“É proibido fumar, diz o aviso que eu li”, cantavam a partir de 1964 o bom moço Roberto Carlos e o ‘tremendão’ Erasmo Carlos. Eu ainda nem pensava em nascer. Sou de 1971. Porém, sendo uma canção bem conhecida, inspira uma reflexão acerca da Lei Antifumo proposta pelo governador do estado de São Paulo e aprovada por 69 deputados estaduais contra 18 votos. Estiveram presentes 88 dos 94 parlamentares na sessão.
Não fumo, não gosto da fumaça, não gosto do cheiro de cigarro. Mas proibir o consumo de cigarros em locais públicos me incomoda tanto quanto o cigarro ou mais. Por essa razão, ao debater sobre a Lei Antifumo, quero contribuir com algumas reflexões.
Alguém entra num bar e tira a roupa. A turma chama a polícia e o peladão vai preso. Seguindo a lógica da Lei Antifumo, o peladão fica numa boa e o dono do bar é quem vai em cana. E o proprietário é responsabilizado pela contravenção cometida no seu próprio estabelecimento comercial. Ou seja, a irresponsabilização de quem infringe a lei e a responsabilização do proprietário como se ele fosse cúmplice de um homicídio. Não dá para punir alguém pelo ato cometido por outra pessoa. A liberdade de escolha e a responsabilização individual são duas grandes conquistas éticas da civilização ocidental.
O verborrágico governador lista índices de saúde para punir a sociedade que, por sua vez, confunde saúde com acesso aos medicamentos. Os danos à saúde provocados pelo cigarro, além de estarem constantemente nos veículos de comunicação, estão estampados nos maços de cigarro, o que garante às pessoas razoável volume de informações sobre os danos à saúde causados por essa droga lícita. Contudo, é central na discussão o distanciamento entre o conceito de saúde enquanto sinônimo de bem viver, superando o entendimento minimalista de acesso ao tratamento e à medicação. É central, exceto para o governador do estado de São Paulo.
Outro aspecto é o da judicialização excessiva da vida em detrimento dos direitos individuais, dos direitos fundamentais, a partir de um Estado impositor, um governo truculento e pretensioso em ditar até aquilo que seduz as pessoas pelo prazer. Por outro lado, um grande amigo meu, fumante convicto, fala das estratégias absurdamente criativas para saciar o vício em locais proibidos. Ou seja, existe um resultado inverso a partir da Lei Antifumo: o prazer na transgressão. Torna-se irresistível transgredir, potencializando o prazer de fumar.
Freud explica que as pessoas gostam do prazer e da dor. Em outras palavras, os impulsos de vida e os impulsos de morte. Dá para escolher viver tranquilamente por mais tempo ou viver mais intensamente mesmo que dure pouco tempo. Os prazeres da vida, mesmo que encurtando seu percurso, são escolhas (ou decisões) que estão limitadas à dimensão individual.
A Lei Antifumo fere direitos democráticos. Em grego, phármakon significa remédio, cuja tradução também pode ser ‘veneno’. E, nesse caso, o remédio proposto pelo governador do estado de São Paulo é veneno para uma sociedade democrática. Aliás, como é esquisito ver os deputados estaduais que votaram a favor dos interesses demagógicos e eleitoreiros presentes na Lei Antifumo rebolando para fumar sua cigarrilha e seu charuto. De elogiável disposição...
Por fim, também na década de 1960, Caetano Veloso cantava que “é proibido proibir”. Conclusão da história: o governador prefere ouvir o bem comportado Roberto Carlos.
Ivan Rubens Dario Jr
(O autor é não fumante agredido pelos ‘efeitos colaterais’ da Lei Antifumo)
Publicado no Diário de Suzano
Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 23 de setembro de 2009
Publicado no sítio do Jornal Cidade de Rio Claro
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