É de Chico Buarque de Holanda a canção INJURIADO que está no álbum Carioca lançado em 1998. Envolta num episódio no mínimo curioso, a canção diz assim:
Se eu só lhe fizesse o bem / Talvez fosse um vício a mais / Você me teria desprezo por fim / Porém não fui tão imprudente / E agora não há francamente / Motivo para você se injuriar assim. Dinheiro não lhe emprestei / Favores nunca lhe fiz / Não alimentei seu gênio ruim. Você nada está me devendo / Por isso, meu bem, não entendo / Porque anda agora falando de mim.
Garantida a aprovação da emenda constitucional que permitiu sua reeleição, em conversa com Mário Soares, ex-presidente de Portugal, Fernando Henrique Cardoso disse que Chico Buarque era um artista da ‘elite tradicional’. “Quer ser crítico mas é repetitivo”, disse. Em 1994, Chico havia apoiado Luis Inácio Lula da Silva para presidente da república, enquanto Gilberto Gil e Caetano Veloso ficaram com FHC. Este, por sua vez, rasgou-se em elogios aos dois baianos. Ao torná-la pública, o tiro saiu pela culatra pois Gil e Caetano posicionaram-se a favor de Chico.
Quando do lançamento do álbum ‘Carioca’, em 1998, Chico foi bombardeado com perguntas relacionando a canção ‘Injuriado’ ao episódico FHC. Em resposta, afirmava que fulanizar uma questão que é política (Chico fez oposição ao governo FHC) é uma forma de banalizar a política. Bem manjada, diga-se de passagem. E disse: “Isso é uma piada, só rindo. Primeiro porque não fiquei injuriado com nada, segundo porque nunca vou chamar Fernando Henrique de meu bem”.
Um vereador à câmara municipal de Suzano (não digo o nome a favor da boa educação) tem o hábito de utilizar essa mesma estratégia contra quem discorda dele. Para esse jovem senhor, o símbolo mais apropriado certamente não seja uma estrela, como não é de fato. A cruz gamada parece mais apropriada.
E a canção termina repetindo a seguinte expressão: “Por que anda agora falando de mim? por que anda agora falando de mim?”
Lá nos idos de 2005, aceitei o desafio de coordenar a implementação do Orçamento Participativo na cidade de Suzano, região metropolitana, zona Leste de São Paulo. Os municípios da região do alto Tietê caracterizam-se pela pequena alternância de poder político institucional e pelo conservadorismo. Assim, a experiência política suzanense é referência regional quando se discute a formulação e execução de políticas públicas destinadas à maioria da população na perspectiva da construção de uma cidade para todos e todas.
Falar da formulação de políticas é falar também de método. Do grego ‘méthodos’, “caminho para chegar a algum fim”. Se essa experiência de construir métodos democráticos é recente no Brasil, infelizmente em muitos municípios brasileiros o autoritarismo presente na cultura política ainda tem muita força e impede que processos cada vez mais democráticos sejam desencadeados no interior das instituições. Mandar fazer é bem mais fácil e proporcionalmente menos edificante. Nessa perspectiva, Rio Claro optou na última eleição municipal por um projeto político mais amplo, superando (espero que definitivamente) o outro projeto mais estreito, representado pelas figuras conservadoras da política local.
Iniciamos a implementação do Orçamento Participativo (OP) em Suzano diante do desafio de exercitar um governo municipal conectado com o esforço imenso de ampliar a democracia no país. Enquanto marca, denominamos participação popular um conjunto de ações nas diferentes áreas e trabalhamos essa idéia como eixo de governo. Animados(as), escolhemos a trilha sonora: ‘Vai passar’ de Chico Buarque.
Da mesma forma, um sem número de debates, livros e textos, conversas e canções nos animaram. Uma fala de Paulo Freire ajuda a dimensionar o desafio: “Tudo que a gente puder fazer no sentido de abrir mais a escola, no sentido de provocar, pedir, convocar, desafiar estudantes, merendeiras, zeladores, vigias, diretores de escola, coordenadores pedagógicos, médicos, dentistas, alunos, vizinho da escola, tudo que a gente puder fazer no sentido de convocar os que vivem em torno da escola e dentro da escola, no sentido de participarem, de tomarem um pouco o destino da escola na mão também. Tudo que a gente puder fazer nesse sentido é pouco ainda, considerando o trabalho imenso que se põe diante de nós que é o de assumir esse país democraticamente. Quer dizer: o de ter voz, de ganhar voz e não apenas o de falar, não apenas o de dar bom dia. Ora, o conselho de escola é um dos momentos, um dos meios de que a gente pode se servir, se é que eu posso usar esse verbo, nessa luta pela democratização da escola e pela democratização do ensino no Brasil.” Nosso grande educador disse isso no período em que foi Secretário Municipal de Educação durante a gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo.
Mas o raciocínio ganha amplitude e provoca inspiração se considerarmos que a atividade política é também pedagógica, e que todos os processos desencadeados no campo da ampliação da democracia são educativos. Para mim, trata-se de mostrar para as pessoas a necessidade de se apropriar daquilo que é nosso, daquilo que é de todos e todas, daquilo que é do povo. Todos os espaços e oportunidades se somam na construção paciente e cotidiana da democracia nas cidades e no país.
Você estava pensando que me esqueci do estado? não esqueci, não. É que na atual conjuntura, essa luta no estado de São Paulo é ainda muito maior.
Adoro viajar. Gosto de conhecer lugares, de vivenciar outras culturas. Recentemente, estive no Rio de Janeiro, ex-capital da República, com meus primos Pedro (15) e Giovanna (12). Iniciamos o passeio pela Confeitaria Colombo (1894), que preserva sua arquitetura art nouveau, imensos espelhos belgas, mármores italianos e mobiliário em jacarandá, local outrora frequentado por Olavo Bilac, Chiquinha Gonzaga, Rui Barbosa, Villa Lobos, entre outros.
Na Biblioteca Nacional (1910), descobrimos um acervo de 5 milhões de obras e registros. No Museu Nacional de Belas Artes (1937), pinturas de Tarsila e Portinari, desenhos de Anita Malfatti, gravuras de Miró, Goya e Picasso e, bem pertinho, a beleza do Teatro Municipal (1909), que está em restauração. A Igreja da Candelária e a inevitável lembrança do massacre de crianças e adolescentes em situação de rua, em 1993. Por que morar numa praça fria e perigosa? Tudo provocava uma boa conversa.
A caminho do Estádio Mário Filho, jornalista irmão de Nelson Rodrigues, observamos outra paisagem carioca pelo vidro do trem. Do tupi-guarani, Maracanã significa semelhante a um chocalho, em homenagem às aves Maracanã-guaçu que ali existiam, e ao rio que cruza a Tijuca e São Cristóvão e deságua na Baía da Guanabara. Jogavam Flamengo e São Paulo no Maracanã lotado. Sai cabisbaixo.
Falamos sobre diversidade na Lapa e em Ipanema. Para ele e também para ela, o importante é ser feliz. E se escolhas à procura da felicidade estão na dimensão individual, do jeito deles criticavam a homofobia e valorizavam os direitos da pessoa humana. Desejávamos em nossa conversa uma sociedade tolerante, justa e respeitosa.
Nessa perspectiva, conheci o Bairro Educador, projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Ministério da Educação, iniciado na Cidade de Deus e hoje também no Morro do Alemão, onde não à toa uma área pública ficou conhecida como Praça Kosovo, as trilhas educativas vão alterando as ocupações. As escolas vão ocupando espaços, aproveitando os saberes acumulados, tornando-os lugares educativos. Os territórios são, devagarzinho, devolvidos às crianças. A escola vai se derramando pelo bairro.
Um resultado que chamou minha atenção foi a recuperação de áreas públicas a partir de um trabalho pedagógico em que alunos e alunas pesquisaram o bairro. Eram três ‘arquitetos’, um ‘fotógrafo’ e um ‘jornalista’. Acompanhados por educadores e educadoras, os relatórios alimentaram os projetos de recuperação de espaços urbanos pela prefeitura. Um professor sacou que é mais legal aprender fração numa oficina de arte culinária. Falou com a merendeira. Quantos gramas de farinha? Quantos mililitros de água? Comeram ¾ de uma pizza de oito pedaços.
A escola ficou bonita quando os alunos e alunas das oficinas de pintura e mosaico resolveram decorar os muros externos. Um dia não precisarão dos muros. Aliás, deu para trabalhar os eixos cartesianos. E mais: os alunos e alunas cuidam do paisagismo nas imediações da escola. Aprenderam com o paisagista da Prefeitura e criaram a Comissão de Parques e Jardins.
Como diz um provérbio africano, é preciso uma aldeia para educar uma criança.
“É proibido fumar, diz o aviso que eu li”, cantavam a partir de 1964 o bom moço Roberto Carlos e o ‘tremendão’ Erasmo Carlos. Eu ainda nem pensava em nascer. Sou de 1971. Porém, sendo uma canção bem conhecida, inspira uma reflexão acerca da Lei Antifumo proposta pelo governador do estado de São Paulo e aprovada por 69 deputados estaduais contra 18 votos. Estiveram presentes 88 dos 94 parlamentares na sessão.
Não fumo, não gosto da fumaça, não gosto do cheiro de cigarro. Mas proibir o consumo de cigarros em locais públicos me incomoda tanto quanto o cigarro ou mais. Por essa razão, ao debater sobre a Lei Antifumo, quero contribuir com algumas reflexões.
Alguém entra num bar e tira a roupa. A turma chama a polícia e o peladão vai preso. Seguindo a lógica da Lei Antifumo, o peladão fica numa boa e o dono do bar é quem vai em cana. E o proprietário é responsabilizado pela contravenção cometida no seu próprio estabelecimento comercial. Ou seja, a irresponsabilização de quem infringe a lei e a responsabilização do proprietário como se ele fosse cúmplice de um homicídio. Não dá para punir alguém pelo ato cometido por outra pessoa. A liberdade de escolha e a responsabilização individual são duas grandes conquistas éticas da civilização ocidental.
O verborrágico governador lista índices de saúde para punir a sociedade que, por sua vez, confunde saúde com acesso aos medicamentos. Os danos à saúde provocados pelo cigarro, além de estarem constantemente nos veículos de comunicação, estão estampados nos maços de cigarro, o que garante às pessoas razoável volume de informações sobre os danos à saúde causados por essa droga lícita. Contudo, é central na discussão o distanciamento entre o conceito de saúde enquanto sinônimo de bem viver, superando o entendimento minimalista de acesso ao tratamento e à medicação. É central, exceto para o governador do estado de São Paulo.
Outro aspecto é o da judicialização excessiva da vida em detrimento dos direitos individuais, dos direitos fundamentais, a partir de um Estado impositor, um governo truculento e pretensioso em ditar até aquilo que seduz as pessoas pelo prazer. Por outro lado, um grande amigo meu, fumante convicto, fala das estratégias absurdamente criativas para saciar o vício em locais proibidos. Ou seja, existe um resultado inverso a partir da Lei Antifumo: o prazer na transgressão. Torna-se irresistível transgredir, potencializando o prazer de fumar.
Freud explica que as pessoas gostam do prazer e da dor. Em outras palavras, os impulsos de vida e os impulsos de morte. Dá para escolher viver tranquilamente por mais tempo ou viver mais intensamente mesmo que dure pouco tempo. Os prazeres da vida, mesmo que encurtando seu percurso, são escolhas (ou decisões) que estão limitadas à dimensão individual.
A Lei Antifumo fere direitos democráticos. Em grego, phármakon significa remédio, cuja tradução também pode ser ‘veneno’. E, nesse caso, o remédio proposto pelo governador do estado de São Paulo é veneno para uma sociedade democrática. Aliás, como é esquisito ver os deputados estaduais que votaram a favor dos interesses demagógicos e eleitoreiros presentes na Lei Antifumo rebolando para fumar sua cigarrilha e seu charuto. De elogiável disposição...
Por fim, também na década de 1960, Caetano Veloso cantava que “é proibido proibir”. Conclusão da história: o governador prefere ouvir o bem comportado Roberto Carlos.
Ivan Rubens Dario Jr
(O autor é não fumante agredido pelos ‘efeitos colaterais’ da Lei Antifumo)
Detesto programas do tipo reality show. Já a ideia de dar publicidade, de tornar pública a participação de quem deve trabalhar pelo interesse público parece interessante. Não se trata de invadir os espaços da vida privada, mas de tornar públicos os espaços onde se trabalha pelo interesse público.
Todo/a ocupante de cargo público ou função pública deve satisfação à população. Não estou falando apenas de quem é escolhido pelo povo por meio do voto. Todas as atitudes e decisões devem estar coerentes com o interesse público. Quem atua nesse sentido não tem o que esconder.
Tive acesso a uma pesquisa sobre os canais de televisão do Poder Legislativo no Brasil, da socióloga Márcia de Almeida Jardim. Segundo ela, a TV legislativa no Brasil está regulamentada na lei da TV a cabo, havendo uma regra específica: todas as sessões plenárias devem ser transmitidas ao vivo e sem cortes. Isto acontece em todas as emissoras estudadas, sejam de câmaras de vereadores, de assembleias ou da Câmara dos Deputados e do Senado. "Os parlamentares não ficam mais sozinhos", disse a socióloga.
As TVs legislativas devem ser entendidas como mecanismos de prestação de contas dos representantes para com os representados e, por outro lado, de controle social que os representados exercem sobre os representantes. Uma espécie de "olho eletrônico" vigiando o parlamentar no exercício do mandato, além de permitir informar e formar politicamente o eleitor espectador. Trata-se de um passo importante visando ampliar a democracia.
É evidente que existem problemas. Para aumentar a transparência quanto aos gastos com as TVs uma vez que são (e devem mesmo ser) mantidas com dinheiro público, para evitar decisões autoritárias pois a manipulação e interpretação das informações provoca distorções, duas medidas podem ser implantadas para aperfeiçoá-las: a formação de conselhos editoriais e fiscais, com representação dos parlamentares, dos profissionais das TVs e da sociedade; e a eleição do diretor da TV. E esse espaço tende a aumentar ainda mais considerando que a internet está cada vez mais difundida e as TVs web são uma possibilidade de custos bem mais reduzidos.
Bom, se o raciocínio serve para os representantes eleitos pela população para defender o interesse público no parlamento, o mesmo raciocínio serve também para os espaços de participação popular. Imaginem que legal se as reuniões de conselhos institucionais de políticas públicas junto ao poder executivo, por exemplo, fossem transmitidas para quem quiser assistir? O Conselho Municipal de Educação discutindo a política educacional, o Conselho Municipal de Saúde discutindo a política de saúde com as falas, os gestos, o comportamento dos nossos representantes disponíveis via internet aos interessados por esses temas? E por aí vai... Cada vez mais gente podendo acessar aquilo que é de todos e todas nós.
E o Brasil vive um momento bastante oportuno para esse tipo de conversa. Entre 14 e 17 de dezembro acontecerá a plenária nacional da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), oportunidade para nossos/as representantes eleitos nas plenárias municipais e estaduais aprofundarem as discussões sobre inclusão digital, cidades digitais, concessões de canais de rádio e TV, mas não apenas eles/as. Para todos/as nós também.
Adoro música. Sou de família de musicistas. Mas, para felicidade geral da nação, dedico minha herança genética à audição. Afinal, a exemplo de um aparelho de videokê, ninguém merece vozes esganiçadas aos berros ou um instrumento musical, qualquer um, mal tocado. Dentre os compositores que ouço habitualmente está Antônio José Santana Martins. Dia desses nos conhecemos pessoalmente durante sua apresentação promovida pela secretaria municipal de cultura em Suzano.
Tom Zé é sertanejo de Irará, interior da Bahia, nascido em 1936. Com presença importante na MPB, nas décadas de 1960 e 1970, no final da década de 1980 sua carreira deu uma reviravolta quando o músico norte-americano David Byrne descobriu num sebo o inovador "Estudando o Samba". Fascinado, Byrne lançou o compositor brasileiro no mercado internacional. O sucesso conquistado na Europa e nos Estados Unidos durante a década de 1990, só se refletiu no Brasil em 1999, com o lançamento de seu CD "Com Defeito de Fabricação".
Estudou na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia na década de 1960. Esteve com Caetano, Gil, Bethânia e Gal no movimento tropicalista e no álbum ‘Tropicália ou Panis et Circenses’. Em cena, atuou sob a direção de Augusto Boal, fundador do 'teatro do oprimido' que entende o teatro como instrumento de emancipação política inspirado nas propostas do educador Paulo Freire.
Com a canção ‘São, São Paulo, Meu Amor’, conquistou o IV Festival de Música da TV Record. Torcedores do São Paulo Futebol Clube cantam "São, São Paulo, Tricolor". O primeiro show de Tom Zé que assisti foi aqui na UNESP em 1994. Na atividade cultural organizada pelo Diretório Acadêmico - DA, ele cantou e contou histórias. Falou da sua vida, da cultura brasileira, falou de política, falou... Descontraído, convidou-nos para continuar a conversa no bar, molhando o verbo e ajudando a angariar fundos para o DA. Chegando, lá estava ele do lado de dentro do balcão servindo bebida e simpatia.
Tom Zé é um grande artista. Tem opinião, coloca seu talento na luta por um mundo justo. "Tem pessoas que sabem que não podem ser felizes sozinhas. Olham para os olhos das outras e ficam fracas quando a mensagem que recebem não é de satisfação. Eu sou político quando eu compreendo isso, que uma pessoa não pode ser feliz se há em volta dela pessoas infelizes", disse.
Feliz escolha do prefeito Marcelo Candido e do secretário de Cultura Walmir Pinto em convidá-lo para comemorar com o povo o aniversário da cidade. Durante o show, Tom Zé fortaleceu a luta pela emancipação sexual das mulheres, falou da felicidade e do gozo. Estava satisfeito ao saber que 2% do orçamento público municipal é investido pela secretaria de cultura e provocou os/as presentes dizendo que é preciso aproveitar muito bem cada centavo deste. Elogiou a descentralização da Cultura com a construção de centros culturais na periferia, um deles inclusive por decisão popular nas plenárias do Orçamento Participativo. Aliás, duas outras pessoas interessantíssimas que estiveram em Suzano e conversei bastante, disseram a mesma coisa: o ator Sérgio Mamberti, atual presidente da Fundação Nacional de Arte – FUNART, e o filósofo e teólogo Leonardo Boff.
Ouça ‘Tô’ na interpretação de Zélia Duncan no excelente álbum “Eu me Transformo em Outras. Descubra em ‘Menina’ que "amanhã de manhã a felicidade vai desabar sobre os homens” e encontre elementos ‘Sobre a liberdade e Democracia’ no álbum ‘No jardim da política’.
A canção ‘Classe operária’ diz assim: "Sobe no palco o cantor engajado Tom Zé, que vai defender a classe operária, salvar a classe operária e cantar o que é bom para a classe operária. Nenhum operário foi consultado, não há nenhum operário no palco, talvez nem mesmo na plateia, mas Tom Zé sabe o que é bom para os operários. Os operários que se calem, que procurem seu lugar, com sua ignorância, porque Tom Zé e seus amigos estão falando do dia que virá e na felicidade dos operários. Se continuarem assim, todos os operários vão ser demitidos, talvez até presos, porque ficam atrapalhando Tom Zé e o seu público, que estão cuidando do paraíso da classe operária. Distante e bondoso, Deus cuida de suas ovelhas, mesmo que elas não entendam seus desígnios. E assim, depois de determinar qual é a política conveniente para a classe operária, Tom Zé e o seu público se sentem reconfortados e felizes e com o sentimento de culpa aliviado".
Desde o começo dos anos 90, Tom Zé cuida do jardim de um prédio de apartamentos, no bairro de Perdizes, São Paulo. Hoje ele nem mora mais lá. Mudou-se para o edifício da frente. Cuida da terra, planta flores e frutas, aprendendo a eliminar as pragas das folhas, formigas enxeridas e condôminos de mau humor. “Já aprendi vários tipos de poda, a lua certa, essas coisas. Aprendi a sublimar o barulho da rua. E também aprendi a lidar com as pessoas do condomínio. Tem todo tipo de gente. Há pessoas que têm ciúme, algumas reclamam que eu estou gastando muita água, outras trazem plantas e não entendem quando digo que não dá para plantar ali porque uma pode fazer sombra para a outra... Mas eu converso, explico, vou me virando” disse a uma revista. Esse é Tom Zé, um músico brasileiro considerado pela revista Rolling Stone um dos “melhores artistas do mundo na década de 90”.
Oito de março é o Dia Internacional da Mulher. Dentre muitas manifestações de carinho, veremos mulheres recebendo botões de rosa, veremos a figura da mulher associada à imagem da virgem Maria, veremos supervalorização da dimensão materna. Isso não é aleatório, está presente na nossa cultura.
De acordo com a literatura judaico-cristã, milenar, a mulher foi feita da costela de Adão. Nem do pé nem da cabeça, mas da costela num claro sinal de companheirismo por estar ao lado, remetendo à ideia de igualdade entre homens e mulheres.
Bacana, mas é necessário olhar para uma realidade pouco romântica. Segundo o Dieese, as brasileiras correspondem a 41% da população economicamente ativa e mais de 1/4 das famílias são chefiadas por mulheres. Elas possuem maior nível de escolaridade que os homens, porém não ocupam funções compatíveis com sua formação, além de terem remuneração menor quando nas mesmas funções do sexo oposto. Então, qual o sentido do oito de março?
Nova Iorque, 1857. Mulheres organizaram uma greve por melhores condições de trabalho e contra a jornada de 12 horas. Conta-se que, ao serem reprimidas pela polícia, as trabalhadoras refugiaram-se dentro da fábrica. Os patrões e a polícia trancaram as portas e atearam fogo, matando-as carbonizadas.
Ainda nos Estados Unidos da América, 1911. O incêndio aconteceu na Triangle Shirtwaist Company, uma fábrica têxtil que empregava 600 trabalhadores, sendo a maioria jovens mulheres imigrantes judias e italianas. Morreram 125 trabalhadoras. Essa tragédia reforçou a luta de socialistas americanas e europeias na instituição do Dia Internacional da Mulher.
Rússia, 1917. Em greve geral, operárias saíram às ruas para reivindicar o fim da fome, da guerra e do czarismo. Nem imaginavam, mas no dia 8 de março elas inauguraram a Revolução Russa. Em 1975 a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu oficialmente o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.
Em Suzano/SP, onde trabalho, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher junto ao poder executivo municipal, chefiado pelo geógrafo Marcelo Candido, organiza e oferece pelo sexto ano consecutivo uma ampla programação. Para além das comemorações, um mergulho nas reflexões sobre a situação da mulher, sobre sua vida, seu presente concreto, seus sonhos, seu futuro. Espero que em Suzano, em Rio Claro e em todos os lugares 8 de março seja um dia para pensar, repensar e organizar as mudanças em benefício da mulher e, consequentemente, de toda a sociedade em favor da justiça e da igualdade. E o restinho do ano? 364 dias para mudar comportamentos e transformar a realidade.
Uma amiga pedagoga, companheira de trabalho com quem partilhei parte da responsabilidade de implementar o Orçamento Participativo na cidade de Suzano/SP, comentou comigo sobre o livro ‘Pedagogia da indignação – cartas pedagógicas e outros escritos’. Curioso, recorri à publicação para ‘dialogar’ com Paulo Freire.
No dia 2 de maio de 1997 o mundo perdeu o educador Paulo Freire. O desejo da minha amiga Paula é pela leitura de uma obra inacabada, cuja finalização se deu em 11 de fevereiro de 2000 por sua companheira Ana Maria Araújo Freire, a Nita. A primeira parte do livro é composta por três ‘cartas pedagógicas’. Ao final de cada carta, Nita conta sua história e comenta as reflexões de Paulo Freire.
Ela conta que em 17 de abril de 1997, quando a Marcha dos Sem-Terra, organizadamente, vinda de diferentes partes do Brasil e confluindo num só corpo nos corpos de crianças, velhos e jovens, negros ou brancos, entrou em Brasília. Paulo e Nita assistiam ao evento político pela televisão e lamentavam não estar com aqueles homens e mulheres na capital federal. “Quando Paulo viu aquela mutidão entrando, altiva e disciplinadamente, na Esplanada dos Ministérios, ficou de pé caminhando de um lado para outro da sala. Repetia com voz emocionada: ‘É isso minha gente, gente do povo, gente brasileira. Esse Brasil é de todos e todas nós. Vamos em frente, na luta sem violência, na resistência consciente, com determinação tomá-lo para construirmos, solidariamente, o país de todos e de todas os/as que aqui nasceram ou a ele se juntaram para engrandecê-lo. Esse país não pode continuar sendo de poucos... Lutemos pela democratização desse país. Marchem, gente de nosso país...” No mesmo dia, Paulo Freire concluiu a carta pedagógica Do direito e do dever de mudar o mundo. Isso me fez pensar nas mudanças que acontecem no Brasil e que escapam aos olhos, às vezes aparecem nas conversas, raramente são noticiadas nos canais de rádio, televisão, jornais e revistas pertencentes aos grandes conglomerados de comunicação.
A carta fala do sonho de um mundo melhor, de um mundo justo, cuja possibilidade depende da luta ideológica, política, pedagógica e ética. Fala da importância de exercitar nossa capacidade de pensar, de indignar-se e de indignar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de programar e de não apenas seguir os programas ‘propostos’, para não dizer impostos. Fiquei pensando como seria nossa democracia se os/as quilombolas, os/as camponeses/as das Ligas e os/as sem-terra aceitassem passivamente a ideia fatalista e conformista de que a vida é assim mesmo, que não há o que fazer. Como seria a vida se aceitássemos que “é uma pena existir tanta gente com fome entre nós, mas a realidade é assim mesmo”, “o desemprego é uma fatalidade do final do século” ou “galho que nasce torto, torto se conserva”? Sonhar com uma sociedade sem injustiça, sem violência, mais humana, exige sujeitos/as progressistas acreditando na capacidade do ser humano avaliar, comparar, escolher, decidir e, finalmente, intervir no mundo. Ou seja, o conhecimento é libertador.
Basta estar atento para perceber as iniciativas criativas e interessantes, experiências novas, vida pulsando e irradiando em várias direções. Em Suzano, por exemplo, o governo municipal criou a Secretaria de Participação e Descentralização. Consolidar o Orçamento Participativo, descentralizar a administração municipal facilitando o acesso da população aos equipamentos e serviços públicos, criar a cidade digital, articular os conselhos institucionais e conselhos gestores locais, implantar as coordenadorias especiais (igualdade racial, igualdade de gênero, direitos humanos, juventude, idoso) são tarefas importantes. Contribuem para integrar ainda mais as ações setoriais, especialmente Educação, Cultura, Saúde e Esportes fazendo desses espaços ricas possibilidades de formação, diálogo, aprendizado. E por aí se caminha na perspectiva de uma cidade educadora e, portanto, libertadora.
É assim que contrapomos os céticos de plantão que teimam em afirmar que a “história acabou”. Nada disso. Outro mundo é possível, mas sua construção depende do engajamento e da luta paciente e cotidiana de cada um e cada uma de nós. Nesse sentido, Paulo Freire está conosco.
Ivan Rubens Dario Jr.
Publicado no Diário de Suzano
Hélder Pessoa Câmara nasceu em Fortaleza no dia 7 de fevereiro de 1909. Um franzino nordestino que enfrentou o regime militar, defendeu a democratização do país sem titubear e fez de sua vida instrumento de luta em favor da justiça e da igualdade entre as pessoas!
Aos 14 anos ingressou no Seminário Diocesano de Fortaleza. Em 1931 foi ordenado padre e fundou a Legião Cearense do Trabalho. Em 1933, criou a Sindicalização Operária Feminina Católica que congregava as lavadeiras, passadeiras e empregadas domésticas. Foi diretor do Departamento de Educação do Estado do Ceará durante cinco anos sem se distanciar de suas convicções e da luta popular.
Em 1956 fundou a Cruzada São Sebastião, com a finalidade de dar moradia decente às pessoas. Em 1959 fundou o Banco da Providência destinado a ajudar famílias pobres. Foi fundador da CNBB (Conferência Nacional de Bispos Brasileiros) e propôs ao Vaticano a fundação do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). Foi um dos propositores do Pacto das Catacumbas, documento assinado por cerca de 40 padres durante o Concílio Vaticano II em 1965, que teve forte influência na Teologia da Libertação.
Arcebispo de Olinda e Recife (PE), em 1964, organizou setores pastorais e instituiu um governo colegiado na diocese. Criou o Movimento Encontro de Irmãos e a Comissão Justiça e Paz. Fortaleceu as comunidades eclesiais de base, movimentos estudantis e operários, ligas comunitárias contra a fome e a miséria. Devido a sua atuação política e social, sua pregação libertadora em defesa dos mais pobres, seja pela denúncia da exploração a que são submetidos os países subdesenvolvidos ou por sua pastoral religiosa em prol da valorização dos pobres e leigos, foi chamado de comunista e passou a sofrer retaliações e perseguições do regime militar. Nem mesmo o Ato Institucional nº 5 (AI-5) o fez recuar. Pelo contrário, seguiu defendendo uma igreja simples voltada aos pobres e à não-violência. “Se eu dou comida a um pobre, me chamam de santo, mas se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista”, refletia Câmara.
Sua lucidez e história de lutas conferiram a ele vários títulos de Doutor honoris causa, Cidadão Honorário dentro e fora do país. Nos EUA, o Prêmio Martin Luther King, na Noruega, Prêmio Popular da Paz, entre tantos. Recebeu quatro indicações para o Prêmio Nobel da Paz. Justas homenagens!
Faleceu no dia 27 de agosto de 1999, de parada cardiorrespiratória. Conforme declaração de Frei Betto, destacada no jornal mensal A Verdade, “Sem dom Hélder, talvez não houvesse comunidades eclesiais de base, pastorais sociais, campanhas da fraternidade, gritos dos excluídos”. O pedido de sua beatificação foi encaminhado ao Vaticano em 2008.
O que diria Dom Hélder Câmara ao ler na Folha de SP o então Secretário de Segurança Pública, Ronaldo Marzagão, atribuindo aos movimentos migratórios o aumento da violência no litoral de São Paulo? Afirmou que os investimentos da Petrobrás na região influenciam o aumento dos índices de homicídios, com o claro objetivo de aliviar o governador José Serra e os 14 anos de governos tucanos, responsáveis pela política repressiva de segurança pública no estado que mascara a péssima distribuição de renda e as evidentes injustiças sociais, como no caso da recente barbárie em Paraisópolis. Decerto Dom Hélder não se calaria.
Ivan Rubens Dario Jr.
publicado no Jornal Diário de Suzano
publicado no Jornal Cidade de Rio Claro