A música Yanomami



A gente ouve muita coisa... O tempo todo tem sons, tem palavras, barulhos e até melodias atingindo nossos ouvidos. Tem também ruído: uma televisão ligada, um rádio, um fone de ouvido em volume altíssimo ou mesmo um celular barulhento e sem o fone de ouvido. Então você está distraído e é atingido pelo ruído de um áudio no zap que agride seus ouvidos e você nem imagina de onde vem. Quero aqui marcar uma distinção didática: estou chamando de ruído uma certa poluição sonora, um determinado som que nos atinge mas não significa nada; vou chamar de música aquele som que interessa, que pede nossa atenção, que mexe, aquele som que convida, convoca uma escuta atenta.

No dicionário etimológico, música vem do grego mousikḗ, associado a moûsa, em referência às personagens femininas da mitologia grega. As musas eram habilidosas em criar belos sons. Para os gregos a música era uma téchne, uma técnica não focada na razão ou logos, mas sim numa manifestação de entendimento. Esta atividade artística era entendida como uma mousiké téchne, que posteriormente ficou conhecida como "ars musica" na civilização romana.


Pesquisas arqueológicas encontraram flautas e outros instrumentos fabricados de osso ou madeira que se remetem há 40.000 anos. Apesar disso, a música como manifestação cultural teve início na Grécia Antiga mais ou menos como a conhecemos hoje. Assim, quando as palavras não podem transmitir todas as ideias, a expressão musical procura comunicar aquilo que não cabe dentro da palavra. Bonito, não?

Aqui no nosso texto, em oposição à música está o ruído. Um exemplo de ruído que atinge nossos ouvidos está dentro da palavra negacionismo. Mas o que significa negacionismo? No Aurélio, dicionário da língua portuguesa, negação significa ato de negar, falta de vocação, falta de aptidão, ausência. Significa também rejeição, recusa. Para a filósofa brasileira Marilena Chauí, significa ‘mentira!’. Explico: imagine que você vai comer aquela bolacha recheada mas não sabe qual é o recheio que ela tem. Então você abre a bolacha para ver o recheio que está dentro. Olha, cheira e conclui que o recheio é morango. A exemplo da bolacha, dentro da palavra também tem uma espécie de recheio. O ‘recheio’ da palavra é o sentido que ela carrega. Mas o sentido das palavras varia de acordo com o pensamento de quem fala ou escreve. 


Quando a professora Marilena Chauí abre a bolacha (ops), abre a palavra ‘negacionismo’ ela encontra um recheio ruim que ela dá o nome de ‘mentira’, ou seja, a capacidade de mudar os fatos. Ela também encontra ‘cinismo’. Cinismo é a recusa da distinção entre a verdade e a mentira. Para o filósofo Adorno, ‘cinismo’ é tornar irrelevante a distinção entre verdade e mentira. Dizer que os indígenas são os responsáveis pelo desmatamento da amazônica é de um cinismo brutal. Isso é mentira!



Já as palavras Yanomami, para dizer um povo indígena, tocam nossos ouvidos como a música mais bela.



Ivan Rubens

professor


publicado no Jornal Cidade em 18 de maio de 2021

7 comentários:

  1. Minha próxima leitura! Viu A Última Floresta???

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    1. A QUEDA DO CÉU???
      vi a Última Floresta, recomendo. tb vi a Febre e Ex-pajé. ótimos filmes. se vir, comente pfv.

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  2. Muito bom, Ivan! Tudo tinha ruído.

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  3. O ruído talvez ajude a confundir as palavras que precisam ser ditas e ouvidas e com isso os cínicos aproveitam para "passar a boiada", como já verbalizaram que fariam.

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  4. Ivan, estou pensando no ruído. Em música contemporânea o ruído pode compor a construção da música. Penso que sempre com intenção. Muitas vezes de provocar sensações. E fazendo relação com esse ruído/ mentira, essa sensação é ação efetiva de morte e destruição.

    Ivan! Sua escrita é pura arte.

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