Amor de índio

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O violeiro, cantor e ator Gabriel Sater regravou a canção ‘Amor de Índio’, dos mineiros Ronaldo Bastos e Beto Guedes. A canção diz assim:

Tudo o que move é sagrado / E remove as montanhas / Com todo o cuidado, meu amor

Sagrado é todo aquele espaço, objeto, símbolo, que tem um significado especial para uma pessoa ou grupo. A canção começa afirmando: “Tudo o que move é sagrado”, ou seja, todo movimento de vida, tudo aquilo que dispara movimentos, que coloca em movimento, que movimenta assim como o amor, o fruto do trabalho…

Sim, todo amor é sagrado / E o fruto do trabalho / É mais que sagrado, meu amor

Todo amor é sagrado. Não um amor específico, até essa família tipo papai, a mamãe e filhinhos, essa família tradicional que parte do Brasil tenta proteger aos berros. A canção fala do amor e não fala das pessoas que amam. Se fizermos um esforço de tirar o olhar da pessoa que ama e colocar o nosso olhar no amor, independente das pessoas, se colocarmos nosso olhar no amor de que fala são Francisco de Assis por exemplo, muda tudo. O artista mineiro fala do trabalho como movimento, como fazer humano.

A massa que faz o pão / Vale a luz do teu suor

E o fruto do trabalho é mais que sagrado: o trabalho do Beto Guedes em escrever essa canção… quanto tempo desde a primeira ideia até a canção finalizada? quanto ele pensou, quanto ele conversou, leu, se dedicou em cada frase, em cada palavra? nas escolhas dessa e não de outras palavras, quantos folhas de caderno riscou? sim, esta canção que é fruto do trabalho, é sagrada.

O trabalho do cavalo que puxava carroça desde o sítio até a cidade para oferecer o leite que alguém tirou da vaca, para oferecer o queijo que alguém produziu, para entregar os legumes e as hortaliças que alguém cultivou, para levar as frutas que as mãos humanas colheram mas que a natureza, a árvore, o sol, a chuva e a terra produziram. O fruto do trabalho é mais que sagrado, o trabalho é sagrado, o esforço humano e mesmo o não humano são sagrados porque são a expressão da vida acontecendo. Toda vida é sagrada.

Lembra que o sono é sagrado / E alimenta de horizontes / O tempo acordado, de viver / No inverno, te proteger / No verão, sair pra pescar / No outono, te conhecer / Primavera, poder gostar / No estio, me derreter / Pra na chuva dançar e andar junto…

Penso que para muitos povos indígenas a ideia de amor seja muito interessante, a ideia de trabalho e a relação com o tempo também. Alguns povos consideram o sono sagrado ao ampliarem o significado do sono para além um adereço da vigília, ao ponto de se reunirem logo que acordam para conversar a respeito dos sonhos e, a partir dos sonhos, definir o que será feito no tempo da vigília. Entendo que muito provavelmente a palavra ‘sagrado’ tenha chegado com as caravelas coloniais; Já a ideia, o sentido, o significado do ‘sagrado’ certamente não.

Sim, todo o amor é sagrado

“Índios são os membros de povos e comunidades que têm consciência de sua relação histórica com os indígenas que viviam nesta terra antes da chegada dos europeus”. (Eduardo Viveiros de Castro, 2016)

Amor de Índio é uma canção de Ronaldo Bastos e Beto Guedes.

Ivan Rubens

publicado no Jornal Cidade de Rio Claro na edição de 17 de março de 2025





Amor de Índio com Gabriel Sater





conversa boa sobre Andarilhagens

Conversa boa com Carla Hummel e Murillo Pompermayer no Jornal Cidade de Rio Claro a respeito do livro Andarilhagens - uma pedagogia em movimento


em 19 de dezembro de 2023


disponível Canal de tv do Jornal Cidade de Rio Claro. Acesso em janeiro de 2025



Acesso ao livro: Acesso ao livro Andarilhagens - crônicas de uma pedagogia em movimento
 

Deus me proteja


Para ouvir a canção durante sua leitura, clique aqui: 


Chico César é um artista brasileiro, nordestino da Paraíba, nascido em janeiro de 1964. A canção Deus me Proteja, diz assim:

DEUS ME PROTEJA DE MIM / E DA MALDADE DE GENTE BOA / DA BONDADE DA PESSOA RUIM / DEUS ME GOVERNE E GUARDE, ILUMINE E ZELE ASSIM

É comum as pessoas pedirem proteção contra algum mal. Veja, o artista pede proteção de 3 coisas: 1) proteção dele mesmo, 2) proteção da maldade de gente boa e 3) proteção da bondade da pessoa ruim. Maldade não é exclusividade de gente má assim como bondade não é exclusividade de gente boa. Ninguém é sempre bom, ninguém é sempre mau, nós carregamos toda essa complexidade dentro da gente.

Um amigo me perguntou se “gente ruim pode fazer bondades”. Para ele, quando uma pessoa ruim faz uma bondade, é fake, é maldade com máscara de bondade. Estávamos no interior do Mato Grosso quando, numa audiência pública, um fazendeiro da soja disse: “Eu também quero salvar o rio Paraguai”. Salvar um rio sufocando suas nascentes com monocultura? Salvar o rio jogando veneno no solo? Salvar o rio com o veneno no lençol freático? Salvar o rio com o veneno que escorre para o leito do rio com as águas da chuva?

Eu posso (me) fazer algo ruim, você pode fazer, todos podem fazer algo ruim. Então, a maldade não está necessariamente vinculada ao outro, à ação ou ao desejo de outrem. Até pode ser, mas não necessariamente. Eu não estou livre da prática de maldades, deliberadas ou escondidas, claras ou escamoteadas, conscientes ou inconsciente. Seres humanos não são transparentes, somos opacos, a transparência é ilusão. O caminho se faz caminhando…

CAMINHO SE CONHECE ANDANDO / ENTÃO VEZ EM QUANDO É BOM SE PERDER / PERDIDO FICA PERGUNTANDO / VAI SÓ PROCURANDO / E ACHA SEM SABER

Podemos falar em deriva, palavra de origem latina que significa ‘mudar o lugar da corrente de um rio’. Mudar é bom, mas mudar como? Mudar para onde? Mudar por que? Não sei. Talvez tais respostas sejam o fim da deriva. Porque as perguntas disparam movimentos, boas perguntas nos colocam na deriva, na busca, na procura, na caminhada. E nesse movimento, pode ser até que você encontre algo, que ache mesmo sem se dar conta que achou. Mas há um perigo...

PERIGO É SE ENCONTRAR PERDIDO / DEIXAR SEM TER SIDO / NÃO OLHAR, NÃO VER / BOM MESMO É TER SEXTO SENTIDO / SAIR DISTRAÍDO, ESPALHAR BEM-QUERER

Se encontrar perdido é um perigo. Se perder é se encontrar. Se perder de si, tem muita música popular que fala desse processo, dessa busca, desse risco, desse perigo de se perder e se encontrar. De encontrar dentro de si monstros maléficos, eles nos habitam sim da mesma forma que criaturas de rara beleza também nos habitam. Em cada um ou cada uma de nós rola esse jogo, esse balanço, esse fluxo de contradições, é como se o nosso corpo fosse um campo onde rola uma partida de futebol: as forças que dão vontade de viver X as forças que nos deprimem, que nos amedrontam. Forças de vida X forças de morte. E está tudo bem. O grande desafio é olhar o jogo sem medo e sem julgamentos. Olhar para tudo isso em si mesmo mesmo sabendo que é mais fácil enxergar as contradições dos outros.

Deus me proteja é uma canção do Chico César.

Ivan Rubens


Chico César e Mestrinho muito bem acompanhados.



Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 21 de janeiro de 2025