Recente lançamento da editora Paulus discute o pensamento de Rubem Alves. Dos 14 artigos, um foi escrito pelo amigo e professor Romualdo Dias, que escreve também no material do Orçamento Participativo realizado na cidade de Suzano. Ganhei um exemplar com provocativa dedicatória. Apressei-me na leitura do artigo a letra do desejo, onde o autor mostra elementos de psicanálise presentes nos textos de Rubem Alves. Romualdo compara a escrita de Rubem Alves à escuta psicanalítica. “Neste livro não haverá notas de rodapé. Rodapé é coisa que fica para baixo, na altura do pé, e é incômodo ficar olhando para baixo. Mas como estou escrevendo sob inspiração gastronômica, incluirei, no meio do texto, notas de ‘canapé’, coisas pequenas saborosas, algumas doces, outras apimentadas, que abrem o apetite e que se servem no meio da festa. (ALVES, 2002: 9).
Foi sob inspiração gastronômica que o CORPO, conselho do Orçamento Participativo de Suzano, realizou a atividade de encerramento de mais um ano de trabalho. No auditório do Centro Cultura de Suzano, conselheiras e conselheiros receberam certificado de participação. Como de costume, a organização provocou a participação convidando-os à manifestação. Sob responsabilidade da equipe de Gestão Democrática da Secretaria Municipal de Educação, a atividade transcorreu com o brilho e a coerência que marcam a equipe desde sua criação no início de 2005. As falas revelaram a intensidade do trabalho coletivo, a responsabilidade de optar por um investimento público respeitando o desejo expresso por milhares de homens e mulheres durante as plenárias deliberativas do OP, o papel da representação política, a desenvoltura com que o grupo se expressa. Para Osli Barroso, “o OP é a maior obra social do governo Marcelo Candido”. Falas que revelam dimensões do trabalho que, de tão sutis, escapam aos menos atentos: amizade, respeito, carinho, ampliação da visão de mundo... Saboreamos saberes.
Em seguida, a festa do OP. Foi um almoço coletivo preparado a muitas mãos. Mãos que naquele dia abandonaram o giz empunhado por décadas para preparar arroz e saladas, Mãos que no dia a dia hospedam, acolheram com uma bela mesa de frutas. Mãos que prepararam o almoço com o carinho de quem educa. Mãos que deixaram suas casas para fazer do Casarão das Artes (espaço público administrado pela secretaria municipal de cultura) a nossa casa, para receber a nossa turma, compuseram o nosso CORPO. Saboreamos sabores.
Danado o amigo que me presenteou. Convidado para o encontro, não compareceu. Contudo, me fez reviver aquele momento. Enquanto ‘lambi os beiços’ lendo A letra do desejo, percebi como é saborosa a educação popular. Freud escolheu a seguinte epígrafe na abertura da obra fundadora da psicanálise, A interpretação dos sonhos: “se não puder dobrar os deuses de cima, comoverei o Aqueronte”. Acheronta movebo cuja tradução é ‘mover as cidadelas da terra’, mas que significa ‘agitar o submundo’.
Viver, reviver, conviver. A intensidade dessas emoções exprimem o sentimento que paira no Orçamento Participativo de Suzano. E mais um ciclo se completa, e mais um ano de muito trabalho. Encerramos mais essa etapa, conclui minha participação certo de que o melhor de uma cidade é seu povo. Juntos, saboreamos saberes e sabores. E o tempo vai passando, as pessoas vão ensinando e aprendendo, trocando saberes, provando sabores. Trocando sabores, saboreando saberes.
Ivan Rubens Dário Jr.
Publicado no Diário de Suzano
Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 18 de março de 2010
Disponível no sítio do Jornal Cidade de Rio Claro
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