Ivan Lins e Vitor Martins são parceiros numa canção de título bem sugestivo: Saindo de Mim. Ivan apresenta essa canção quase como um fado. Ivan poderia narrar essa saída, essa partida, Ivan poderia tornar essa despedida pesada, um fardo. Mas a canção sugere uma leveza. Ivan, talvez Vitor. Via de regra nas canções em parceria, primeiro vem o nome de quem fez a música e depois o nome de quem escreveu a letra. Música e letra, letra e música se fundindo, confundindo. Letrista e músico, músico e letrista compondo. Certamente existem composições que se fazem na força do encontro. Sim, porque na força de um encontro intenso tudo se mistura, e ambos vão fazendo tudo, letra e música, música e letra, tudo junto e misturado. A canção diz assim:
Você foi saindo de mim / Com palavras tão leves / De uma forma tão branda / De quem partiu alegre
Veja que interessante: a canção tem uma personagem que aparece na segunda pessoa do singular: você! A voz do Ivan sugere ser uma mulher. Nessa nossa primeira hipótese, uma mulher foi saindo de mim... ela deixou a relação mas não de qualquer jeito. O artista qualifica esse movimento, uma espécie de saída, de retirada, de deserção, seja lá o que for mas num movimento de dentro para fora. Você foi saindo...
Você foi saindo de mim / Com um sorriso impune / Como se toda faca não tivesse / Dois gumes
Ouvindo mais a canção, formulamos uma segunda hipótese: 'você' pode ser uma canção. Neste caso, o sentido da canção muda completamente. O movimento é o mesmo, um movimento de dentro para fora, mas neste caso é uma canção que nasce dentro do compositor e vai pedindo passagem e, movida por seu desejo de mundo, vai saindo. Me parece que aconteça mais ou menos assim com as obras de arte, elas nascem dentro de um corpo humano mas são vocacionadas para o mundo. Neste caso é parir e partir. É parir uma obra que imediatamente vai para o mundo. Então, você foi saindo…
Você foi saindo de mim / Devagar e pra sempre / De uma forma sincera / Definitivamente
São duas palavras, nesse caso dois verbos, praticamente vizinhos: parir e partir. A propósito disso, um jovem escritor que pariu recentemente, e uma jovem poetisa que também pariu recentemente, me disseram gostar dos feedbacks. Apesar da minha dificuldade com estrangeirismos, me parece que estão se referindo a essa sensação interessante de perceber, de sentir o efeito da obra nos leitores e leitoras. Porque uma obra de arte, seja uma música ou um texto, seja uma poesia ou uma dança, atravessa quem se deixa afetar por ela. Essa é a força, essa é a potência da arte: atravessar e produzir trans_formações.
Você foi saindo de mim / Por todos os meus poros / E ainda está saindo / Nas vezes em que choro
Seja uma pessoa saindo da relação, seja uma canção saindo do compositor, seja um texto saindo do escritor, seja uma poesia saindo da poetisa, seja uma lágrima saindo dos olhos, seja lá o que Ivan e Vitor quiseram dizer, isso não depende mais deles. É parir e partir. E partindo, a obra ganha tantos sentidos quanto a imaginação puder produzir.
Assim, você foi saindo de mim, de Ivan Lins e de Vitor Martins.
Ivan Rubens
Que leveza!
ResponderExcluirBonito!
ResponderExcluirComo pode sair de você tantos sentimentos finamente sentidos, proporcionando ao leitor uma viagem que faz sair do corpo e levitar, construindo pensamentos em realidades que se confundem com os sonhos. Você tem o dom de na desconstrução, construir delicadamente pensamentos que alçam voos inimaginaveis
ResponderExcluirEncantador e profundo!!!!
ResponderExcluirBonita de ouvir...e sentir!
ResponderExcluirEnquanto eu lia... e saia do lugar da mulher indo embora ou da música/texto saindo... Me vi pensando nas lágrimas que saíram de mim quando minha mãe foi embora. E das lagrimas que vou chorar quando meus filhos saírem de casa... saírem do meu colo.... Saírem de mim.
ResponderExcluir