Nasce um bebê. É linda essa cena. O choro da criança aparece como um grito: CHEGUEI!!! Mas, cheguei onde? que mundo é esse?
Coloque-se no lugar do bebê. Você fica cerca de 40 semanas dentro de uma barriga, protegido ou protegida, recebendo tudo que precisa para sobreviver. Até que um dia, você, bebê, sai da barriga e vai para o mundo. Mas que mundo é esse?
Um bebê não fala. Mas, se falasse, o que diria?
O que você, bebê, diria na chegada a este nosso mundo?
Então você deixa aquele mundo de água, passa por um estreito apertadíssimo e é lançado/a para fora. Mãos te tocam, te enrolam em panos, dedo na tua boca, no teu nariz e teus olhos… E tem um choque térmico: se num hospital, certamente uma sala com ar condicionado em baixa temperatura, se numa aldeia na floresta provavelmente calor, muito calor. E seus braços se movem, pernas, mãos se movem, e coisas que você não conhece tocam no seu corpo, toalhas, paninhos, mãos, algodão. E um monte de ruído toca seus ouvidos, cheiros e tal, um mamilo encontra tua boca… o que te resta é sentir, sentir e sentir.
Ou seja, sua primeira relação com este mundo extra_uterino acontece nos cinco sentidos: audição, olfato, tato e, até, visão e paladar. Ouvidos, nariz, pele, e até os olhos e a língua são intensamente estimulados, mas você não tem palavras para dizer o que te acontece, ainda não tem linguagem, consciência, razão, isso virá com o tempo. Pelo menos não esta linguagem e esta razão que mobilizamos ao ler (e escrever) este texto. O que está operando em você, bebê, talvez uma experimentação intensiva. Você está nascendo para uma (muitas) vida(s) neste mundo. A primeira relação com este mundo fora do útero é sensível e, acredito, a sensibilidade pode ser cultivada durante a vida.
Tem uma palavra para dizer da “apreensão pelos sentidos”. Estética deriva da palavra grega ‘aisthesis’, é uma forma de conhecer, de apreender o mundo através dos cinco sentidos. Uma música, exemplo de obra de arte, é uma criação humana que toca nossos ouvidos. Uma tela, exemplo de obra de arte, é uma criação humana que toca nossos olhos. Uma poesia, literatura, dança, ou o cheiro de uma comida, um prato bonito, o barulho da cerveja caindo no copo, o cheiro do vinho, a cor do suco da fruta colhida do pé, tudo isso vai criando um desejo. Estamos falando de um cultivo da sensibilidade que nos torna mais humanos, um pouquinho por dia.
O contrário também pode acontecer, podemos cultivar sementinhas de medo e ódio, um pouquinho por dia. Bem, eu acredito nas belezas como produtoras de sensibilidades e de uma humanidade mais interessante. E também acredito na natureza como produtora de uma humanidade mais interessante… quem nunca se sentiu pequenino diante da exuberância e da força da natureza? Diante da imensidão do mar, diante de um por de sol, diante da chuva intensa, diante da força de um rio, diante da lua cheia, diante de um cânion ou de uma cachoeira? Tudo isso pode nos tornar seres vivos mais interessantes, um pouquinho por dia.
Ivan Rubens
Educador popular
publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 25 de novembro de 2024