Suzano construindo a democracia

No último dia 24 o Alto Tietê recebeu a visita do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. Exponencial pensador da atualidade, o cientista político lusófono analisou na Escola Nacional Florestan Fernandes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Guararema, “Os desafios dos movimentos sociais no século XXI”. Ativista dos fóruns sociais mundiais, além de professor catedrático de Economia da Universidade de Coimbra e professor visitante das universidades de Wisconsin-Madison, London School of Economics, USP e Universidad de Los Andes, Boaventura avalia que as sociedades e as culturas contemporâneas são “intervalares”, ou seja, se situam no trânsito entre o paradigma da modernidade, cuja falência está cada vez mais visível, e o paradigma emergente ainda difícil de identificar.

Uma das dimensões dessa transição, pouco visível, é a dimensão societal que ocorre entre um paradigma dominante centrado na sociedade patriarcal, na produção capitalista, no consumismo individualista e mercadorizado; nas identidades fortaleza; na democracia autoritária; no desenvolvimento global, desigual e excludente – e um novo paradigma, ou conjunto de paradigmas, de que apenas vislumbramos sinais. Tal argumentação apóia-se em três grandes campos de análise: a ciência, o direito e o poder.

Segundo Boaventura, a democracia representativa reduz as possibilidades democráticas. Como o capitalismo limita a democracia, é preciso radicalizar na construção de relações democráticas nas fábricas, nas casas, no mercado, nas escolas e nos equipamentos públicos. Isso porque os movimentos querem outra sociedade, querem vida melhor e querem agora. As pessoas estão à procura de razões para lutar e a mobilização se dá a partir do convencimento, essência da boa política.

Desde 11 de setembro de 2001, o conselho de segurança da ONU instituiu estratégias de combate ao terrorismo no mundo. Na lógica do terror, o império demoniza os movimentos sociais e as lideranças que resistem a seus interesses. Iniciativas jurídicas criminalizam as lutas e as lideranças populares. Mobilizando-se, jovens estudantes de Suzano manifestam posição política a favor do direito ao transporte público, o que desagrada alguns à medida que revela conflitos de interesses. Um interesse claro é a manutenção das coisas como estão: jovens sem “passe livre”, socialização dos prejuízos e privatização dos lucros. Os conservadores de Suzano esperneiam pela manutenção do “status quo”.

Assim, Suzano também vive um período de transição paradigmática. Ao estimular a participação popular, o governo Marcelo Candido tira a mordaça da boca do povo e desencadeia um processo de ampliação da democracia na cidade. Boaventura nos apresenta uma interpretação do mundo que talvez ajude a compreender melhor os movimentos e as lutas. Ao desqualificar uma luta legítima e suas lideranças, os veículos de comunicação deixam a nu sua posição política ou no mínimo revelam preconceitos. Lutemos por ideais democráticos.

Participação e a educação popular

Acontece o Fórum Mundial de Educação na região do Alto Tietê com o tema “Educação: protagonismo na diversidade”. A programação permite, dentre várias coisas, debater a questão dos espaços de participação popular na construção, gestão, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, objetivando o acesso ao conhecimento historicamente construído. Destaco aqui três mesas organizadas pela equipe de gestão democrática da Secretaria de Educação de Suzano que permitiram o encontro de experiências diferentes e, conseqüentemente, uma rica troca de conhecimentos.

Ao trazer para os debates o conjunto das ações desenvolvidas nesses dois anos e nove meses de governo de Suzano, constatamos quanto já foi feito. Os debates revelaram a formação de uma rede de participação popular, à medida que o universo de conselheiros aumenta em quantidade e qualidade; que o acesso às informações, os processos formativos e a prática do diálogo transformam indivíduos e, por conseguinte, recria grupos sociais.

O caminho percorrido no 2o ciclo do Orçamento Participativo foi longo. Doze plenárias regionais deliberativas, 36 prioridades eleitas diretamente, 24 conselheiros e conselheiras, assembléia geral dos representantes, seminário e reuniões. Nesse rico processo, os secretários municipais levaram as informações e o saber administrativo e o CORPO discutiu a viabilidade técnica, legal e orçamentária das prioridades oriundas das plenárias. Assim, afinamos a vontade popular construída numa amostra populacional de 2.300 pessoas.

Chegou a hora de fechar o Plano de Investimentos - documento que será entregue ao Prefeito de Suzano com a decisão final do OP para inclusão na Lei Orçamentária Anual. Após 17 reuniões ordinárias, um seminário de formação e a caravana do OP – etapa que totalizou aproximadamente 54 horas de intenso trabalho - redimensionamos o sonho coletivo aos limites da realidade.

Enquanto projeto político, a eleição do governo Marcelo Candido garantiu a participação popular em Suzano como eixo de governo. Permite a elaboração de planos e projetos coletivos nas diferentes áreas do governo: conselhos institucionais, conselhos gestores de saúde, conselhos de escola, promoção da cidadania, acesso às diversas manifestações culturais, informação como direito são alguns exemplos. É oportuno lembrar que os planos sempre são carregados de intencionalidade e se materializam no possível da vida real na cidade, tensionada permanentemente por uma cultura política secular. Isso significa que a participação popular se levada a sério, trabalha na perspectiva da (re)invenção do Estado e da democracia, provocando transformações tanto para o governo quanto para a sociedade.

Nos lançamos por caminhos nunca percorridos em Suzano. Juntos, encontramos surpresas ao longo desse caminho. Quanta novidade, quanta descoberta, quanta construção coletiva de conhecimento. Pensando na participação popular enquanto processo educativo, fica a certeza de que estamos no caminho certo.

CORPO diz SIM para Suzano

Tramita na Câmara Municipal de Suzano há tempos, o projeto SIM – Sistema Integrado Municipal de Transporte Público Coletivo. Polêmico, o projeto tem pautado o debate na cidade e o CORPO (Conselho do Orçamento Participativo) não ficou de fora. Para além das questões orçamentárias, o CORPO trata de temas mais gerais, especialmente das questões que dialogam com a maioria da população. Isso porque a representatividade dos conselheiros e das conselheiras está fundamentada num processo livre e democrático nas 12 regiões em que Suzano foi organizado.

O projeto SIM é polêmico. “Tribunal de contas julga irregular contrato da Visul” foi manchete na página 4, na edição de 31 de agosto deste diário. Segundo a matéria, o referido contrato foi firmado no dia 27 de dezembro de 2004, ao apagar das luzes da gestão passada. Outro aspecto a ser considerado é a existência dos chamados “alternativos” ou “lotação” que, sem amparo legal, demonstram a incapacidade do atual sistema (nem deve ser considerado como sistema de tão precário) e a baixa qualidade do serviço oferecido.

Ao criar a tarifa pública, o SIM permite a integração da tarifa nos veículos que circulam no sistema municipal e até com outros sistemas. Com a figura das linhas complementares, reorganizará o sistema diminuindo o tempo de espera na parada de ônibus e maior fluidez na circulação dos veículos. Garante vários modais interagindo linhas principais com linhas complementares. Cada estudante residente em Suzano receberá 50 passes por mês, o que permitirá o acesso aos serviços que a prefeitura oferece, de graça, no Centro Cultural, por exemplo. Biblioteca, internet, cursos e oficinas nas diversas áreas, uma programação mensal que oferece teatro, cinema, música, exposições e outros.

Garante também dignidade aos idosos, à medida que usarão o sistema de transporte sem qualquer distinção. As pessoas com deficiência terão mais carros adaptados à disposição. Isso porque o SIM permite que grande parte da receita, oriunda das tarifas pagas pelo povo, seja investida na melhoria do sistema.

Considerando o transporte público como favor e não como direito, alguns setores trabalham pela manutenção do status quo. São setores refratários às mudanças implementadas pelo governo Marcelo Candido por inverter as prioridades no estabelecimento das políticas públicas.

Ao assumir publicamente suas opiniões, os atores sociais se posicionam e tensionam os poderes instituídos. Foi o que fez o CORPO, a União dos Aposentados e Pensionistas de Suzano, o Conselho Municipal do Idoso, a União Municipal dos Estudantes de Suzano, além de várias entidades e associações. Isso é saudável, oxigena a vida na cidade à medida que exercita a democracia e aponta para uma sociedade diferente. A Néia ficou orgulhosa, a Cida quer que outros participem, a Cátia descobriu que existem métodos diferentes de mobilização. Para o Benedito é preciso defender o grupo. “Conversando com as pessoas do bairro sobre o SIM dá para convencer”, disse a Delma. Para ela, a sessão da câmara foi uma lição. Ela disse, sem perceber, que informação é poder. De posse das informações, podemos participar, podemos convencer, podemos discutir e opinar, enfim, podemos construir nossas próprias opiniões. Podemos lutar por aquilo que acreditamos.