Conversa com um xamã Yanomami (parte 1)


Estive recentemente com o xamã yanomami Davi Kopenawa. A respeito do livro ‘A Queda do Céu’, o xamã lançou suas palavras como quem lança sementes na esperança de flores e plantas, de árvores dando ao mundo frutas, castanhas, açaí, pupunha, bacaba, manga e outros alimento para os pássaros, para os bichos, para os peixes, para as pessoas, doando sua sombra para o crescimento de outras espécies debaixo de suas copas… tudo numa imensa rede de vida diversa, de bio (vida), de biodiversidade.

Disse o xamã: “Eu sou o Davi Kopenawa e quero falar da nossa terra, do nosso país. Vamos falar bem de nossa terra mãe, falar bem de nossa terra floresta, falar bem do nosso rio, de saúde, de alegria, de toda a nossa riqueza. A natureza é a nossa riqueza, a sabedoria e o pensamento é a nossa riqueza, o conhecimento tradicional é nossa riqueza. Riqueza não é dinheiro como pensam alguns”. Veja que interessante… Para o xamã yanomami, a terra é mãe. O corpo da mãe terra é bonito, tem floresta, tem rios, tem saúde e tem alegria. Ele fala em saúde e em alegria para a vida em geral, ele não especifica uma determinada forma de vida mas fala da saúde e alegria para a vida em geral. Para os yanomamis, a vida é a grande fortuna, dinheiro é um pedaço de papel.

Davi fala prioritariamente na língua yanomami num gesto de afirmação de seu povo, sua cultura e tradições. Gentil, Davi traduziu do yanomami para o português. Fiquei pensando: quantas línguas são faladas no Brasil? por que não aprendemos a língua yanomami?

Davi continua: “É preciso primeiro sonhar, depois pensar muito, sonhar com a terra mãe, sonhar com Omama (criador da floresta, das montanhas, dos rios, do céu, do sol, da noite, da lua e das estrelas, da sociedade e da cultura yanomami), sonhar com os xapiris (espíritos guardiões da floresta), sonhar com o que se pode falar para, só depois de tudo isso, escrever um livro. Os não indígenas fazem livros, os yanomami não fazem livros. Eu vi durante muito tempo os antropólogos observando e escrevendo livros, vi os professores escreverem muitas palavras, parte do trabalho de professores e antropólogos é escrever. Nós, indígenas yanomami, trabalhamos para comer: trabalhamos no roçado plantando macaxeira, banana, cará, batata e outras frutas, na pesca, na caça. Vocês trabalham escrevendo livros porque as palavras já estão na garganta. Nós precisamos sonhar e pensar muito antes de fazer qualquer coisa”. Então Davi pensou muito a respeito de contar, e como contar, as histórias dos xapiris, as histórias do rio, como o rio nasceu, como nossa terra nasceu, como a floresta nasceu, como a claridade nasceu, como a escuridão nasceu. Primeiro é sonhar muito e pensar muito. Podemos pensar que o trabalho do pensamento não está separado do trabalho com as mãos, ou seja, a educação da pessoa por inteiro, integral.

Interessante pensar o trabalho das mãos na terra: fazer o roçado, cuidar da terra, cuidar da vida. Esse é um bom caminho… Davi falou de vários caminhos a seguir, mas fica para nosso próximo encontro nesta coluna.


Ivan Rubens
publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 10 de junho de 2025