Igarapé das mulheres (parte II)

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Osmar Jr é um artista brasileiro. Nortista de Macapá, é cantor, compositor, poeta, na constelação da música popular amapaense. Iniciou seus estudos musicais aos 14 anos de idade. A canção "Igarapé das Mulheres" diz assim:

O tempo leva tudo / O tempo leva a vida / Lá fora as margaridas fazem cor / Eu lembro a alegria / Boiar naquelas águas / E ver as lavadeiras lavando a dor / E lavavam a minha esperança perdida / De crescer lá no igarapé / E lavavam o medo que tinha da vida / E agora o meu medo o que é?

“Igarapé” está no título, "tempo" inicia a canção. Se igarapé é uma espécie de rio, podemos associar rio e tempo. Rio tem fluxo, tempo tem fluxo. Rio passa, tempo passa. Se o tempo passa, a vida passa. É feito um rio: flui. Rio flui, vida flui. Quantas vezes não nos pegamos pensando: "se eu pudesse voltar no tempo, faria diferente". Mas isso não é possível. Então, “o tempo leva tudo, o tempo leva a vida”. O artista fala de um tempo de alegria, boiar naquelas águas, brincar no igarapé ali mesmo onde mulheres lavavam as roupas, onde margaridas fazem cor. Linda a imagem trazida pelo poeta. A canção continua…

A minha nave, um tronco navegava / As estrelas, entre as palafitas / E as lavadeiras / Nas minhas aventuras, Poraquê / Pirarara, Piranha Peixe-Boi, Boto, Igara / E lavavam a minha paixão corrompida / As mulheres do igarapé / As Joanas, Marias, deusas, Margaridas / Lavarão o que ainda vier

O artista continua nos apresentando paisagens: um tronco que navega levando o artista a uma viagem imaginária, estrelas brilhando, palafitas, lavadeiras. Podemos imaginar mulheres, os pés molhados de igarapé, cantando enquanto lavam roupas, panos, toalhas etc. Peixe elétrico, pirararas, piranhas, bichos perigosos e encantados pela poesia. Quem seriam as mulheres que lavam a paixão corrompida?
Joanas, Marias, deusas, Margaridas. Se Margaridas, mulheres. Mulheres-flores.

Osmar fala de uma paixão corrompida que foi lavada. Mas o que seria uma paixão corrompida? paixão corrompida pode ser compreendida como uma paixão contaminada, paixão estragada, subornada. Paixão destruída, paixão que foi maculada por alguma força de repressão, alguma força de negação. Numa perspectiva mais alegre, podemos pensar que a paixão está sendo restaurada. Sobretudo se considerarmos que a paixão foi lavada pelas mulheres do igarapé. Dada a extraordinária das mulheres e das flores, e da água do igarapé (palavra musical), a corrupção realizada na paixão foi lavada e, não bastasse, o artista sabe o risco permanente que a paixão está submetida. A paixão está ameaçada pela corrupção do mundo humano, das forças que corrompem a paixão ontem, hoje e sempre. Há paixões corrompidas que esperam ser lavadas para virar paixão renovada, e, neste processo de estragar a paixão e reapaixonar, podemos usar a palavra reencanto. Cantar e reencantar, com todos os riscos da corrupção humana.

Corromper a paixão pode ser compreendida como estragar uma paixão. Quem nunca? errar e desejar que o tempo volte para seguir por outros caminhos. Mas foi, e o tempo não volta. É como rio que flui da nascente até a foz, a vida flui do nascimento até a morte. Princípio, meio e fim.


Ivan Rubens

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 6 de agosto de 2024