BACURAU


Motores roncam. Duas motos levantam poeira na estrada de terra. Dois motoqueiros aceleram até chegar num vilarejo que ainda estava no mapa. Ambos despertam curiosidade e medo nos moradores. Os motoqueiros vestem calça, blusão, botas e luvas. Na porta do único bar do vilarejo, desligam os motores. O ruído cessa. Ao retirar os capacetes, da poltrona percebo: um homem e uma mulher. Dentro do bar, a atendente se mostra ansiosa. Sentada no chão, uma criança criançando. O motoqueiro pede água enquanto a motoqueira, discretamente, deixa um aparelho bloqueador de sinal de telefonia móvel: o vilarejo torna-se incomunicável. Como num filme de ficção científica, será ‘retirado’ do mapa das plataformas digitais nos minutos seguintes. Então chega a cena primorosa, aquela que, se o filme terminasse naquele exato momento, já valeria ter ido ao cinema. A motoqueira pergunta: quem nasce em Bacurau é o que? e a criança responde: GENTE!

São muitas horas da noite / São horas do bacurau / Jaguar avança dançando / Dançam caipora e babau / Festa do medo e do espanto / De assombrações num sarau (da canção Bicho da Noite, Sérgio Ricardo e Joaquim Cardoso, 1967).

No escuro da sala do cinema, risos da platéia. São os primeiros afetos produzidos por esta obra de arte chamada Bacurau. Penso que uma obra de arte se materializa na sua capacidade de produzir afetos e mobilizar emoções. Tanto mais potente quanto mais nos atravessa. Bacurau mobilizou e mobiliza... A crítica foi intensa, muita gente pensando e escrevendo, a favor e contra, recomendando o filme ou não, qualificando-o ou desqualificando-o. O filme mexe !!!

...Eu vou fazer um iê-iê-iê romântico / Um anticomputador sentimental / Eu vou fazer uma canção de amor / Para gravar um disco voador (...) / Para lançar no espaço sideral / Minha paixão há de brilhar na noite / No céu de uma cidade do interior / Como um objeto não identificado (Objeto não identificado, Caetano Veloso. Gravado por Gal Costa em 1969)

A sinopse do filme diz o seguinte: a partir do velório de dona Carmelita (94 anos), a gente de Bacurau vai percebendo algo estranho na região. Drones no céu e estrangeiros circulando na região. Quando carros são baleados e cadáveres começam a aparecer, os habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados. Falta identificar o inimigo e criar coletivamente um meio de defesa.

Vim aqui só pra dizer / Ninguém há de me calar / Se alguém tem que morrer / Que seja para melhorar / Tanta vida pra viver / Tanta vida se acabar / Com tanto pra se fazer / Com tanto pra se salvar (da canção Réquiem para Matraga, Geraldo Vandré. Do filme ‘A hora e a vez de Augusto Matraga’, 1965)

Chico Sciense disse que “o homem coletivo sente a necessidade de lutar”. Para os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, Bacurau é o homem coletivo lutando no sertão nordestino. Mas poderia ser no Brasil dos morros, das favelas, e outros interiores.

Bacurau é uma ave de plumagem macia, voo silencioso e hábitos noturnos. Bacurau é, sobretudo, uma obra de arte, um filme que vale a pena ser visto e revisto. Está em cartaz nos cinemas do Brasil e do exterior.