Osmar Jr é um artista brasileiro. Nortista de Macapá (1963), é cantor, compositor, poeta, importante estrela no céu da música amapaense. Iniciou seus estudos musicais aos 14 anos de idade. É do Osmar Jr a canção "Igarapé das Mulheres". A canção diz assim:
O tempo leva tudo / O tempo leva a vida / Lá fora as margaridas fazem cor / Eu lembro a alegria / Boiar naquelas águas / E ver as lavadeiras lavando a dor / E lavavam a minha esperança perdida / De crescer lá no igarapé / E lavavam o medo que tinha da vida / E agora o meu medo o que é?
Igarapé está no título da canção, e a letra começa com a palavra-mundo "tempo". Um afeto inicial produzido pela obra de arte, então, associa Igarapé e tempo. Se igarapé é um curso d'água, é (por assim dizer) um rio, podemos associar o rio ao tempo. O rio passa, o tempo passa. O rio tem fluxo, o tempo tem fluxo. Uma boa imagem para nos ajudar a pensar é a ampulheta, a areia que, passando pelo funil da ampulheta, cai do recipiente superior para o inferior. A areia da ampulheta não volta, a água do rio não volta, o tempo não volta. O tempo passa e, com ele, a vida passa. É feito um rio: flui. O rio flui, a vida flui. Quantas vezes não nos pegamos pensando: "se eu pudesse voltar no tempo, faria diferente". mas isso não é possível.
Então, o tempo leva tudo, o tempo leva a vida. O artista fala de um tempo de alegria quando era possível brincar no igarapé, de boiar nas águas, ali mesmo onde as lavadeiras realizavam seu trabalho se lavar roupas, ali mesmo onde as margaridas fazem flor. Linda a imagem trazida pelo poeta, linda.
A canção continua:
A minha nave, um tronco navegava / As estrelas, entre as palafitas / E as lavadeiras / Nas minhas aventuras, Poraquê / Pirarara, Piranha Peixe-Boi, Boto, Igara / E lavavam a minha paixão corrompida / As mulheres do igarapé / As Joanas, Marias, deusas, Margaridas / Lavarão o que ainda vier
O artista continua nos apresentando paisagens, belas paisagens: um tronco que navega provavelmente boiando sobre as águas, com a capacidade de transportar o artista numa viagem imaginária, uma noite de céu estrelado cujo brilho pode ser observado entre as palafitas, as lavadeiras. Podemos imaginar mulheres com os pés molhados de igarapé, cantam lindamente enquanto lavam suas roupas, seus panos, suas toalhas, suas redes etc. E os bichos, seres encantados pela maravilha da obra de arte:peixe elétrico, Pirararas, Piranhas, peixes perigosos mas também bichos encantados. Tudo isso lava a paixão corrompida, sobretudo as mulheres do igarapé. Aqui vale um olhar mais cuidadoso:
- Quem são as mulheres que lavam a paixão corrompida?
são Joanas, são Marias, deusas, são Margaridas. Olha ela aparecendo novamente: a margarida da primeira frase aparece com letra minúscula, sinalizando a planta, a flor, uma margarida em flor, colorida. Se me permitem imaginar, uma margarida amarela cor de sol, margaridas amarelas e uma margarida em Sol, linda, exuberante, uma paisagem florida como um dia claro, quente, um dia de sol.
- O que seria uma 'paixão corrompida'?
Osmar fala de uma paixão lavada. Mas ele não para por aí, ela qualifica essa paixão: uma paixão corrompida que foi lavada. Talvez as mulheres do igarapé tenham lavado a paixão, tenham lhe tirado a corrupção. Uma paixão corrompida foi lavada. Mas o que seria uma paixão corrompida? paixão corrompida pode ser compreendida como uma paixão contaminada, uma paixão pervertida, uma paixão viciada. Uma paixão estragada, uma paixão subornada. Ou seja, podemos compreender que a paixão destruída. Destruída, estragada, contaminada, pervertida, viciada... uma paixão que perdeu suas características originais, que foi maculada por alguma força de repressão, de negação, por algum afecção triste. Olhando numa perspectiva positiva, uma perspectiva da alegria, podemos pensar que a paixão está sendo restaurada porque lavada. Sobretudo se considerarmos que não foi lavada de qualquer jeito, pelo contrário, foi lavada por mulheres extraordinárias: as mulheres do igarapé. Dada a extraordinária das mulheres e das flores (amareladas de sol), e da água do igarapé (palavra musical), a corrupção realizada na paixão foi lavada e, não bastasse, o artista sabe o risco permanente que a paixão está submetida. A paixão está ameaçada pela corrupção do mundo povoado pelo humano, das forças que corrompem a paixão ontem, hoje e sempre. Conheço paixões corrompidas que teimam em manter-se viva à espera da delicadeza das mulheres do igarapé em lavá-la e, lavando, a paixão se restabelece. Para virar paixão renovada, e, neste processo de estragar a paixão e reapaixonar, como estamos falando de uma canção podemos usar a palavra reencanto, ou na ação de reencantar. Cantar e reencantar, apaixonar e amar. Com todos os riscos de ter corrompidos tais sentimentos. Cantar e reencantar, apaixonar e amar.
Corromper a paixão pode ser compreendida como estragar uma paixão. Quem nunca estragou uma paixão? quem nunca? errar, cometer erros e desejar que o tempo voltasse para que o erro não fosse cometido. Mas foi, e o tempo não volta. É como rio, vai da nascente até a foz, a vida vai do nascimento até a morte. A vida tem princípio, meio e fim. Isso é inexorável. Mas no percurso da vida, estragar paixões é péssimo, lamentável. Quem não erra? mas a vida nos dá sempre uma nova chance em quem está atento ao seu próprio movimento, se esforça muito para não cometer os mesmos erros. E tal processo, tal movimento nos torna melhores amantes, e nesta passagem da paixão para o amor, aprendemos a amar mais verdadeiramente. Aprendemos que o amor é bom, que se entregar é bom, que confiar é muito bom, que viver uma vida de amor é algo maravilhoso, é fazer a vida ser vivida na intensidade. É lutar todos os dias e noites contra a corrupção, é se esforçar cotidianamente para que o amor valha a pena.
A canção é clara com a luz do sol, o amor é quente como a luz do sol.
Ivan Rubens