Na aurora de 26


Eis que finda mais um ano. “Nossa, passou voando...”, dizem. Comentários desse tipo nos convidam a pensar no tempo. Talvez não estejamos falando do tempo em si, mas da relação que estabelecemos com o tempo. Nesta perspectiva, não é o tempo que passou mais rápido ou mais devagar, mas o que eu fiz, o que se fez, o que fizemos com este tempo, o que fizemos neste tempo que vai de janeiro a dezembro. É um olhar para o tempo, para nós mesmos e, portanto, para a vida. E a passagem do ano é um marcador de tempo.

Paulinho Moska é um artista: cantor, compositor, fotógrafo, produtor, apresentador, desde pequeno conviveu com grandes nomes da música popular brasileira. Iniciou sua carreira como ator, se formou em teatro na Casa de Artes e Cinema das Laranjeiras, Rio de Janeiro. São muitas as canções dele que convocam minha atenção. A canção Seu Olhar diz assim:

Gosto quando olho pra você / Gosto mais quando seu olho vem / Na direção do meu / Na direção do meu / Gosto ainda mais quando esquecemos / Onde estamos e olhando em volta escolhemos / A mesma coisa pra olhar / A mesma coisa pra olhar

Olhar, mudar o olhar, mudar o ponto de vista. Apontar o olhar e colocar a atenção na mesma direção, num mesmo objeto, numa mesma paisagem, num movimento, num processo, no horizonte, no tempo, na vida. A canção continua:

Gosto quando olho com você o mundo / E gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele com você / Gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele com você

A canção sugere fazer isso coletivamente. Mas de que ‘mundo’ a canção está falando? O que será o ‘mundo’? Seriam ‘mundos’? Objetos, tecnologias, paisagens. A cidade, por exemplo, compreendida como um mundo em movimento, a vida em seu fluxo, a materialidade (ou não) na passagem do tempo. Mas também uma gota d'água observada na lente de um microscópio, o fundo do mar através das lentes de uma câmera. O céu, as estrelas, uma nuvem, as asas do beija flor. As mãos que plantaram a videira no quintal e hoje colhem uvas deliciosas na casa da Bela Vista, a transformação dos alimentos nas mãos mágicas das cozinheiras e suas receitas caseiras nos interiores do Brasil. Tudo isso são mundos. Cada pessoa pode ser um mundo singular. Uma pessoa, duas pessoas, três pessoas que conseguem olhar, significar, viver, modificar mundos, produzir mundos... A canção Seu Olhar termina reforçando uma frase:

Gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele com você / Gosto mais do mundo quando posso olhar pra ele... com você

Na aurora de 2026, meus sentidos captam sinais da boa nova. Novos ares para respirar, gente nova chegando, outros lugares, experiências... mais processos que projetos, mais alegria que ressentimentos, mais dança para movimentar, mais corpos dançarinos e menos corpos paralisados pelo medo. Mais povos que instituições, mais movimento que monumento. Que 2026 seja um ano com mais música, mais arte, mais viagens, mais descobertas. Mais ‘encontros espinosanos’, mais afetos de alegria. Que possamos viver os afetos tristes necessários e intransferíveis e deixar para o outro/a aquilo que é do outro/a.  

Feliz Natal, feliz ano novo.  

Ivan Rubens Dario Jr