Um Homem Comum


sobre Nietzsche, Peter Gast e Caetano Veloso


O baiano Caetano Veloso tem uma obra vastíssima. Você, certamente, conhece alguma canção deste artista baiano, talvez nem saiba tratar-se de uma canção de Caetano ao cantarolar. Neste texto vamos falar de uma canção pouco conhecida intitulada 'Peter Gast'. A canção está no álbum chamado UNS, de 1983, onde aparecem clássicos como o samba enredo É Hoje, como Eclipse Oculto e outras canções. A canção ‘Peter Gast’ começa assim:

SOU UM HOMEM COMUM, QUALQUER UM / ENGANANDO ENTRE A DOR E O PRAZER / HEI DE VIVER E MORRER COMO UM HOMEM COMUM / MAS O MEU CORAÇÃO DE POETA PROJETA-ME EM TAL SOLIDÃO...

Sou um homem comum.... O artista pode estar falando de si mesmo, mas se Caetano estiver falando de um eu lírico, ‘Sou’ pode ser qualquer pessoa. Assim ele nos empurra a pensar para fora do ego, para fora ou para além do sujeito, pensar sem sujeito. Então, ‘sou um homem comum’, sou uma mulher comum. Qualquer homem, qualquer mulher, apenas mais um, apenas mais uma, na multidão. Assim a canção começa nos convidando para um passeio pelo comunal, por esta dimensão daquilo que pode ser de todos, de todas, de cada um e cada uma, que ao mesmo tempo não é de ninguém. Mas (e sempre tem um mas...), um coração de poeta, mas a poesia pode projetar, a poesia pode lançar, a poesia pode ascender a alma, elevar o espírito, a poesia pode ampliar os horizontes, pode nos fazer voar. Um outro verso da mesma 'Peter Gast' diz assim:

NINGUÉM É COMUM, E EU SOU NINGUÉM. NO MEIO DE TANTA GENTE / DE REPENTE VEM (...) O PROFUNDO SILÊNCIO / DA MÚSICA LÍMPIDA DE PETER GAST

Mas (e sempre tem um mas), ninguém é igual, mesmo gêmeos não são iguais. Toda pessoa é singular, se faz na singularidade do percurso da vida.

ESCUTO A MÚSICA SILENCIOSA DE PETER GAST / PETER GAST, O HÓSPEDE DO PROFETA SEM MORADA / O MENINO BONITO, PETER GAST / ROSA DO CREPÚSCULO DE VENEZA / MESMO AQUI NO SAMBA-CANÇÃO DO MEU ROCK'N'ROLL / ESCUTO A MÚSICA SILENCIOSA DE PETER GAST

Você talvez esteja se perguntando: quem é esse tal de Peter Gast? de onde a inspiração para o artista criar a sua obra de arte? Acontece que Caetano Veloso estava muito interessado no filósofo alemão Friedrich Nietzsche, leu um livro a respeito da vida do filósofo e ficou fascinado com a personalidade de Johann Köselitz, igualmente músico e compositor, amigo de Nietzsche até o final de sua vida, que dedicou parte significativa de sua vida à amizade com seu ex-professor e sua produção filosófica e intelectual. A propósito do livro ‘Humano, demasiado humano’, Nietzsche dizia: “fundamentalmente, Gast foi o escritor enquanto eu fui apenas o autor”. Assim ficou conhecido Köselitz: Peter Gast.

ESCUTO A MÚSICA SILENCIOSA DE PETER GAST / PETER GAST

Composição: Gast pode significar ‘hóspede’, pode significar ‘visitante’ ou ‘convidado’. Um homem comum, um homem ninguém, um menino bonito, um músico e compositor que se fez conhecido na voz e nas palavras do amigo Nietzsche.



Publicado no Jornal Cidade de Rio Claro em 19 de março de 2024







Amarelo

Ela chegou.

Era amarelo, longo e lindo o vestido.

Tecido no mais fino linho, talvez algodão. Talvez ceda, não sei. Talvez. 

O tecido importa menos. Importa mais a tecelagem.

Não a da peça, mas a tecelagem em pessoa: ela é muita gente. 

Ela tece, tece linhas de vida. Tece fios de afeto, insana.

Artesã, romã, coração e cabeça, ela não está sã. 

Curaçau, cacau, 

maravilhosa vista aérea da dorsal.

o vestido quase não cobre as costas dela.

Bela, ela estava ali vestida de sol, vestida de sol.


Quando ela chega, somos como que atingidos pelo brilho do sol,

ela brilha à sol. Ela é Sol.

Solange? não.

Soledade? não.

Sol, assim, apenas sol. 


Ela despiu-se do sol.

Despida, o vestido que pouco cobria o verso do ventre

melhora

melhora

melhora a vista da dorsal.

Ela estava ali despida de sol:

é maravilhosa como cada raio de sol,

maravilhosa como cada raio de luar.

Luar e luau, ela traz consigo.

Ela é a festa, alegria, graça.

mesmo quando a graça é completamente sem graça, é ela quem traz

Ela é sol

Ela é lua

Ela é rio

Ela é fio

Ela é vida

A vida que se pretende viver.

Ela está livre. Ela foi. Um dia ela volta.

Talvez

Talvez