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Na COP30, em Belém


Angelina e Ana Caroline são jovens amazônidas. Ambas estudantes na Escola Família Agroextrativista do Maracá, interior do Amapá. A Escola Família está numa terra tradicional, território de cultura extrativista na floresta como o açaí e a castanha. São pessoas que vivem na floresta. Para viver na floresta é preciso que exista floresta. Sem a floresta não haverá castanhais de onde extraem a deliciosa castanha. Escola família é uma iniciativa comunitária cuja escolarização está vinculada ao território.

Aos 17 anos de idade, Angelina e Ana Caroline cursam a 2a série do ensino médio. Angelina, Carol e toda escola família estão atentas ao tema das mudanças climáticas e seus impactos aqui na amazônia amapaense. Ambas participaram da COP30 na capital do Pará. Corajosas, enfrentaram 27 horas num navio de Macapá a Belém e se lançaram na experiência.

Para Angelina, participar da COP foi uma experiência única. Não apenas pela programação, pelos espaços onde a cop aconteceu mas também pelo movimento do corpo no espaço: sair do próprio território e acessar outros territórios. Belém estava cheia de gente, brasileiros e brasileiras de origens, sotaques, culturas diferentes. Belém estava cheia de estrangeiros e estrangeiras, gente de países, hábitos, costumes diferentes. E indígenas: os povos indígenas ocuparam a cidade de Belém e a COP. Coloridas, coloridos, exibindo sua beleza, seus modos de vida, seus idiomas, corpos que falavam de territórios e de Brasis singulares.

Para Caroline, representar a escola é muito sério. Não se trata meramente de postar fotos nas redes sociais, representatividade para ela é muito mais do que isso: "é falar pelas pessoas que ficaram na escola, é apresentar quem somos, nosso território, nosso modo de vida, nossa cor, é apresentar nosso povo para outros povos". A COP foi um momento de discutir as mudanças climáticas, de ocupar espaços, de colocar o povo impactado pelas MCs no centro da foto, dentro das discussões. Os povos indígenas, os povos ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, seringueiros, a amazônia indígena e a amazônia negra, a amazônia urbana e não urbana, essa gente toda que, à sua maneira, habita a amazônia, vive na amazônia, vive com a amazônia.

Mesmo não estando nos espaços de decisão como a Zona Azul entre chefes de estado, diplomatas, grandes empresários e lobistas nos hotéis de luxo etc, de um modo geral nosso povo ocupou Belém e, com seus corpos pintados, com seu jeito de ser, ocupou também a cop. As jovens Carol e Angelina habitaram por 11 dias a cidade de Belém, entraram em contato com a história, com a paisagem. Para quem é nascido e criado no interior do Amapá, uma cidade como Belém á um mundo a ser conhecido, encontrado, contemplado... A basílica de Nossa Senhora de Nazaré e as obras de arte no altar mór, a visita guiada no Teatro da Paz, o carimbó, a música. Corajosas, colocaram seus corpos na cidade e se deixaram atravessar pela experiência. Estação das Docas, Ver o Peso, Mangal das Garças, forte do Presépio, feira do açaí, museu das amazônias, Cúpula dos Povos, Porongaço, Caminhada global pelo clima etc, etc, etc... Voltam para a escola modificadas.

... POIS QUANDO EU CHEGO NO PARÁ ME SINTO BEM, O TEMPO VOA... talvez o tempo dê a Carol e Angelina as palavras para dizer dessa experiência.


Ivan Rubens, Angelina e Ana Caroline. Escrito no navio entre Belém e Macapá.

publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 25 de novembro de 2025




Voando pro Pará. Joelma

Como disse Carol, "faltou um Re X Pá no estádio". 


Mundos no mundo


Existem mundos no mundo! essa ideia está no pensamento indígena, quilombola, na filosofia e na arte. Caetano Veloso diz que os livros "podem lançar mundos no mundo". Você pode estar pensando que é  'viagem'. Viajar é bom demais. A viagem, os encontros com lugares, com pessoas, com modos de vida. Seria uma monotonia insuportável se fosse tudo idêntico.

Escrevo este texto contornando a ilha de Marajó. Parti de Belém do Pará às 16h da sexta feira para chegar a Macapá/Amapá 18h do sábado. Contornamos o arquipélago constituído dos sedimentos carreados pelo Amazonas desde suas nascentes mais distantes na Cordilheira dos Andes. Então temos o mundo e, dentro dele, tantos mundos. Belém é um mundo, Macapá é um mundo, em alguma medida um mundo urbano assim como Rio Claro. O arquipélago do Marajó é um mundo, o rio Amazonas é um mundo que a travessia Belém - Macapá vai nos revelando aos poucos.

A última vez que vi asfalto foi nas ruas do porto em Belém. Agora só vejo água. E as pessoas circulam pela água: são canoas e rabetas fazendo pequenos percursos, barcos pequenos e médios circulando. Estou num barco grandes que navega trajetos mais longos. E navios imensos que provavelmente atravessam o oceano Atlântico. O asfalto inerte faz piso para o trânsito. Na água, a vida transita sobre, a vida circula dentro, a vida habita as margens. A paisagem é exuberante, muita árvore, muito açaí, muita ave, muito peixe etc... Muita riqueza.

Taí outro mundo: aquele que imagino olhando do navio. Aqui na minha cabeça vou criando um mundo com a imaginação. É um jeito de viver a alegria infantil de imaginar e criar mundos. Minha infância está vivíssima aqui; Essa natureza e essa cultura, essas paisagens fecundam infância com tamanha intensidade que escrevo. Escrever é um jeito de lidar, um jeito de elaborar essa infância criadora de mundos que nos habita. Criançar é um jeito de viajar.

Dentro do navio é outro mundo. O navio carrega material de construção, carros, uma frota de 5 Unidades de Resgate novas para o Corpo de Bombeiros, comidas, sacarias, caixas e mais caixas de laranja, de tomate, de goiaba etc. Trata-se de um navio de carga e passageiros. Quanto às pessoas, parte delas trabalha no navio, parte delas estão nas redes sentindo o vento que sopra (é o meu caso), parte delas fica no andar climatizado. Parte fica no bar bebendo e ouvindo música alta. "Cuidado com o metanol", grita um homem ao amigo que abre uma lata de cerveja. São 9h50.

Nas águas tem criança remando canoa, meninos e meninas, mulheres remando canoas, tem casas na beira dos rios entre açaizais, árvores inclusive frutíferas. Não vejo supermercado, shopping center, não vejo as farmácias que tomaram as esquinas das cidades, não vejo pressa. Aqui o tempo é do rio: cerca de 26 horas da Belém a Macapá. Para passar o tempo, tecnologias: tem gente que conversa, tem gente que lê livro, tem criança brincando com a boneca, criança e mãe brincando na rede. E tem gente que compra um pacote de dados no navio para acessar a internet. São Mundos... mundos no mundo.

Ivan Rubens

Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro de 28 de outubro de 2025.