Aconteceu no Rio de Janeiro. Um sambista muito gente boa brincava o carnaval no “Bloco das Piranhas”. Neste bloco, como era comum na década de 1950, os homens desfilavam vestidos de mulher. Pois bem, o sambista muito gente boa encontrou uma moça no bloco. A moça também encontrou o sambista. Ambos se gostaram, não deu outra: romance! O sambista não foi mais visto naquele carnaval. Dias depois ele revelou a um amigo, também sambista, que a moça não tirou a máscara. Ele, portanto, não conseguiria identificar o rosto daquela mulher.
No ano seguinte a história se repetiu. O sambista gente boa já sabia onde encontrar a Mascarada. E o romance emergiu... mas o mistério se manteve porque ela novamente não tirou a máscara. Apenas no terceiro ano a mulher revelou seu rosto. Apenas no terceiro carnaval ela se permitiu tirar a máscara.
Talvez você não acredite nessa história. Talvez você pense assim: mais uma história de carnaval. Olha, vou te dizer que eu acredito. Verdade ou mentira é um detalhe menor. Não se trata disso. Vamos colocar a questão de um jeito mais bonito: realidade ou invenção? O poeta mato-grossense Manoel de Barros diria memórias inventadas ou 10% é verdade e 90% é invenção! Mas, se considerarmos invenção como criação humana, não dá para dizer que uma história inventada é mentira.
Tem um samba que diz assim: O corpo, a morte leva / A voz some na brisa / A dor sobre pra’as trevas / O nome a obra imortaliza. Ou seja, a obra imortaliza o artista, a criação torna a vida do criador mais longa do que a sua carne. Aliás, se você olhar direitinho, dentro da palavra ‘carnaval’ tem a palavra ‘carne’.
Então, o sambista gente boa de que falamos é Zé Keti. Um dia, Zé Keti apareceu acompanhado de “uma bonita senhora” e disse: “Elton, essa aqui é a mascarada”. Mais ou menos assim nasceu o samba canção Mascarada, de Elton Medeiros e Zé Keti.
Vejo agora esse seu lindo olhar / Olhar que eu sonhei / E sonhei conquistar / E que um dia afinal conquistei, enfim / Findou-se o carnaval / E só nos carnavais / Encontrava-te sem / Encontrar esse seu lindo olhar, porque / O poeta era eu / Cujas rimas eram compostas / Na esperança de que / Tirasses essa máscara / Que sempre me fez mal / Mal que findou só / Depois do carnaval.
Neste 2021 comemoramos o centenário de Zé Keti. Mais do que nunca e por razões bem particulares, Mascarada faz-se atual. A mulher mascarada que inspirou a canção se mostraria prudente na pandemia. Porque, apesar dos pesares, apesar da pandemia, hoje é terça-feira de carnaval. Apesar de você, Jair, apesar da sua ignorância e truculência, apesar do rio de leite condensado e dos mares de lama onde naufraga seu governo incompetente, apesar da cerveja e do whisky, do bacalhau e da picanha de alta patente, apesar de você amanhã há de ser outro dia. E as ruas estarão cheias de gente colorida, alegre e cheia de vida: Unidos do Fora Bozonaro, nota 1000.
Faça como a Mascarada: use máscara!
Ivan Rubens Dário Jr
publicado no jornal Cidade de Rio Claro em 22 de março de 2021
Mascarada, Zé Keti
Mascarada, com Elton Medeiros
Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro de 16/fev/2021
ResponderExcluirIvan, sua publicação é mais que uma crítica, é uma reflexão sobre arte e política. Gostei muito.
ResponderExcluirIvan, sua publicação é mais que uma crítica, é uma reflexão sobre arte e política. Gostei muito.
ResponderExcluirZe Keti muito atual.
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