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Conversa com um xamã Yanomami (final)


Estive recentemente com o xamã Yanomami Davi Kopenawa. Nosso encontro aconteceu na cidade de Manaus com foco em Direitos Humanos, Educação, Espiritualidade e Floresta em Pé. Davi Kopenawa é reconhecido por sua atuação de luta e defesa dos povos da Terra Indígena Yanomami na porção Norte da Amazônia brasileira, parte no Amazonas e parte em Roraima. São 8 povos, cerca de 31 mil pessoas na Terra Indígena. São caçadores-agricultores com vasto conhecimento da floresta.


Davi Kopenawa falou a respeito das florestas e dos povos que habitam, que cuidam e existem na floresta. O encontro reuniu pessoas, organizações e iniciativas do Brasil, da Colômbia e do Peru, comprometidas com a transformação social e o bem viver de povos e comunidades. Neste terceiro e último texto escrito na potência do encontro com Davi Kopenawa, trago dois pontos: COP30 e o sonho.


Sobre a COP 30, Davi Kopenawa acha que é importante discutir esses temas, mas alerta: ninguém, nem o deus dos religiosos, vai salvar a Terra. Porque os seres humanos, nas palavras dele, “o homem da mercadoria tem estragado a Terra", o homem da mercadoria tem causado estragos na mãe Terra. O primeiro passo é parar imediatamente de agredir, de impactar, de explorar a Terra. O segundo passo é recuperar os estragos, é reverter os estragos já feitos na Terra. Tudo isso passa por criar outras formas de viver e de pensar considerando que todas as formas de vida são a natureza. Ou seja, passa também por criar outras formas de sentir, de sentir a natureza, de sentir-se como uma pequena parte, um fragmento da natureza. Portanto, cuidar da natureza, cuidar da Terra é cuidar da vida, de todas as formas de vida, inclusive da forma humana.


Sobre o sonho, Davi Kopenawa Yanomami faz uma distinção marcante entre claridade e escuridão, entre dia e noite, entre sol e lua. Para ele, “a lua branca deixa a noite clara. Quando a lua ilumina, não é tempo de trabalho, é tempo dos xapiris (os espíritos da floresta)”. Escureceu, os yanomamis vão dormir. Já o povo da mercadoria não dorme. Na cidade é muito difícil dormir porque tem muita luz e muito barulho. Para dormir é preciso estar no escuro, sem luz. A luz artificial é coisa moderna, clareia (é bom) mas impede de dormir. Na escuridão tudo para, tudo se aquieta. A escuridão da noite diz para os Yanomamis que é hora de parar para ouvir a escuridão e dormir. Então, para dormir e acessar um sono profundo é preciso ouvir o som da floresta, ouvir o som da Terra, é dormindo que se escuta os xapiris, é dormindo profundamente que o sonho pode chegar. Os sonhos são uma espécie de passeio do espírito, os sonhos são as aventuras da alma enquanto o corpo repousa. E nessas aventuras, os yanomamis se conectam (ele não usou essa palavra) com a floresta, o espírito dos yanomamis se conectam aos espíritos da floresta. Os Yanomamis não se colocam à parte da floresta, os Yanomamis são a floresta e essa dimensão onírica fortalece esse vínculo sensível. 


Viva Davi Kopenawa, viva os povos da floresta. O futuro (se houver um futuro interessante) é ancestral.


Ivan Rubens 

publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 5 de agosto de 2025