se é capaz de exigir que os poderes públicos sigam com a educação estruturada a partir do ponto de vista da igualdade, da igualdade de oportunidades, escola para todos, etc.

Apesar dos políticos. Sim porque essa ideia de que... bem, a ideia de democracia! O que é democracia? A democracia é uma invenção muito estranha, que inventaram os gregos há muito tempo, que significa que todo mundo poderia participar dos assuntos comuns. Mas os comuns. Os comuns não são nem os seus nem os meus. Não são nem os interesses dos jornalistas, os interesses dos professores, os interesses das empresas. Não são interesses particulares. São os que têm a ver com todos. Com os assuntos de todos. Isso é a democracia, não é verdade? E ademais a democracia acolhe as pessoas a partir do ponto de vista da igualdade. O voto de um analfabeto vale o mesmo que o voto de alguém que tenha três doutorados. E do ponto de vista da democracia, não há nem brancos nem negros, nem ricos nem pobres, nem nada disso. Todos os cidadãos são idealmente iguais. Não digo realmente iguais, mas todos são idealmente iguais. Eu creio que a ideia da escola pública constitutivamente tem um pouco as mesmas características que a democracia. Essa ideia de que todos são idealmente iguais, frente a alguma coisa que é o processo educativo, que tem a ver com o público , tem a ver com todos , não é um assunto que esteja ligado a interesses particulares , mas é um assunto que é do interesse de todos, todos. E é por isso que você dizia antes “ apesar dos políticos” , me parece que, essa ideia do comum...quem mantém essa ideia do comum? Essa ideia de que existe algo que tem a ver não com os interesses particulares, não com estabelecer um equilíbrio de interesses particulares, mas tem a ver com isso, com o que é de todos. Quando eu tentar desenvolver amanhã a ideia de que a educação tem a ver com a responsabilidade pelo mundo, tentarei manter um pouca essa ideia de que o mundo é uma responsabilidade de todos.

Quando conheci José Candido no jardim Revista


            Conheci José Candido em 2000, quando estivemos em sua casa no Jardim Revista. Naquela oportunidade, recém-graduado no curso de Geografia, transitávamos pelo Brasil com olhos e ouvidos bem abertos para a diversidade de culturas, lugares, paisagens e etc. Nosso primeiro contato com o Jardim Revista foi de surpresa. Toda uma porção de terra à margem direita do rio Tietê com relevo, uma terra elevada. Alguns se referem ao bairro como o morro do Revista. De fato, transitar pelas ruas ainda de terra com declividades acentuadas, não era tarefa das mais fáceis. As ruas principais, consideradas assim devido ao fluxo do transporte coletivo de passageiros, possuíam pavimentação asfáltica.
            Em 2005 pedimos ao Candido para organizar uma conversa com os moradores mais antigos do bairro. Investigávamos as origens do bairro e, principalmente, o nome do córrego no fundo do vale onde aconteciam épicas peladas (de futebol), campeonatos do bairro onde se destacava um tal goleiro de baixa estatura, considerado o Pelé debaixo das traves. Enfim, procurávamos o nome do córrego, alguma referência histórica que nos ajudasse nessa busca. Bem, na conversa e nas andanças com o Candido pelo bairro, conhecemos dona Mariinha. Uma senhora pequenina, linda, bem velhinha então que dizia morar no bairro desde antes do bairro existir. Ela nos contou passagens maravilhosas do início daquele povoamento. Sobre o nome do córrego, ela afirmou: “chama-se corguínho. Agora, quando chovia, nóis chamava de córgo.” Mariinha disse que as mulheres desciam e subiam o morro por uma trilha muito estreita, com as latas de roupa na cabeça, em direção ao córrego para lavar. Esse trajeto exigia muito esforço, mas era facilmente vencido pelas mulheres que moravam nas poucas e distantes casas entre si, e muitas crianças à volta, todas cantando dentre outras canções, esta:

Lava, lava
Lavadeira
Lava roupa o dia inteiro
De manhã tá na cozinha
À tardinha, passar um café.

Contou também que durante a lavação da roupa, as crianças brincavam na água fazendo uma algazarra. Era uma alegria... Tudo isso para nos dizer que o córrego estava ali à disposição de todos com água boa para beber, lavar roupa, cozinhar, para a alegria das crianças. A paisagem descrita por dona Mariinha e seus amigos e amigas remete à década de 1950-60. As poucas casas ficavam na parte alta do morro do jardim Revista com largos espaços entre elas. Poucos moradores que ela lembrava por sobrenome. Tudo era mato e algumas trilhas levavam para o rio e para as conexões com a cidade. Interessante perceber uma característica de Suzano: os moradores se remetem à região central, ao núcleo urbano no entorno da estação da CPTM como “Suzano”. Parece uma compreensão de periferia como não cidade, como uma outra coisa que não Suzano. Portanto, ao partir dos bairros para o centro da cidade, a pessoa parte para Suzano.
            A família Candido chegou a Suzano, especificamente ao convívio no bairro de dona Mariinha, no ano de 1973. Segundo ela, Candido chegou com o bairro já crescido.

Em vários pontos da cidade uma história se repetia, contada por gerações diferentes: o sapato na sacolinha de mercado. As pessoas saíam da casa calçando um sapato velho, um chinelo por exemplo. E numa sacola carregavam o sapato de sair. Com o sapato velho ou chinelo, seguiam por ruas não pavimentadas, cheio de barro no tempo da chuva ou poeira na estiagem. Chegando ao ponto de ônibus que, este sim, circulava por ruas pavimentadas com asfalto, os sapatos eram substituídos. Quando o sapato velho estava muito sujo, dentro da sacolinha ele ficava escondido por perto do ponto de parada aguardando para a saga do retorno entre o ponto e a casa. Tudo isso para, segundo a contação da história, não chegar com os pés sujos, o que revelava uma certa vergonha pública. Como se, na esteira do raciocínio de outrem, o limpo representando uma suposta objetividade, uma transparência, como se não existisse a subjetividade, a opacidade aqui representada pelo sujo. Como se a periferia da cidade, apesar de sua potência inovadora, representasse o sujo e os lugares nobres da cidade representassem o limpo. Quando o sujeito desloca no chão da cidade, transitam, circulam neste movimento ligam esses lugares e dimensões. Cidade e sujeito compreendidos como obra aberta.
Esta breve história coletada na realidade concreta da cidade (feminina) e do urbano (masculino) nos provocam a pensar tantas analogias. E neste movimento aparecem aberturas para produção de sentidos outros, conceitos outros, novas possibilidades de olhar para a cidade, de perspectiva-la, e de produzir-se.

Pois bem, a casa da família Candido era muito comprida. Não era grande. Como muitas casas nas periferias urbanas, várias construções distribuídas num mesmo terreno, este com forte desnível. E um longo corredor intercalando piso plano e lances de escada. Posicionada numa quadra cujo arruamento definia um triângulo fechado no cruzamento principal que garantia acesso à padaria, no pequeno centro comercial, e à parada de ônibus. Enfim, para acessar o alto do morro do Revista, uma volta grande com forte inclinação precisava ser vencida pelos pedestres. Então, contamos o que chamou muito a nossa atenção: como o corredor da casa dos Candido ligava as duas ruas, e as escadarias facilitavam o trânsito morro acima e morro abaixo, os portões entreabertos durante o dia e a casa funcionava como passagem dos moradores do entorno. Uma espécie de comunidade se estabelecia. Porta e janela da cozinha ficavam abertas permanentemente. Dona Laura, esposa do seu Candido, trabalhava na cozinha entre cumprimentos e conversas com todos que trafegavam pelo corredor. Candido, ao telefone, interrompia suas conversas para receber os vizinhos que, passando pelo corredor, ao ouvirem sua voz, paravam para um café e um dedinho de prosa. Inusitado não menor pela fruteira. Logo cedo, frutas passavam da cozinha para o corredor e eram consumidas pelos transeuntes, especialmente pelas crianças. Assuntos mais importantes eram discutidos na sala, entre brincadeira das crianças e o ruído da televisão. Uma intensa relação de vizinhança se estabelecia no fluxo do corredor que ligava a parte baixo e alta neste trecho do morro do Revista. Se nossa memória não falha muito, foi mais ou menos assim uma manhã inesquecível do ano de 1998 quando nos colocamos a pensar sobre a diluição da fronteira entre público e privado. Uma espécie de comunidade se criou ao redor de um casal, seu Candido e dona Laura, acolhedor, solidário, popular. O corredor da casa dos Candido era a brecha no Jardim Revista.

Bem, voltemos ao Candido. Mestre Candido como era chamado. Um sujeito inesquecível em sua simplicidade, carisma e sabedoria.

            Mestre Candido, uma brecha na política.