Quando conheci José Candido no jardim Revista
Conheci José Candido em 2000, quando estivemos em sua casa no Jardim Revista. Naquela
oportunidade, recém-graduado no curso de Geografia, transitávamos pelo Brasil
com olhos e ouvidos bem abertos para a diversidade de culturas, lugares,
paisagens e etc. Nosso primeiro contato com o Jardim Revista foi de surpresa.
Toda uma porção de terra à margem direita do rio Tietê com relevo, uma terra
elevada. Alguns se referem ao bairro como o morro do Revista. De fato,
transitar pelas ruas ainda de terra com declividades acentuadas, não era tarefa
das mais fáceis. As ruas principais, consideradas assim devido ao fluxo do
transporte coletivo de passageiros, possuíam pavimentação asfáltica.
Em
2005 pedimos ao Candido para organizar uma conversa com os moradores mais
antigos do bairro. Investigávamos as origens do bairro e, principalmente, o
nome do córrego no fundo do vale onde aconteciam épicas peladas (de futebol),
campeonatos do bairro onde se destacava um tal goleiro de baixa estatura,
considerado o Pelé debaixo das traves. Enfim, procurávamos o nome do córrego,
alguma referência histórica que nos ajudasse nessa busca. Bem, na conversa e
nas andanças com o Candido pelo bairro, conhecemos dona Mariinha. Uma senhora
pequenina, linda, bem velhinha então que dizia morar no bairro desde antes do
bairro existir. Ela nos contou passagens maravilhosas do início daquele
povoamento. Sobre o nome do córrego, ela afirmou: “chama-se corguínho. Agora, quando chovia, nóis
chamava de córgo.” Mariinha disse que
as mulheres desciam e subiam o morro por uma trilha muito estreita, com as
latas de roupa na cabeça, em direção ao córrego para lavar. Esse trajeto exigia
muito esforço, mas era facilmente vencido pelas mulheres que moravam nas poucas
e distantes casas entre si, e muitas crianças à volta, todas cantando dentre
outras canções, esta:
Lava, lava
Lavadeira
Lavadeira
Lava roupa o dia inteiro
De manhã tá na cozinha
À tardinha, passar um café.
Contou também
que durante a lavação da roupa, as crianças brincavam na água fazendo uma
algazarra. Era uma alegria... Tudo isso para nos dizer que o córrego estava ali
à disposição de todos com água boa para beber, lavar roupa, cozinhar, para a
alegria das crianças. A paisagem descrita por dona Mariinha e seus amigos e
amigas remete à década de 1950-60. As poucas casas ficavam na parte alta do
morro do jardim Revista com largos espaços entre elas. Poucos moradores que ela
lembrava por sobrenome. Tudo era mato e algumas trilhas levavam para o rio e
para as conexões com a cidade. Interessante perceber uma característica de
Suzano: os moradores se remetem à região central, ao núcleo urbano no entorno
da estação da CPTM como “Suzano”. Parece uma compreensão de periferia como não
cidade, como uma outra coisa que não Suzano. Portanto, ao partir dos bairros para
o centro da cidade, a pessoa parte para Suzano.
A
família Candido chegou a Suzano, especificamente ao convívio no bairro de dona
Mariinha, no ano de 1973. Segundo ela, Candido chegou com o bairro já crescido.
Em vários pontos
da cidade uma história se repetia, contada por gerações diferentes: o sapato na
sacolinha de mercado. As pessoas saíam da casa calçando um sapato velho, um
chinelo por exemplo. E numa sacola carregavam o sapato de sair. Com o sapato
velho ou chinelo, seguiam por ruas não pavimentadas, cheio de barro no tempo da
chuva ou poeira na estiagem. Chegando ao ponto de ônibus que, este sim,
circulava por ruas pavimentadas com asfalto, os sapatos eram substituídos.
Quando o sapato velho estava muito sujo, dentro da sacolinha ele ficava
escondido por perto do ponto de parada aguardando para a saga do retorno entre
o ponto e a casa. Tudo isso para, segundo a contação da história, não chegar com os pés sujos, o que revelava
uma certa vergonha pública. Como se, na esteira do raciocínio de outrem, o limpo representando uma suposta
objetividade, uma transparência, como se não existisse a subjetividade, a
opacidade aqui representada pelo sujo. Como se a periferia da cidade, apesar de
sua potência inovadora, representasse o sujo e os lugares nobres da cidade
representassem o limpo. Quando o sujeito desloca no chão da cidade, transitam,
circulam neste movimento ligam esses lugares e dimensões. Cidade e sujeito
compreendidos como obra aberta.
Esta breve
história coletada na realidade concreta da cidade (feminina) e do urbano
(masculino) nos provocam a pensar tantas analogias. E neste movimento aparecem
aberturas para produção de sentidos outros, conceitos outros, novas
possibilidades de olhar para a cidade, de perspectiva-la, e de produzir-se.
Pois bem, a casa
da família Candido era muito comprida. Não era grande. Como muitas casas nas
periferias urbanas, várias construções distribuídas num mesmo terreno, este com
forte desnível. E um longo corredor intercalando piso plano e lances de escada.
Posicionada numa quadra cujo arruamento definia um triângulo fechado no
cruzamento principal que garantia acesso à padaria, no pequeno centro comercial,
e à parada de ônibus. Enfim, para acessar o alto do morro do Revista, uma volta
grande com forte inclinação precisava ser vencida pelos pedestres. Então,
contamos o que chamou muito a nossa atenção: como o corredor da casa dos
Candido ligava as duas ruas, e as escadarias facilitavam o trânsito morro acima
e morro abaixo, os portões entreabertos durante o dia e a casa funcionava como
passagem dos moradores do entorno. Uma espécie de comunidade se estabelecia.
Porta e janela da cozinha ficavam abertas permanentemente. Dona Laura, esposa
do seu Candido, trabalhava na cozinha entre cumprimentos e conversas com todos
que trafegavam pelo corredor. Candido, ao telefone, interrompia suas conversas
para receber os vizinhos que, passando pelo corredor, ao ouvirem sua voz,
paravam para um café e um dedinho de prosa. Inusitado não menor pela fruteira.
Logo cedo, frutas passavam da cozinha para o corredor e eram consumidas pelos
transeuntes, especialmente pelas crianças. Assuntos mais importantes eram
discutidos na sala, entre brincadeira das crianças e o ruído da televisão. Uma
intensa relação de vizinhança se estabelecia no fluxo do corredor que ligava a
parte baixo e alta neste trecho do morro do Revista. Se nossa memória não falha
muito, foi mais ou menos assim uma manhã inesquecível do ano de 1998 quando nos
colocamos a pensar sobre a diluição da fronteira entre público e privado. Uma
espécie de comunidade se criou ao redor de um casal, seu Candido e dona Laura,
acolhedor, solidário, popular. O corredor da casa dos Candido era a brecha no Jardim Revista.
Bem, voltemos ao
Candido. Mestre Candido como era chamado. Um sujeito inesquecível em sua
simplicidade, carisma e sabedoria.
104º Bate Papo Cultural - "Corpo em movimento: uma pedagogia da cidade"
Apresentamos aqui algumas linhas de nossa pesquisa de pós-graduação em Educação a partir da experiência vivida em Suzano/SP entre 2005 e 2008 durante o governo Marcelo Candido com a política do Orçamento Participativo. A convite do Arquivo Público de Rio Claro/SP, tal apresentação compôs o 104 Bate Papo Cultural.
Educação e democracia
Há momentos na vida em que a questão de
saber se podemos pensar diferentemente do
que pensamos, e perceber diferentemente do que
vemos, é absolutamente necessária se quisermos
continuar de algum modo a olhar e refletir.
Michel Foucault
A leitura de Gert Biesta nos convida a pensar na relação entre educação e democracia. Este autor tem nos ajudado nessa empreitada em nossos estudos sobre a pedagogia social desde 2014. Neste breve texto vamos trabalhar um pouco a partir de questões que disparam nosso pensamento sobre o tema. Seria a escola o lugar de preparar as crianças e jovens para futura participação na democracia? Queremos superar a ideia da escola como preparação e pensar a escola como o lugar onde indivíduos podem agir. E agindo se produzem enquanto sujeito. Assim, ao superar a produção de indivíduos democráticos, a questão educacional chave é como os indivíduos podem ser sujeitos, tendo sempre em mente que ser sujeitos é em ação, ou seja, agindo com outros seres.
- que tipo de escola precisamos para que estudantes possam agir?
- quanta ação é realmente possível nas escolas?
- é possível ser uma pessoa democrática na escola hoje?
Um aspecto importante nesse nosso exercício de pensamento é o ambiente. É necessário um ambiente educacional onde estudantes tenham oportunidade real de tomar iniciativa. Este ambiente (1) requer que a linguagem não seja apenas uma habilidade que estudantes devem adquirir mas seja compreendida como uma maneira de se introduzir no mundo: a linguagem media as relações entre EU e OUTRO. (2) Requer ainda mais educadores com real interesse pelas iniciativas de estudantes. E (3) requer menos atenção aos resultados expressos em tabelas classificatórias; mas a busca de um novo equilíbrio entre criança e currículo de forma que haja tempo disponível e condições para tais iniciativas empreenderem algo inesperado por nós. Estamos falamos de um escola centrada na ação.
Quanto mais ações possíveis na escola, melhor. Porque a prática de um grêmio estudantil, por exemplo, ou decisões tomadas em assembleia, não configuram necessariamente uma escola democrática. A deliberação é apenas uma possibilidade que os indivíduos possam se tornar sujeitos agindo no mundo. Há tantas outras possibilidades a serem experimentadas na escola e ainda inúmeras a serem inventadas.
Ainda nesse exemplo do grêmio como uma forma de participação dos estudantes na escola, a legislação em vigor assegura a organização livre dos grêmios estudantis em nossa rede municipal de ensino fundamental. A mesma legislação assegura que compete exclusivamente aos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes à organização dos grêmios. Mais do que isso, tanto eleição de seus membros quanto aprovação do Estatuto são atribuições específicas dos alunos da respectiva unidade escolar. Como podemos ver numa rápida análise da legislação local específica, há garantias jurídicas que permitem à escola muita ação com/entre alunos. Destacamos que utilizamos a figura do grêmio estudantil como um exemplo de espaço institucionalizado para ação de um segmento específico da escola em seu dia a dia. Poderíamos citar o Conselho de Escola e ainda outros.
E temos uma excelente notícia: não existe uma fórmula pronta que transforme da noite para o dia uma escola tradicional em uma escola democrática. Tais iniciativas devem ser experimentadas permanentemente, porque uma iniciativa que se aplica bem num determinado tempo e numa determinada escola, não é necessariamente exitosa numa outra escola ou noutro tempo.
Pensando a democracia, haveria uma fronteira rígida separando escola e sociedade? Consideremos a sociedade como ela é e cujas transformações são possíveis na medida mesma da participação democrática dos indivíduos. Não podemos esperar o dia em que a escola seja a ideal, não podemos esperar a sociedade ideal para uma participação democrática. A única maneira de aperfeiçoar a qualidade democrática da sociedade é tornar a sociedade mais democrática, isto é, providenciar mais oportunidades para a ação – que é sempre ação num mundo de pluralidade e diferença. Se nosso trabalho acontece num mundo real repleto de contradições e incoerências, é nele que devemos atuar inclusive para transformá-lo. Portanto, o professor tem muito trabalho. De acordo com as investigações deste pesquisador,
as abordagens tradicionais da educação democrática perguntam como os indivíduos podem aprender a se tornar uma pessoa democrática. Se a subjetividade democrática só existe na ação, se consiste em vir ao mundo pelas maneiras como os outros respondem e adotam nossas iniciativas, então a questão de aprender não consiste em como se tornar um sujeito mas em aprender com o fato de ser e ter sido um sujeito. (Biesta, p 186)
Então, o que pode ser aprendido com o fato de ser/ter sido um sujeito? Aprendizagem compreendida com e sobre o significado da ação, do vir ao mundo, confrontando a outridade e a diferença em relação aos demais inícios e ações. É saudável inclusive perceber, a partir da ação, que outras pessoas não agiram e portanto, ainda não entraram no mundo da ação, porque se uma experiência de ação bem sucedida tem impactos na produção do sujeito, essa experiência de frustração impacta mais profundamente. Ser um sujeito tem a dimensão de estar sujeito ao que é imprevisível, diferente e outro. Nesta condição, a subjetividade pode aparecer e a democracia pode se tornar real.
O que as escolas podem fazer é tornar possível a ação e, desta maneira, criar as condições para que estudantes experimentem o que é e o que significa ser um sujeito. Porque a aprendizagem nesta experiência não é aquela que produz cidadãos democráticos. A aprendizagem que está em jogo é aquela que resulta de ter sido (ou não ter sido) um sujeito.
O desafio que está diante de nós, cada vez mais visível, é oferecer os apoios e a sustentação necessária aos movimentos de participação nas escolas, seja nos espaços existentes como o grêmio estudantil, conselho de escola ou tantos outros, ou mesmo nos espaços a serem inventados na ação possível em cada escola.
Finalizamos essa breve reflexão com um convite a partir da epígrafe escolhida para este texto: ser diferente do que somos e agir diferentemente do que agimos.
Está combinado?
Tá combinado
Podemos ver o mundo juntos,
sermos dois e sermos muitos,
nos sabermos sós sem estarmos sós.
Abrirmos a cabeça para que afinal floresça
o mais que humano em nós.
(Caetano Veloso)
Bibliografia utilizada
BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013 (coleção Educação: experiência e sentido)
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Lei municipal 6372/03 de 21 de agosto de 2003, publicada no jornal boletim do município nr. 1574 em 29 de agosto de 2003. Dispõe sobre a livre organização de grêmios estudantis na Rede Municipal de Ensino Fundamental. Disponível em <http://www.sjc.sp.gov.br/legislacao/leis/2003/6372.pdf> Acesso em: 03/maio/2016.
sobrevivência em tempos de guerra
(aniversário de 6 anos deste texto escrito em 2016)
“a linguagem é território em guerra”.
Esta frase que não é minha, expressa bem o que tenho assistido nesta guerra da comunicação.
Esta frase que não é minha, expressa bem o que tenho assistido nesta guerra da comunicação.
- Quem está em guerra?
- Quem se comunica.
- E quem se comunica?
- Nós, todos nós!
Estamos em guerra não por uma escolha nossa, mas por imposições de forças muito maiores do que nós e alheias a nossa vontade.
- E quais seriam as armas utilizadas nesta guerra da linguagem?
A fala é a arma mais comum.
Então a boca é uma arma.
Todos nós estamos armados.
Porque da boca saem palavras.
Palavras balas que saem_disparadas da arma-boca.
Palavras que machucam, que ferem e que matam.
E as palavras mortíferas matam em duplo sentido:
- matam quem as recebe: ferem e machucam quem escuta.Palavras que machucam, que ferem e que matam.
E as palavras mortíferas matam em duplo sentido:
- matam quem as atira: ferem e machucam quem fala.
Algumas falas que ouço ferem de morte.
Permaneço vivo felizmente.
Tenho criado defesas. Elas funcionam como uma espécie de filtros para os ouvidos:
Tampões
Fones
Filtros
Espécies de capas protetoras que, tendo os ouvidos como a porta de entrada, protegem o corpo e protegem o pensamento, nos garantindo ainda alguma sanidade mental.
Sigo o conselho do artista plástico Carlos Petrus que dizia desde o hospital psiquiátrico Pedro II no Engenho de Dentro - RJ: "Eu não sou louco. Foi a loucura que entrou em mim."
Mesmo correndo o risco de ser chamado de 'autista', de ser compreendido como aquele que foge, prefiro pensar num devir peixe: escorregadio, que nada. E para nadar, nada. E quando tirado de louco, mesmo que na forma de mais uma piada despretensiosa, estamos diante da revelação da loucura do mundo?
Cada um procura à sua maneira formas de sobreviver nesta guerra.
Permaneço vivo felizmente.
Tenho criado defesas. Elas funcionam como uma espécie de filtros para os ouvidos:
Tampões
Fones
Filtros
Espécies de capas protetoras que, tendo os ouvidos como a porta de entrada, protegem o corpo e protegem o pensamento, nos garantindo ainda alguma sanidade mental.
Sigo o conselho do artista plástico Carlos Petrus que dizia desde o hospital psiquiátrico Pedro II no Engenho de Dentro - RJ: "Eu não sou louco. Foi a loucura que entrou em mim."
Mesmo correndo o risco de ser chamado de 'autista', de ser compreendido como aquele que foge, prefiro pensar num devir peixe: escorregadio, que nada. E para nadar, nada. E quando tirado de louco, mesmo que na forma de mais uma piada despretensiosa, estamos diante da revelação da loucura do mundo?
Algumas falas que ouço que matam de vergonha.
Sabe vergonha alheia? pois é….
Tem palavra que juntando com outras palavras chegam e enojar, enjoar, dão ânsia de vômito….
Matam de vergonha.
Matam quem as disse.
Matam em quem ouve aquilo que ainda sobra de interessante de quem as disse.
Sim, é isso mesmo: cada ser carrega um pouco do outro em si. E esse pouco de outro-em-si também vive e morre. Tem palavras que matam em mim aquilo de interessante do outro que habita em mim. Tem palavras minhas que matam no outro aquilo de interessante no outro de mim.
Sabe vergonha alheia? pois é….
Tem palavra que juntando com outras palavras chegam e enojar, enjoar, dão ânsia de vômito….
Matam de vergonha.
Matam quem as disse.
Matam em quem ouve aquilo que ainda sobra de interessante de quem as disse.
Sim, é isso mesmo: cada ser carrega um pouco do outro em si. E esse pouco de outro-em-si também vive e morre. Tem palavras que matam em mim aquilo de interessante do outro que habita em mim. Tem palavras minhas que matam no outro aquilo de interessante no outro de mim.
Ainda bem que o ser humano dispõe da faculdade do pensamento. Porque antes da boca disparar palavras de morte, existe a ação do pensamento. Quando não pensamos, a chance de atirar palavras de morte é muito maior. Agora, quando pensamos, se pensamos com alguma força, a arma boca se volta muito mais contra nós mesmos.
É como se a arma-boca-língua apontasse sua mira para o autor do disparo.
Neste caso, pensamos.
E pensamos.
E pensamos um pouco mais antes de atirar.
Porque pensar não é essa atividade de manter vivo o corpo físico, a exemplo de respirar ou bombear o sangue a partir do coração. Pensar é mais do que isso. O pensamento está capturado pela disputa sangrenta de opiniões.
Parece que estamos condenados a ter e emitir opiniões para todo e qualquer assunto. Da petrobrás e os royalties do petróleo à vida privada dos representantes políticos. Da honestidade dos outros, sempre a dos outros... como se tais homens (por assim dizer) impuros, estes mesmos que chegaram de um outro planeta, de Marte, da Júpiter, como se os anéis de Saturno fossem o fruto destes seres extraterrestres corruptos. E que por esta força extraterrestre, nós pobres terráqueos vítimas corrompidas do mal externo. Mas não! tudo isso é da natureza humana. Todas as figuras maniqueístas: o bem e o mal, honesto e desonesto, deus e diabo, são e louco, bandido e mocinho, céu e inferno, nos habitam a todos indistintamente. Masculino e feminino, homem e mulher, porque dentre a lista de assuntos habitualmente tratados nestes encontros de família estão as manifestações masculinas ditando o adequado comportamento de mulheres a respostas femininas que colocam sobre a mesa as mesmas partes pudendas como demonstração de sua força opressora insuportável. E, por fim, a constatação de sempre: falta educação e cultura para este povo.
Neste movimento de pensar antes de emitir o primeiro tiro, estamos diante de um perigo muito interessante. Corremos o risco (no melhor sentido da palavra: o primeiro traço de tinta preta sobre a tela branca de Fernando Diniz) de escolher outra coisa que pode ser outra palavra, pode ser inclusive negar o tiro. E neste movimento podemos perceber que o inimigo a quem disparávamos palavras de morte tratava-se de um não inimigo.
Porque se atira palavras de morte em um não inimigo?
É como se a arma-boca-língua apontasse sua mira para o autor do disparo.
Neste caso, pensamos.
E pensamos.
E pensamos um pouco mais antes de atirar.
Porque pensar não é essa atividade de manter vivo o corpo físico, a exemplo de respirar ou bombear o sangue a partir do coração. Pensar é mais do que isso. O pensamento está capturado pela disputa sangrenta de opiniões.
Parece que estamos condenados a ter e emitir opiniões para todo e qualquer assunto. Da petrobrás e os royalties do petróleo à vida privada dos representantes políticos. Da honestidade dos outros, sempre a dos outros... como se tais homens (por assim dizer) impuros, estes mesmos que chegaram de um outro planeta, de Marte, da Júpiter, como se os anéis de Saturno fossem o fruto destes seres extraterrestres corruptos. E que por esta força extraterrestre, nós pobres terráqueos vítimas corrompidas do mal externo. Mas não! tudo isso é da natureza humana. Todas as figuras maniqueístas: o bem e o mal, honesto e desonesto, deus e diabo, são e louco, bandido e mocinho, céu e inferno, nos habitam a todos indistintamente. Masculino e feminino, homem e mulher, porque dentre a lista de assuntos habitualmente tratados nestes encontros de família estão as manifestações masculinas ditando o adequado comportamento de mulheres a respostas femininas que colocam sobre a mesa as mesmas partes pudendas como demonstração de sua força opressora insuportável. E, por fim, a constatação de sempre: falta educação e cultura para este povo.
Neste movimento de pensar antes de emitir o primeiro tiro, estamos diante de um perigo muito interessante. Corremos o risco (no melhor sentido da palavra: o primeiro traço de tinta preta sobre a tela branca de Fernando Diniz) de escolher outra coisa que pode ser outra palavra, pode ser inclusive negar o tiro. E neste movimento podemos perceber que o inimigo a quem disparávamos palavras de morte tratava-se de um não inimigo.
Porque se atira palavras de morte em um não inimigo?
Aliás, o que é um inimigo?
Quem nos é inimigo?
Quem, nós cristãos-católicos-brancos, consideramos inimigos?
Talvez aceitemos essa guerra da linguagem porque sabemos
que há sempre a possibilidade do perdão.
que há sempre a possibilidade do perdão.
Perdão de quem?
Quem perdoa?
A vítima do tiro palavra perdoa por ser um preceito religioso, o que não significa esquecimento, superação, elaboração consciente e inconsciente do ferimento recebido pela bala da palavra ouvida. O ato de perdoar (ou o famoso pedido de desculpas quando ele acontece) não significa sequer a cicatriz da ferida. Porque ela pode permanecer enquanto marca no corpo (físico ou subjetivo) durante toda a vida.
E não nos deixemos enganar por armas e tiros travestidos de brincadeira, de piada. Brincadeiras e piadas (normalmente de péssimo gosto) são cortina de fumaça, são alegorias, são jeitos de escamotear um certo desamor pela vida. Portanto, não contaminemos a vida dos outros e do mundo com o nosso desamor. Tratemos do nosso desamor, tratemos nosso ressentimento, sejamos adultos e cuidemos de nós mesmos primeiro para depois, e só depois, oferecer nosso ‘generoso’ ombro ou mão 'amiga' para cuidado do outro. A mesma mão que fere, acaricia. O mesmo ombro que acolhe o choro do outro é o que faz o movimento do cotovelo no sentido do nariz.
Por outro lado,
(e sempre há outro lado e tantos outros mundos quantos sujeitos para observá-los)
Por outro lado,
(e sempre há outro lado e tantos outros mundos quantos sujeitos para observá-los)
Por outro lado,
as palavras quando bem pensadas podem representar oração.
Ou melhor ainda: poesia.
Porque poesia é muito mais que oração.
Poesia se faz para ouvidos vivos.
Poesia é a palavra que, antes de ser dita, é pensada, pensada, muito pensada.
Procurada, escolhida com muito cuidado.
Poesia revela amor pela vida. Não por esta vida individual, mesquinha, sovina, egoísta, mas pela vida enquanto vida, enquanto o mundo vivo que nos permite estar aqui, que nos permite passar por aqui mesmo que brevemente.
Porque ‘a vida é um sopro’.
Outra frase que também não é minha mas exprime muito bem o que senti numa manhã anos atrás quando telefonemas davam notícias que nos levaram ao hospital da unimed em RC, depois ao hospital em Piracicaba e, por fim, ao velório e ao cemitério. E às vésperas de completar 87 anos, aquela vida se acabou. Acabou e não volta mais.
A vida é um sopro.
Como um rio que não volta para a nascente,
a vida não retorna para sua nascente.
um fluxo inexorável.
as palavras quando bem pensadas podem representar oração.
Ou melhor ainda: poesia.
Porque poesia é muito mais que oração.
Poesia se faz para ouvidos vivos.
Poesia é a palavra que, antes de ser dita, é pensada, pensada, muito pensada.
Procurada, escolhida com muito cuidado.
Poesia revela amor pela vida. Não por esta vida individual, mesquinha, sovina, egoísta, mas pela vida enquanto vida, enquanto o mundo vivo que nos permite estar aqui, que nos permite passar por aqui mesmo que brevemente.
Porque ‘a vida é um sopro’.
Outra frase que também não é minha mas exprime muito bem o que senti numa manhã anos atrás quando telefonemas davam notícias que nos levaram ao hospital da unimed em RC, depois ao hospital em Piracicaba e, por fim, ao velório e ao cemitério. E às vésperas de completar 87 anos, aquela vida se acabou. Acabou e não volta mais.
A vida é um sopro.
Como um rio que não volta para a nascente,
a vida não retorna para sua nascente.
um fluxo inexorável.
façamos poesias com as palavras
e, desta maneira,
talvez aproveitemos melhor
esse nosso sopro de vida.
Sim, é perfeitamente possível.
Porque, outra frase que não é minha, viver é mais que sobreviver.
Que as balas dessas palavras sejam
mais de vida que de morte.
Mais de goma que de borracha
Que estes tiros não sejam letais
mas sejam leituras
Não sejam fatais mas sejam farturas.
Carlos Petrius e Fernando Diniz são artistas plásticos no hospital psiquiátrico Pedro II, RJ.
e, desta maneira,
talvez aproveitemos melhor
esse nosso sopro de vida.
Sim, é perfeitamente possível.
Porque, outra frase que não é minha, viver é mais que sobreviver.
Que as balas dessas palavras sejam
mais de vida que de morte.
Mais de goma que de borracha
Que estes tiros não sejam letais
mas sejam leituras
Não sejam fatais mas sejam farturas.
Carlos Petrius e Fernando Diniz são artistas plásticos no hospital psiquiátrico Pedro II, RJ.
o que se esconde por trás do ódio ao PT? - parte II
o que se esconde por trás do ódio ao PT - parte II
O que se esconde por trás do ódio ao PT(II)?
07/03/2015
Já dissemos anteriormente e o repetimos: o ódio disseminado na sociedade e nas mídias sociais, não é tanto ao PT, mas àquilo que o PT propiciou para as grandes maiorias marginalizadas e empobrecidas de nosso país: sua inclusão social e a recuperação de sua dignidade. Não são poucos os beneficiados dos projetos sociais que testmunharam: “sinto-me orgulhoso não porque posso comer melhor e viajar de avião, coisa que jamais poderia antes, mas porque agora recuperei minha dignidade”. Esse é o mais alto valor político e moral que um governo pode apresentar: não apenas garantir a vida do povo, mas faze-lo sentir-se digno, alguém participante da sociedade.
Nenhum governo antes em nossa história conseguiu esta façanha memorável. Nem havia condições para realizá-la porque nunca houve interesse em fazer das massas exploradas de indígenas, escravos e colonos pobres, um povo consciente e atuante na construção de um projeto-Brasil. Importante era manter a massa como massa, sem possibilidade de sair da condição de massa, pois assim não poderia ameaçar o poder das classes dominantes, conservadoras e altamente insensíveis aos padecimentos do próximo. Essas elites não amam a massa empobrecida. Mas tem pavor de um povo que pensa, pois faz valer seus direitos e pode ameaçar os privilégios dela.
Para conhecer esta anti-história aconselho aos políticos, aos pesquisadores e aos leitores/as que leiam o estudo mais minucioso que conheço:”a política de conciliação: história cruenta e incruenta”, um largo capítulo de 88 páginas do clássico “Conciliação e reforma no Brasil” de José Honório Rodrigues (1965 pp. 23-111). Ai se narra, como a dominação de classe no Brasil, desde Mende de Sá até os tempos modernos, foi extremamente violenta e sanguinária, com muitos fuzilamentos e enforcamentos e até de guerras oficiais de extermínio dirigidas contra tribos indígenas como contra os botocudos em 1808.
Também seria falso pensar que as vítimas tiveram um comportamento conformista. Ao contrário, reagiram também com rebeliões e violência. Foi a massa indígena e negra, mestiça e cabocla a que mais lutou e que foi reprimida cruelmente, sem qualquer piedade cristã. Nosso solo ficou ensopado de sangue.
As minorias ricas e dominantes elaboraram uma estratégia de conciliação entre si, por cima da cabeça do povo e contra o povo, para manter a dominação. O estratagema sempre foi mesmo. Como escreveu Marcel Burstztyn (O país das alianças: as elites e o continuismo no Brasil, 1990): “o jogo nunca mudou; apenas embaralharam-se diferentemente as cartas do mesmo e único baralho.”
Foi a partir da política colonial e continuada até recentemente que se lançaram as bases estruturasis da exclusão no Brasil, como foi mostrado por grandes historiadores, especialmente por Simon Schwartzman com o seu “Bases do autoritarismo brasileiro” (1982) e Darcy Ribeiro com seu grandioso “O povo Brasileiro” (1995).
Existe, pois, com raízes profundas, um desprezo pelo povo, gostemos ou não. Esse desprezo atinge o nordestino, tido por ignorante (quando a meu ver é extremamente inteligente, vejam seus escritores e artistas), os afrodescendentes, os pobres econômicos em geral, os moradores de favelas (comunidades), e aqueles que têm outra opção sexual.
Ocorre que irrompeu uma mudança profunda graças às políticas sociais do PT: os que não eram começaram a ser. Puderam comprar suas casas, seu carrinho, entraram nos shoppings, viajaram de avião às multidões, tiveram acesso a bens antes exclusivos das elites econômicas.
Segundo o pesquisador Márcio Pochmann em seu Atlas da Desigualdade social no Brasil : 45% de toda a renda e a riqueza nacionais é apropriada por apenas 5 mil famílias extensas. Estas são nossas elites. Vivem de rendas e da especulação financeira, portanto, ganham dinheiro sem trabalho. Pouco o nada investem na produção para alavancar um desenvolvimento necessário e sustentável.
Segundo o pesquisador Márcio Pochmann em seu Atlas da Desigualdade social no Brasil : 45% de toda a renda e a riqueza nacionais é apropriada por apenas 5 mil famílias extensas. Estas são nossas elites. Vivem de rendas e da especulação financeira, portanto, ganham dinheiro sem trabalho. Pouco o nada investem na produção para alavancar um desenvolvimento necessário e sustentável.
Veem, temerosas, a ascensão das classes populares e de seu poder. Estas invadem seus lugares exclusivos. No fundo, começa a haver uma pequena democratização dos espaços sociais.
Essas elites formaram, atualmente, um bloco histórico cuja base é constituida pela grande mídia empresarial, jornais, revistas e canais de televisão, altamente censuradores do povo, pois lhe ocultam fatos importantes, banqueiros, empresários centrados nos lucros, pouco importa a devastação da natureza e ideólogos (não são intelectuais) que se especializaram em criticar tudo o que vem do governo do PT e fornecem superficialidades intelectuais em defesa do status quo.
Esta constelação anti-popular e até anti-Brasil suscita, nutre e difunde ódio ao PT como expressão do ódio contra aqueles que Jesus chamou de “meus irmãos e irmãs menores”, os humilhados e ofendidos de nosso pais.
Como teólogo me pergunto angustiado: na sua grande maioria, essas elites são de cristãos e de católicos. Como combinam esta prática perversa com a mensagem de Jesus? O que ensinaram as muitas Universidades Católicas e as centenas de escolas cristãs para permitirem surgir esse movimento blasfemo, pois, atinge o próprio Deus que é amor e compaixão e que tomou partido pelos que gritam por vida e por justiça?
Mas entendo, pois para elas vale o dito espanhol: entre Deus e o dinheiro, o segundo é primeiro.
Infelizmente.
O que se esconde atrás do ódio ao PT? parte I
o que se esconde atrás do ódio ao PT - parte I
O que se esconde atrás do ódio ao PT (I)?
07/03/2015
Há um fato espantoso mas analiticamente explicável: o aumento do ódio e da raiva contra o PT. Esse fato vem revelar o outro lado da “cordialidade” do brasileiro, proposta por Sérgio Buarque de Holanda: do mesmo coração que nasce a acolhida calorosa, vem também a rejeição mais violenta. Ambas são “cordiais”: as duas caras passionais do brasileiro.
Esse ódio é induzido pela midia conservadora e por aqueles que na eleição não respeitaram rito democrático: ou se ganha ou se perde. Quem perde reconhece elegantemene a derrota e quem ganha mostra magnanimidade face ao derrotado. Mas não foi esse comportamento civilizado que triunfou. Ao contrário: os derrotados procuram por todos os modos desligitimar a vitória e garantir uma reviravolta política que atendesse a seu projeto, rejeitado pela maioria dos eleitores.
Para entender, nada melhor que visitar o notório historiador, José Honório Rodrigues que em seu clássico Conciliação e Reforma no Brasil (1965) diz com palavras que parecem atuais:
”Os liberais no império, derrotados nas urmas e afastados do poder, foram se tornando além de indignados, intolerantes; construíram uma concepção conspiratória da história que considerava indispensável a intervenção do ódio, da intriga, da impiedade, do ressentimento, da intolerância, da intransigência, da indignação para o sucesso inesperado e imprevisto de suas forças minoritárias” (p. 11).
Esses grupos prolongam as velhas elites que da Colônia até hoje nunca mudaram seu ethos. Nas palavras do referido autor: “a maioria foi sempre alienada, antinacional e não contemporânea; nunca se reconciliou com o povo; negou seus direitos, arrasou suas vidas e logo que o viu crescer lhe negou, pouco a pouco, a aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence”(p.14 e 15). Hoje as elites econômicas continuam a abominar o povo. Só o aceitam fantasiado no carnaval. Mas depois tem que voltar ao seu lugar na comunidade periférica (favela).
Lamentavelmente, não lhes passa pela cabeça que “as maiores construções são fruto popular: a mestiçagem racial, que criava um tipo adaptado ao país; a mestiçavel cultural que criava uma síntese nova; a tolerância racial que evitou o descaminho dos caminhos; a tolerância religiosa que impossibiltou ou dificultou as perseguições da Inquisição; a expansão territorial, obra de mamelucos, pois o próprio Domingos Jorge Velho, devassador e incorporador do Piaui, não falava português; a integração psico-social pelo desrespeito aos preconceitos e pela criação do sentimento de solidariedade nacional; a integridade territorial; a unidade de língua e finalmente a opulência e a riqueza do Brasil que são fruto do trabalho do povo. E o que fez a liderança colonial (e posterior)? Não deu ao povo sequer os beneficios da saúde e da educação, o que levou Antônio Vieira a dizer:’Não sei qual lhe faz maior mal ao Brasil, se a enfermidade, se as trevas”(p. 31-32).
A que vêm estas citações? Elas reforçam um fato histórico inegável: com o PT, esses que eram considerados carvão no processo produtivo (Darcy Ribeiro) e o rebutalho social, conseguiram, numa penosa trajetória, se organizar como poder social que se transformou em poder político no PT e conquistar o Estado com seus aparelhos. Apearam do poder, pelo voto, as classes dominantes; não ocorreu simplesmente uma alternância de poder mas uma troca de classe social, base para um outro tipo de política. Tal saga equivale a uma autêntica revolução social, pacífica e de cunho popular.
Isso é intolerável para as classes poderosas que se acostumaram a fazer do Estado o seu lugar natural e de se apropiar privadamente dos bens públicos pelo famoso patrimonialismo, denunciado por Raymundo Faoro.
Por todos os modos e artimanhas querem ainda hoje voltar a ocupar esse lugar que julgam de direito seu. Seguramente, começam a dar-se conta de que, talvez, nunca mais terão condições históricas de refazer seu projeto de dominação/conciliação. Outro tipo de história política dará, finalmente, um destino diferente ao Brasil.
Para eles, o caminho das urnas se tornou inseguro pelo nível crítico alcançado por amplos estratos do povo que rejeitaram seu projeto político de alinhamento neoliberal ao processo de globalização, como sócios dependentes e agregados. O caminho militar será hoje impossível dado o quadro mundial mudado. Cogitam com a esdrúxula possibilidade da judicialização da política, contando com aliados na Corte Suprema que nutrem semelhante ódio ao PT e sentem o mesmo desdém pelo povo.
Através deste expediente, poderiam lograr um empeachment da primeira mandatária da nação. É um caminho conflituoso pois a articulação nacional dos movimentos sociais tornaria arriscado este intento e talvez até inviável.
O ódio contra o PT é menos contra PT do que contra o povo pobre que por causa do PT e de suas políticas sociais de inclusão, foi tirado do inferno da pobreza e da fome e está ocupando os lugares antes reservados às elites abastadas. Estas pensam em fazer, com boa consciência, apenas caridade, doando coisas, mas nunca buscando a justiça social.
Antecipo-me aos críticos e aos moralistas: mas o PT não se corrompeu? Veja o mensalão? Veja a Petrobrás? Não defendo corruptos. Reconheço, lamento e rejeito os malfeitos cometidos por um punhado de dirigentes. Devem ser julgados, condenados à prisão e até expulsos do PT. Traíram mais de um milhão de filiados e principalmente botaram a perder os ideais de ética e de transparência. Mas nas bases e nos municípios – posso testemunhá-lo em dezenas de assessorias – vive-se um outro modo de fazer política, com participação popular, mostrando que um sonho tão generoso não se deixar matar assim tão facilmente: o de um Brasil menos malvado, mais digno, justo pacífico. As classes dirigentes, por 500 anos, no dizer rude de Capistrano de Abreu, “castraram e recastraram, caparam e recaparam” o povo brasileiro. Há maior corrupção histórica do que esta?
Voltaremos ao tema.
*Leonardo Boff é colunista do Jornal do Brasil, teólogo, filósofo e escritor
Mega-cidade incomum
Sábado choroso, perfeito pra leitura, cinema, namoro. Na mais paulista das avenidas, passearam. Circularam pelas transversais, interagiram com instalações, observaram pessoas, comportamentos. Contemplaram o MASP - Museu de Arte de São Paulo e o Parque Trianon – Parque Tenente Siqueira Campos. Observaram o frenesim de todo tipo de gentes, de casais. Amaram, se beijaram, circularam. Mais um belo e estranho dia para se ter alegria.
Ouviram trechos de canções na FNAC, fragmentos de literatura e recomposição das forças no conforto relativo dos sofás e pufes da Livraria Cultura. Um café para outra conversa e a caminhada segue. Sob a garoa num clima de romance, meia noite em Paris numa das salas do espaço Unibanco da rua Augusta. Dirigido por Woody Allen, a comédia romântica é ambientada em Paris. A canção Let’s do it (let’s fall in love) de Cole Porter, de 1928, um bem-humorado convite à vida instintiva, deixa o romance convidativo. A versão Façamos (vamos amar), de Carlos Rennó interpretada por Chico Buarque e Elza Soares fala da universalidade do amor.
Caminharam novamente pela noite paulistana sem destino. O durante era mais saboroso. Na estação da Luz uma cena chamou a atenção de ambos. Três moças caminhavam e, ao redor delas, muitos meninos tentando interagir com pouca gentileza. Tática nada exitosa.
No trem, lugares ocupados, algumas pessoas em pé. Um pastor pregando compulsivamente. As três moças sentadas lado a lado. Um rapaz aparentando 30 anos, em pé de frente para uma delas. Segue viagem. De súbito, um salto, um grito. A jovem com sapatos de salto alto, tentando recuperar o fôlego, acusa o rapaz de tê-la atentado o pudor. O pastor pregando. O rapaz mudo. A moça aos berros. Atônitos, passageiros buscando compreensão.
Recuperada do susto inicial, a moça reafirma suas acusações. Revoltadas com a obscenidade e tamanha violência, as amigas ajudaram a vítima a raciocinar: o que nós vamos fazer com esse safado?
O pastor pregando. Passageiros/as tomando partido até o momento em que escutaram do acusado: “foi sem querer”. Aquele júri popular decretara a sentença e nenhuma dúvida mais pairava naquele vagão: trata-se de um tarado. Revolta geral. A pequena multidão enfurecida, situação fora de controle, vias de fato. De sapato em punho, a vítima desferia golpes contra o rapaz. O salto agulha zumbia. O pastor pregava.
Portas abertas, a equipe de segurança da estação agiu entre sopapos e bofetões. Dizem que o procedimento padrão é averiguar na delegacia de polícia. Quem permaneceu no vagão, seguindo viagem, ânimos se acalmando. Nesse ínterim, a revolta migrava ao pastor que, pregando, percebeu e tratou de descer apressado antes que sobrasse algum sopapo pecador.
veja um pouco de Meia Noite em Paris
Let’s do it (let’s fall in love) de Cole Porter, de 1928
Façamos (vamos amar), de Carlos Rennó.
Interpretação: Chico Buarque e Elza Soares
A cidade está sendo
O advérbio ‘quase’ é proposital. Claro
que não passo por lá todos os dias. Passo várias vezes por semana, sei lá
quantas, quatro ou cinco vezes. A paisagem também está ‘quase’ porque passa por
uma profunda transformação. Aquele lugar quase é o mesmo, mas não é. Isso
também serve para o sujeito da frase, para mim, e para você.
Paisagem e lugar são conceitos
geográficos. Para o geógrafo Milton Santos (1926-2001) a paisagem é expressão
materializada do espaço geográfico, é forma. “A paisagem se dá como conjunto de
objetos reais concretos”. Ao falar da força do lugar, Milton Santos qualifica
lugar como espaço produzido pela lógica das vivências cotidianas das pessoas e
a lógica dos processos econômicos, políticos e sociais. São fixos o arruamento,
os canteiros, as construções, e são fluxos os movimentos, o vai e vem
interminável das gentes. E por aí vai...
Voltemos então ao cruzamento da 7
com a 1. Lembra-se do pontilhão? Bem, mesmo que quisesse eu não poderia
esquecê-lo. No tempo em que atuei na Defesa Civil de Rio Claro, junto com
valorosos companheiros de trabalho estive várias vezes naquele que, de acordo
com a Política Nacional de Defesa Civil, era considerado um ponto de risco. A
passagem de veículos e pedestres que acontecia sob a linha do trem, acumulava
água nas ocorrências de chuva forte e concentrada, típicas de verão. Faço aqui
um parêntese para lembrar, com orgulho, que Rio Claro foi em 2002 referência
para os municípios brasileiros com a medalha nacional de Defesa Civil. A obra,
em fase final de execução, permite à Defesa Civil retirar mais um ponto do seu mapa
de risco.
Pois então, por muitas décadas o
pontilhão da avenida 7 permitiu idas e vindas, permitiu fluxos ligando dois
lados da cidade. Contudo, o incremento da vida urbana e o conseqüente aumento
de veículos e gentes tornou o pontilhão um obstáculo. Ele passou a estrangular
o fluxo e interditar o movimento. O fixo ‘pontilhão’ já não compõe aquela
paisagem.
Até pouco tempo atrás, muros e
obstáculos visuais limitavam o olhar. Agora, o olhar está mais profundo, tem
mais horizonte. Olhar a estação ferroviária daquela perspectiva provoca a
memória e traz lembranças da infância e das histórias que contam dos áureos
tempos da ferrovia. Disse minha avó: ‘uma obra que enfim está acontecendo’. Na
visão dela, o pontilhão da avenida 7 dividia a cidade em dois, um obstáculo à
circulação. Quase não é mais.
Importante decisão política da
atual gestão e mais um bom trabalho da Prefeitura. A obra está quase pronta e
está muito boa. Com jardinagem, folhagens e plantas ornamentais, a decoração
tornará ainda mais agradável meu caminhar. Além de melhorar o fluxo, os
movimentos, a cidade está ficando mais bonita. Caminhar faz bem para saúde, beleza
faz bem para os olhos e alimenta a vida. O povo merece!
Como diria o educador Paulo
Freire (1921-1997): “o mundo não é, o mundo está sendo”. A cidade está sendo.
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