Foi uma espécie de agonia. Agonia é uma palavra polissêmica. Agonia pode ser compreendida como aflição, sofrimento intenso, forte, profundo. Agonia pode ser compreendida como o instante da vida que precede imediatamente o momento da morte. Na medicina, agonia pode ser respiração cheia de ruídos feita por quem está prestes a morrer. Na música, melodia do sino que anuncia a morte de alguém. Agonia ainda pode ser compreendida como uma dificuldade para decidir, como dúvida. Mas quero trazer para esse breve texto os significados de encerramento, de conclusão, término. Final de um ciclo, fechamento, partida. Maria Witzel Jordão partiu na manhã de 12 de setembro de 2021. Ela partiu numa chalana florida antecipando a primavera.
Lá vai uma chalana,
bem longe se vai / Navegando no remanso do Rio Paraguai / Ah, Chalana sem
querer tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas vai levando o meu amor
Mariquinha cantava para nós. Ela nos apresentou seu repertório de Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Orlando Silva e outros. Dentre as canções mais recentes, a trilha sonora da novela Pantanal na antiga TV Manchete que nos encantava com belíssimas paisagens. Mariquinha nunca esteve no Pantanal, não colocou os pés no rio Paraguai e seus afluentes exceto nas viagens fabuladas a partir das imagens e a poética da trama.
Ah, Chalana sem querer tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas vai levando o meu amor
Naquela manhã de domingo a respiração estava ofegante, acelerada. Mariquinha já se despedia desde os últimos dias. Foi quando a neta mais velha segurou na mão dela e foi, devagar e delicadamente, falando algumas palavras que acalmaram o coração cansado. A respiração foi diminuindo, mais e mais, enfraqueceu, o coração entrou num ritmo mais lento, o semblante foi aliviando. A neta cantou para embalar a partida, vibrando nela uma melodia que, aos poucos, transformou a voz afinada e carinhosa da neta num coro de anjos e santos que a receberam no céu. Fim da agonia: a_Deus.
E assim ela se foi, nem de mim se despediu / A Chalana vai sumir na curva lá do rio...
Ah, Chalana sem querer
tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas
Atenta à beleza do colorido na paisagem da cidade, Mariquinha nos ensinou um olhar contemplativo especialmente aos ‘ipês’. Imagino o caminho percorrido por ela nesta manhã de setembro: numa chalana navegando águas calmas de um rio estreito cujas margens emolduradas por imensos ipês que soltaram suas flores amarelas, brancas, roxas e rosas numa espécie de tapete florido, flores coloridas sobre as águas para passagem de nossa mãe Maria em sua viagem derradeira.
Ah, Chalana sem querer tu aumentas minha dor / Nessas águas tão serenas vai levando meu amor
Mariquinha está no céu. Foi recebida por São João Batista e talvez esteja visitando parentes, as amigas do Círculo Bíblico e as baronesas, amigas da Escola Barão de Piracicaba. Feliz por reencontrar o Juca Jordão, seu Anastácio e a mãe Maria.
Chalana é uma canção de Mário Zan e Arlindo Pinto.
Ivan Rubens
Neto encantado.
para saber das origens da Chalana de Mario Zan, veja a reportagem.
publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 5 de outubro 2021
Que encanto de texto! O afeto emanado em cada palavra lida aqueceu meu coração. Obrigada por compartilhar, Ivan. Receba meu abraço carinhoso.
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