Ébrios

 

Que sejamos nós os ébrios

Os que espalham, régios,

O mundano evangelho das esquinas!


Proclamemos, nós, sinais 

Do fígado das horas

E as canções profanas!


Não nos dobremos, nós

À putrefata voz do algoz

Que nos sublima!


Devoremos, sim, a vida

A sina, os dias, os anos

Intrépidos? Profanos!


Que sejamos nós os bêbados

que caminham, trôpegos,

As esquinas mundanas da cidade fria


Beberemos, nós, sinais

Do trânsito acelerado

E dos carros violentos


Só nos dobremos, nós 

À marquise úmida 

Que nos abriga


Devoremos, sim, a vida

A sina, os dias, os anos

Artrópodes? Profanos!


Que sejamos nós os loucos

Os que empurram, poucos,

Carrinhos, papelões, amigos fiéis


Reclamemos, nós, sinais

Do muro alto que separa

E do portão que aprisiona


Só nos dobremos, nós

À beleza da arte

Que nos liberta


Devoremos, sim, a vida

A sina, os dias, os anos

Antropófagos profanos! 



Nuno Moraes e Ivan Rubena

Andarilhagens Pantaneiras

Um andarilho em terras alagadas, terra que é água: Pantanal 





 

Hospedado no site da Escola de Ativismo

Quero quero


bacana é ler o texto ouvindo a canção baixinho. 
para fazer isso, clique aqui ao lado: 



No final de semana de 17 de maio de 2024, um “quero quero” passou por Macapá. Foi um show, foram vários shows na verdade. Deize Pinheiro, a Pérola Azulada com Zé Miguel, o Jeito Tucujú com Val Milhomem e Joãozinho Gomes, numa verdadeira Farofa Tropical com Cláudio Nucci.

Paulista de Jundiaí, o artista Cláudio Nucci é cantor e compositor. No Rio de Janeiro em 1971, cursou o então segundo grau com Cláudio Infante, Mu Carvalho, Lobão e Zé Renato. Com este último integrou, em 1978, o grupo Boca Livre gravando canções como Toada (parceria com Zé Renato e Juca Filho), Quem Tem a Viola (parceria com Zé Renato, Xico Chaves e Juca Filho) e Sapato Velho (parceria com Mu Carvalho e Paulinho Tapajós). A canção Quero Quero (parceria com Mauro Assumpção) diz assim:

Ai, eu quero, eu quero tanto / Que você me aceite do jeito que eu sou / Muito inibido, recatado e tímido, puro de amor / Ai, eu quero, quero tanto / Que você me aceite do jeito que eu sou / Arrebatado, atirado, rápido, sem pudor

Quem não quer ser aceito? Chegar num lugar desconhecido, começar num trabalho novo, iniciar um curso são situações que nos colocam diante dessa questão. E isso acontece desde cedo: você se lembra do seu primeiro dia de aula? lembra das trocas de colégio, do primeiro dia de aula no ensino médio? da primeira vez que apresentou um trabalho na faculdade ou que falou em público? a ansiedade gerada por momentos deste tipo talvez carregue a expectativa da aceitação: o que irão pensar de mim? gostarão do que eu vou dizer? portanto, ser aceito pode causar certa expectativa e ansiedade. A canção continua…

Sempre nessa vida solta / Fazendo a gente se chegar / Ao encontro natural / Muito bom de se ficar

Os artistas apresentam um encontro natural, desses que você quer ficar, se demora nele, que você vai criando maneiras de adiar o fim. Então podemos pensar num encontro de corpos, um encontro de amor. Um desses encontros raros, raríssimos, onde caminhos se cruzam, onde pessoas se encontram na vida, quando uma pessoa passa por mim, passa por você, onde você passa por ela mas algo de ambos fica. Fica como uma semente colocada em solo fértil, germina, brota e gera outra vida. Um encontro meio óvulo e espermatozoide, um encontro onde ambos saem tão modificados que tornam-se um outro ser.

Ai, eu quero, eu quero tanto / Que você me aceite do jeito que eu sou / Descabelado, malucado, doido / Mas muito integrado nesse nosso amor

É possível fazer performances, malabarismos, gastar dinheiro visando à aceitação. A canção parece nos indicar algo muito simples e aí mesmo pode estar a beleza e a força dessa obra de arte: primeiro aceitação a si mesmo começando pelas próprias fragilidades, aceitando a precariedade humana, e depois indo na direção do outro carregando consigo qualidades e fragilidades, virtudes e ‘defeitos’, acertos e erros. E ao mesmo tempo, na pureza que o amor é capaz de produzir, uma pureza que gera a força necessária para se apresentar sem máscaras, inibido, recatado, tímido, arrebatado, atirado, rápido, sem pudor, descabelado, maluco, doido, se apresentar assim como se é ou como se está naquele momento da vida, uma espécie de colocar-se de peito aberto e de cara limpa e, aceito, integra-se e cuida dessa relação tão preciosa quanto delicada que é o amor. E viver momentos igualmente delicados e raros, quando sua cabeça está repousada no peito da outra pessoa, quando seu ouvido sente o coração do outro batendo tranquilo, aquele momento onde a simples presença viva do outro traz uma sensação maravilhosa de paz e tranquilidade. Muito integrado nesse nosso amor.

Ivan Rubens
19/maio/2024
#farofatropical #queroquero #claudionucci #macapá #bocalivre #mpb


Quero quero, Cláudio Nucci