Adoro música. Sou de família de musicistas. Mas, para felicidade geral da nação, dedico minha herança genética à audição. Afinal, a exemplo de um aparelho de videokê, ninguém merece vozes esganiçadas aos berros ou um instrumento musical, qualquer um, mal tocado. Dentre os compositores que ouço habitualmente está Antônio José Santana Martins. Dia desses nos conhecemos pessoalmente durante sua apresentação promovida pela secretaria municipal de cultura em Suzano.
Tom Zé é sertanejo de Irará, interior da Bahia, nascido em 1936. Com presença importante na MPB, nas décadas de 1960 e 1970, no final da década de 1980 sua carreira deu uma reviravolta quando o músico norte-americano David Byrne descobriu num sebo o inovador "Estudando o Samba". Fascinado, Byrne lançou o compositor brasileiro no mercado internacional. O sucesso conquistado na Europa e nos Estados Unidos durante a década de 1990, só se refletiu no Brasil em 1999, com o lançamento de seu CD "Com Defeito de Fabricação".
Estudou na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia na década de 1960. Esteve com Caetano, Gil, Bethânia e Gal no movimento tropicalista e no álbum ‘Tropicália ou Panis et Circenses’. Em cena, atuou sob a direção de Augusto Boal, fundador do 'teatro do oprimido' que entende o teatro como instrumento de emancipação política inspirado nas propostas do educador Paulo Freire.
Com a canção ‘São, São Paulo, Meu Amor’, conquistou o IV Festival de Música da TV Record. Torcedores do São Paulo Futebol Clube cantam "São, São Paulo, Tricolor". O primeiro show de Tom Zé que assisti foi aqui na UNESP em 1994. Na atividade cultural organizada pelo Diretório Acadêmico - DA, ele cantou e contou histórias. Falou da sua vida, da cultura brasileira, falou de política, falou... Descontraído, convidou-nos para continuar a conversa no bar, molhando o verbo e ajudando a angariar fundos para o DA. Chegando, lá estava ele do lado de dentro do balcão servindo bebida e simpatia.
Tom Zé é um grande artista. Tem opinião, coloca seu talento na luta por um mundo justo. "Tem pessoas que sabem que não podem ser felizes sozinhas. Olham para os olhos das outras e ficam fracas quando a mensagem que recebem não é de satisfação. Eu sou político quando eu compreendo isso, que uma pessoa não pode ser feliz se há em volta dela pessoas infelizes", disse.
Feliz escolha do prefeito Marcelo Candido e do secretário de Cultura Walmir Pinto em convidá-lo para comemorar com o povo o aniversário da cidade. Durante o show, Tom Zé fortaleceu a luta pela emancipação sexual das mulheres, falou da felicidade e do gozo. Estava satisfeito ao saber que 2% do orçamento público municipal é investido pela secretaria de cultura e provocou os/as presentes dizendo que é preciso aproveitar muito bem cada centavo deste. Elogiou a descentralização da Cultura com a construção de centros culturais na periferia, um deles inclusive por decisão popular nas plenárias do Orçamento Participativo. Aliás, duas outras pessoas interessantíssimas que estiveram em Suzano e conversei bastante, disseram a mesma coisa: o ator Sérgio Mamberti, atual presidente da Fundação Nacional de Arte – FUNART, e o filósofo e teólogo Leonardo Boff.
Ouça ‘Tô’ na interpretação de Zélia Duncan no excelente álbum “Eu me Transformo em Outras. Descubra em ‘Menina’ que "amanhã de manhã a felicidade vai desabar sobre os homens” e encontre elementos ‘Sobre a liberdade e Democracia’ no álbum ‘No jardim da política’.
A canção ‘Classe operária’ diz assim: "Sobe no palco o cantor engajado Tom Zé, que vai defender a classe operária, salvar a classe operária e cantar o que é bom para a classe operária. Nenhum operário foi consultado, não há nenhum operário no palco, talvez nem mesmo na plateia, mas Tom Zé sabe o que é bom para os operários. Os operários que se calem, que procurem seu lugar, com sua ignorância, porque Tom Zé e seus amigos estão falando do dia que virá e na felicidade dos operários. Se continuarem assim, todos os operários vão ser demitidos, talvez até presos, porque ficam atrapalhando Tom Zé e o seu público, que estão cuidando do paraíso da classe operária. Distante e bondoso, Deus cuida de suas ovelhas, mesmo que elas não entendam seus desígnios. E assim, depois de determinar qual é a política conveniente para a classe operária, Tom Zé e o seu público se sentem reconfortados e felizes e com o sentimento de culpa aliviado".
Desde o começo dos anos 90, Tom Zé cuida do jardim de um prédio de apartamentos, no bairro de Perdizes, São Paulo. Hoje ele nem mora mais lá. Mudou-se para o edifício da frente. Cuida da terra, planta flores e frutas, aprendendo a eliminar as pragas das folhas, formigas enxeridas e condôminos de mau humor. “Já aprendi vários tipos de poda, a lua certa, essas coisas. Aprendi a sublimar o barulho da rua. E também aprendi a lidar com as pessoas do condomínio. Tem todo tipo de gente. Há pessoas que têm ciúme, algumas reclamam que eu estou gastando muita água, outras trazem plantas e não entendem quando digo que não dá para plantar ali porque uma pode fazer sombra para a outra... Mas eu converso, explico, vou me virando” disse a uma revista. Esse é Tom Zé, um músico brasileiro considerado pela revista Rolling Stone um dos “melhores artistas do mundo na década de 90”.
Ivan Rubens Dario Jr.
Publicado no Diário de Suzano